domingo, 15 de fevereiro de 2015

Leis demais, Direito de menos. Artigo escrito em 2010.

Transcrevo aqui neste domingo de Carnaval um Artigo que tenho guardado há tempos, de autoria do Dr. Egon Bockmann Moreira, espero que gostem da leitura.

22/01/2010 - Leis demais, Direito de menos.



Divulga-se a “produtividade” de legisladores com base no número de projetos de lei, não na sua utilidade. Em suma, vigora preocupação relativa à quantidade, não à qualidade.

No dia 14 de janeiro, a Presidência da República promulgou 11 leis. Dessas, no mínimo duas são, por assim dizer, peculiares. A primeira é exemplo da mão visível do Estado metendo-se onde não precisa: “Dispõe sobre o exercício da profissão de Repentista” (Lei 12.198/2010). Já a segunda, com o perdão pela analogia, antes lembra o forte romance Meridiano de sangue, de Cormac McCarthy, do que propriamente as necessidades nacionais: trata-se da Lei 12.199/2010, que “Institui o Dia Nacional de Combate e Prevenção ao Escalpelamento”. Não, não há qualquer engano: no dia 28 de agosto, os brasileiros devem comemorar esse dia (o verbo é este mesmo: “comemorar”). Já na lei seguinte, a 12.200/2010, tudo volta ao normal: ela cria cargos “destinados ao Gabinete de Segurança Institucional e ao Ministério da Justiça” (só 14 novos cargos de confiança, nada mais).

Todos esses diplomas seguiram a tramitação normal das leis brasileiras: proposta, análise e pareceres, debates, votação e aprovação na Câmara e no Senado, antes do encaminhamento à Presidência. Consumiram tempo dos legisladores (e de seus assessores) e muito dinheiro dos contribuintes. Com todo respeito aos Repentistas e solidariedade aos escalpelados, fato é que a legislação sobre tais assuntos é significativo sintoma do que se passa no Brasil: leis demais, Direito de menos.

Bem verdade que o debate a propósito da profusão legislativa brasileira já é antigo. Antigo e infértil. Discute-se se o cidadão precisa de leis que o façam cumprir a Constituição (vide a briga sobre o nepotismo – se era necessária lei para proibi-lo ou se o princípio constitucional da moralidade seria suficiente). Fala-se de leis mais graves, a adjetivar crimes (“hediondos”), para conter a criminalidade. Insiste-se em leis para dar nomes a ruas, praças, prédios, passarelas, salas, cadeiras etc. 

Divulga-se a “produtividade” de legisladores com base no número de projetos de lei, não na sua utilidade. Em suma, vigora preocupação relativa à quantidade, não à qualidade. E se a corrida da fama legislativa diz respeito ao volume, então somos brindados diariamente com textos normativos inócuos, que não dizem respeito aos grandes interesses nacionais.

Mas, afinal de contas, para que existe o dever de comparecer às urnas? Por que os brasileiros são obrigados a votar e eleger? O mandato diz respeito a assuntos como comemorações nacionais para prevenir escalpelamentos? Ou consagrar nomes de ruas? Mas, se nada disso atende ao interesse público, por que tantas leis? O que transparece é o vício da celebração de leis fáceis, que não exijam debates e tomadas de posição – enfim, descomprometidas com os temas maiores da Nação. 

Vige a regra do quanto mais, melhor. Então, surgem essas pororocas legislativas – que refletem a preocupação com o texto legal e não com o significado essencial do mandato outorgado pelos cidadãos a seus representantes. 

Legisla-se para produzir textos de lei. Leis em excesso, que custam caro e só dificultam a criação do Direito.

Egon Bockmann Moreira, advogado, doutor em Direito, é professor da Faculdade de Direito da UFPR.

Gazeta do Povo – 21-01-2010.

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