terça-feira, 25 de agosto de 2015

Direitos humanos. Não teve o eco devido uma decisão histórica tomada pelo STF, no sentido de humanizar as prisões brasileiras.


Complexo carcerário de Pedrinhas, no Maranhão, um dos mais violentos do País
Matéria copiada da Carta Capitalpor Wálter Maierovitch — publicado 25/08/2015.
O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade de votos, acaba de proferir decisão histórica capaz de resolver a caótica situação das prisões brasileiras. Verificam-se ali contínuas violações a direitos e garantias constitucionais fundamentais da pessoa humana, objeto de repulsas de associações humanitárias e de condenação internacional do País por desrespeitar as regras da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. (RE 592581 - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=592581&classe=RE&origem=AP&recurso= 0&tipoJulgamento=M  ). A decisão tão importante não repercutiu como deveria na mídia. Talvez a crise explique. 
Além do comando imperativo de procedência do recurso extraordinário modificador da decisão escapista do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (entendeu o TJRG ser matéria da atribuição exclusiva do Executivo gaúcho), o STF cuidou, em razão do reconhecimento da “repercussão geral” a definições consideradas relevantes à sociedade e à nação), de afastar futuras arguições defensivas. A parte vencida poderia agir por meio do instrumento jurídico conhecido por Reserva do Possível, válvula de escape para o descumprimento de decisão com trânsito em julgado, onde até a falta de recursos é invocada.
Sobre a desumanidade das nossas prisões, vale recordar a confissão do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de preferir se matar a cumprir pena de prisão fechada. Nem por isso o ministério entregue ao autor da confissão tomou providências a respeito. Vale lembrar, aliás, que Henrique Pizzolato, no processo de extradição em curso na Itália, se viu vitorioso em primeiro grau ao ver reconhecido pelo tribunal o risco a correr como preso no Brasil. 
Em voto erudito, o ministro Ricardo Lewandowski tratou de deixar patenteado não representar violação ao princípio constitucional da “separação de poderes” toda decisão judiciária atinente a direitos e garantias fundamentais. No caso ocorreram induvidosas violações às garantias de “ninguém ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (art. 5, III) e de ser “assegurado ao preso o respeito à integridade física e moral” (art. 5, XLIX).
Fora, evidentemente, o descumprimento à Lei de Execução Penal (LEP), de 1984, a obrigar a se manter o condenado em ambiente salubre e “condicionamento térmico adequado à existência humana”, com espaço mínimo e celas individuais (art. 88 da LEP). Para se ter uma ideia, o sistema penitenciário brasileiro possui, segundo frisaram ministros do STF, perto de 360 mil vagas e abriga população superior a 600 mil custodiados.
Como sabem até os reprovados no exame de capacitação da OAB, a atividade administrativa-expiatória, necessária ao cumprimento de pena ou de efetivação de medida preventiva detentiva imposta pelo Judiciário, é da atribuição do Executivo: estadual quanto às decisões da Justiça da unidade federativa ou, na hipótese de casos da Justiça Federal, do Executivo da União. Dadas as emergências, criou-se, por lei, um Fundo Penitenciário Nacional: quando do julgamento pelo STF, o Fundo mantinha contingenciado 1,3 bilhão de reais, ou seja, dinheiro suficiente para começar a consertar o vergonhoso sistema penitenciário nacional.
Na sessão de julgamento, o ministro Celso de Mello, sobre a legitimação judiciária e em face do princípio da separação dos poderes invocado pelo Tribunal gaúcho para acolher apelação em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, lembrou de prever a LEP os incidentes de “excesso ou desvio de execução”. O excesso e o desvio ocorrem sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares. Numa síntese, e sempre segundo o ministro Celso de Mello, ao se “impor pena mais gravosa àquela da condenação”.
Nos nossos presídios, o preso recebe uma “pena extra”, imposta pela administração penitenciária, qual seja, superlotação, risco de eletrocussão, submissão às organizações criminosas controladoras do interior dos presídios, banheiros entupidos, esgoto a céu aberto etc. Por evidente, e como destacou  Lewandowski, o Judiciário, sem violação à regra constitucional republicana da separação dos poderes, pode intervir para impor o cumprimento, ao Executivo, de obrigação de fazer, no caso, obras emergenciais.
Do trágico cenário não fica imune o Judiciário. A ação sobre a precária situação do presídio de Uruguaiana foi proposta em 2006 e restou definida pelo STF em 13 agosto de 2015. Nove anos depois.

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