domingo, 26 de abril de 2015

Maranhão. Vias de Fato analisa os cem dias do governo Flávio Dino.

Foto - Jornal Vias de Fato.
Editorial*

Após cem dias com Flávio Dino

O governo Flávio Dino caminha para o seu quinto mês. Na propaganda oficial, o discurso da mudança segue presente, como atesta a edição nº 1 de um jornal do governo, distribuído após os primeiros cem dias de mandato. 
Nesta data simbólica, Dino também deu uma entrevista para o jornal O Imparcial, que estampou, no dia 10 de abril, a seguinte manchete: “Em 100 dias, fizemos mais do que todos os governos anteriores” (sic). Esta declaração, entre aspas, foi atribuída ao governador.
Mais do que exagero, a afirmação é ridícula, pois obviamente inverídica. Porém, o excesso e a patranha são frutos do próprio O Imparcial, que, no afã de agradar, colocou apenas parte de uma afirmação de Flávio Dino publicada na entrevista, quando ele diz que “em 100 dias fizemos mais do que todos os governos anteriores, como o da governadora Roseana, em cem dias. Temos indicadores melhores em tudo...” (sic).
Ao descontextualizar a frase o veículo dos Diários Associados expôs Flávio Dino a uma situação constrangedora. Apesar disso, ninguém do governo reclamou ou se manifestou publicamente. 
A manchete de jornal que recentemente incomodou membros do governo foi a da edição de março do Vias de Fato (57°), onde nós afirmamos: “Flávio cobrado por tortura e assassinato”. Junto à manchete, colocamos a foto de um cadáver e de um rapaz barbaramente torturado, vítimas da ação de integrantes da Policia Militar do Maranhão. 
Na reação governista, contra nós, fomos agredidos em uma rede social, numa explícita manifestação de despreparo para o exercício do poder. Houve também quem considerasse a nossa capa infeliz. Não, ela não foi infeliz. Ela foi trágica. Infeliz foi a atitude dos policiais militares que provocaram as tragédias. Infeliz foi a Medida Provisória 185, assinada por Flávio Dino e que, segundo entidades respeitáveis e especializadas no assunto, estaria estimulando estes casos de tortura e assassinato. Nós fomos fieis aos acontecimentos. As famílias das vítimas e as organizações de apoio procuraram alguns veículos de comunicação de São Luís e nenhum deles se interessou em informar o que aconteceu... Nós também fomos procurados. E não ficamos omissos! Nem coniventes!
Nós repudiamos o sensacionalismo e a exploração das tragédias familiares para fins comerciais, procedimentos comuns na grande imprensa brasileira, incluindo as emissoras de TV aberta. Contudo, os casos de tortura e execução, provocados por agentes do Estado, são resultados de uma antiga ideologia de viés fascista. Por isso eles precisam ser denunciados, expostos, debatidos e cobrados. Só assim evitaremos estas terríveis práticas que atingem principalmente negros, pobres, travestis, manifestantes populares, usuários de substâncias consideradas ilícitas pelo Estado e outros marginalizados. A questão é política, não apenas policial.
Sobre o governo Flávio Dino, é lógico que ainda é cedo para uma avaliação mais profunda. Neste início, o que existe é o anúncio de “planos”, “programas” e “projetos”, somados a algumas medidas que só o tempo mostrará, verdadeiramente, a eficácia e o resultado. Sendo assim, é impossível avaliar os efeitos dos embrionários “Mais IDH”, “Escola Digna”, “Água para Todos”, “Mais Bolsa Família”, “Mais Asfalto”, “Mais Semente”, “Mais Agricultura”, além do prometido combate à corrupção, democratização da política, despoluição das praias etc.
Nestes primeiros meses, o governo teve contra si (e continua tendo) acusações muito sérias. Algumas delas feitas por uma oposição desqualificada, pois herdeira da máfia de José Sarney. Mesmo assim, é impossível desconsiderar que o governo Flávio Dino foi acusado de nepotismo (com parentes de secretários nomeados em cargos comissionados), de manter o chamado Conselhão (com seus jetons imorais de R$ 5.800,00 por reunião) ou de assinar contratos suspeitos de beneficiar aliados e financiadores de campanhas.
Entre as críticas, elas também partiram de setores reconhecidamente progressistas e com uma longa história de luta contra a estrutura oligárquica do Maranhão. Um exemplo foi a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que lançou uma nota repudiando a nomeação do ex-deputado Camilo Figueiredo para o cargo de assessor especial, dizendo que o governo Flávio Dino já “indica com clareza” o seu caráter “autoritário, conservador, amparado em estruturas oligárquicas.”. 
O fato é que ex-deputado Camilo Figueiredo - uma figura atrasada sob todos os aspectos - não é uma exceção no grupo politico que elegeu e hoje gravita em torno do atual governador do Maranhão. Ele é apenas mais um “jogador” num time onde despontam “craques” como Humberto Coutinho, Rogério Cafeteira, Waldir Maranhão, Dedé Macedo, Edivaldo Holanda, Carlos Brandão, Raimundo Cutrim etc.
A nomeação de Camilo ganhou notoriedade nacional porque ele tem relação com uma empresa agropecuária flagrada com trabalho escravo. E Flávio Dino, enquanto candidato, assinou uma “Carta-Compromisso contra o Trabalho Escravo”, um documento de iniciativa da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho escravo (Conatrae). Nesta carta, o atual governador do Maranhão assegurou que iria “exonerar prontamente qualquer pessoa que ocupe cargo público de confiança sob minha responsabilidade que vier a se beneficiar desse tipo de mão de obra”. 
Este assunto veio à tona no blog do jornalista Leonardo Sakamoto, da ONG Repórter Brasil. Segundo ele, na opinião do frei Xavier Plassat, um dos coordenadores da campanha de combate ao trabalho escravo no Brasil, a nomeação do ex-deputado para assessor do governo Flávio Dino “viola o compromisso” assumido quando ele era candidato. Ao invés de desqualificar as criticas (ou tentar justificar a escolha) o correto é demitir o especial assessor. Só isso.
Em relação à segurança, o número de mortes violentas na Ilha de São Luís, nos primeiros cem dias do ano, é praticamente igual ao do ano passado, neste mesmo período, quando estávamos em plena crise de Pedrinhas. Este ano, sob o governo Flávio Dino, foram 310 mortes ocorridas nestas circunstâncias. No ano passado, sob o comando de Roseana, tivemos 311. 
A diferença está nos homicídios provocados por intervenção policial, que praticamente dobraram. Nestes primeiros cem dias de 2015, foram 21 casos. No ano passado, no mesmo período, foram 11. Estas informações foram levantadas e divulgadas pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH).
A partir do final de março, houve manifestações estudantis em São Luís contra o aumento das passagens de ônibus. Na noite de 1º de abril, após o segundo dia de manifestação, no Plantão Central do Parque do Bom Menino, vários estudantes fizeram boletim de ocorrência, denunciando a violência policial. 
Segundo os documentos, durantes as manifestações, houve muito spray de pimenta (com pessoas passando mal), chutes e tapas distribuídos pela PM. Muitos policiais foram às ruas sem identificação. Ao Vias de Fato chegaram as cópias de alguns boletins. Por conta desta ação policial, estudantes gravaram vídeos de protestos e divulgaram na internet. 
O Centro Acadêmico de Geografia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) lançou uma nota, divulgada nas redes sociais, falando de “agressões físicas” e repudiando a “extrema violência e covardia contra manifestantes que protestavam pacificamente”. Nesta nota, os jovens da UFMA lembraram que “durante as manifestações pela meia passagem na década de 1970, o então governador João Castelo, tomou a mesma atitude contra os manifestantes”.
A comparação entre Flávio Dino e João Castelo é exagerada? Lembramos, neste caso, que após a repercussão negativa da Medida Provisória 185, um blog do Jornal Pequeno chegou a fazer alusão a uma nova “Operação Tigre”, onde o então governador João Alberto (hoje senador, conhecido por Carcará) teria mandado matar infratores. Como foi dito em nossa edição no mês passado, segundo três reconhecidas organizações brasileiras ligadas a Diretos Humanos, a medida funcionaria como uma espécie de “licença para matar”. O governo contestou. Considera absurda esta afirmação e insiste que tem compromisso com os Direitos Humanos.
Entre denúncias e críticas contra o governo e as contestações oriundas do Palácio dos Leões existe uma série de fatos... No meio deles está à dificuldade do atual governo de encarar as posições contrárias e divergentes. São claros os sinais de intolerância, incompetência e arrogância, emitidos de dentro do Palácio dos Leões. O governo não aprendeu a ouvir! Neste caso, segue parecido com os seus antecessores.
Num Maranhão com imensos problemas de ordem social, econômica e política, que padeceu por 70 anos sob os poderes sucessivos de Vitorino Freire e José Sarney, o debate da mudança não pode ser limitado a figuras desqualificadas, aninhadas junto aos dois maiores grupos políticos do Estado, capitaneados pelo PCdoB e PMDB. 
Nesta nossa edição de abril de 2015, após os cem dias do novo governo, estamos publicando a opinião de três professores da UFMA, sobre a atual conjuntura do Maranhão. Ouvimos Arleth Borges e Flávio Reis, ambos do departamento de Sociologia e Antropologia, e Flávio Soares, do departamento de História. 
Para os três fizemos as mesmas duas perguntas: a eleição de Flávio Dino encerra a dominação oligárquica no Maranhão? E quais os pontos principais de uma agenda de transformação para o Maranhão? Esperamos que este debate prossiga ao longo do atual governo.
*Editorial da 58º Edição do Jornal Vias de Fato (abril de 2015)

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