Por Luciano Martins Costa em 12/10/2013 na edição 767 - Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 11/10/2013.
Reportagem do Estado de S. Paulo apresenta, na edição de
sexta-feira (11/10), os resultados de uma ampla investigação do
Ministério Público Estadual paulista sobre a organização criminosa
chamada PCC – Primeiro Comando da Capital.
O retrato é assombroso, não
apenas porque revela o poder de uma quadrilha que domina os grandes
presídios de quase todo o país e atua até mesmo em países vizinhos, mas
porque dá uma ideia clara de sua sofisticada organização e da facilidade
com que atua.
Trata-se da maior operação já realizada pelo Ministério Público, que
exigiu três anos e meio de trabalho e da qual resulta a apresentação de
175 denúncias e pedidos de internação de 32 presos em regime disciplinar
mais rigoroso.
Foi juntando evidências, gravações de conversas
telefônicas, depoimentos de testemunhas e dados esparsos sobre
apreensões de drogas e armas que os investigadores compuseram o corpo
principal do inquérito.
O organograma do poder no crime organizado, que o jornal paulista
publica em meia página, revela a estrutura de uma grande empresa,
contando até mesmo com uma espécie de conselho de administração.
Crime organizado |
Mesmo com os cuidados demonstrados pelos criminosos em suas conversas
telefônicas, o trabalho minucioso de organização dos conteúdos permitiu
aos investigadores traçar um mapa desse poder paralelo. Ainda assim, não
há garantias de que esse trabalho resulte em uma ação mais efetiva do
Estado contra os criminosos.
Primeiro, porque o Judiciário não acompanha necessariamente o empenho
do Ministério Público em desarticular o bando, já que a Justiça precisa
analisar individualmente as 175 acusações e isso leva tempo, dando
vantagens aos advogados dos bandidos. Segundo, porque, conforme revela a
própria investigação, a quadrilha conta com muitos aliados dentro do
aparato policial.
Jabuti não sobe em árvore - Esse é o ponto em que se percebe uma fissura na reportagem do Estado de S. Paulo,
muito provavelmente originada na carência de informações sobre esse
aspecto fundamental do fenômeno social chamado crime organizado.
São poucas as possibilidades de se consolidar, sob os narizes da
polícia, uma organização tão poderosa e sofisticada, sem que um
contingente importante do setor de Segurança Pública tenha se omitido ou
contribuído para isso. Portanto, uma investigação desse porte não se
completa se não desvendar as relações entre o crime e o poder público.
Como se diz popularmente, se o jabuti está no alto da árvore, foi porque alguém o colocou lá.
Segundo a reportagem, o Ministério Público Estadual flagrou toda a
cúpula do PCC “numa rotina interminável de crimes” – ordenando
assassinatos, encomendando armas e toneladas de cocaína e maconha. São
crimes que se produzem continuamente, como parte do dia a dia desses
personagens, sob o rigoroso comando dos chefes que se encontram reclusos
em presídios de alta segurança.
Como explicar que possam agir com tanta organização e eficiência?
Cavalo não desce escada, como diria o falecido colunista Ibrahim Sued,
do Globo, para argumentar que certas coisas nunca mudam.
Relações deletérias entre o crime e a polícia são quase uma marca dos
sistemas de segurança em todo o mundo. Na Itália, foi preciso criar uma
verdadeira operação de guerra, que acabou sacrificando alguns dos
melhores quadros da polícia e do judiciário, para colocar sob algum
controle o poder paralelo da máfia. No Brasil, a corrupção de agentes
públicos pelo crime organizado é uma chaga que contamina a eficiência de
todo o aparato da polícia e da Justiça.
Falta um trecho importante no texto do jornal paulista, que talvez
esteja sendo guardado pelo Ministério Público para uma ação mais
eficiente no futuro: aquelas informações sobre o lado oficial do crime,
onde se conta a história das omissões do Estado e parcerias com agentes
públicos.
Talvez numa próxima reportagem.
Como se sabe, jabuti não sobe em árvore e cavalo não desce escada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário