quinta-feira, 7 de julho de 2016

MPF e sociedade debatem a criminalização dos movimentos sociais em Porto Alegre.

Fotos: Ascom PRR4
Cerca de 170 pessoas participaram da reunião pública promovida pela PFDC, pelo NAOP/4 e pela PRDC/RS.

O Ministério Público Federal e diversas organizações e entidades da sociedade civil debateram em Porto Alegre a criminalização dos movimentos sociais. O evento, que reuniu cerca de 170 pessoas, foi realizado na sede da Procuradoria Regional da República da 4ª Região e contou com a participação da procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat; do procurador regional da República Domingos Sávio Dresch da Silveira, coordenador do Núcleo de Apoio à PFDC na 4ª Região; do procurador da República Fabiano de Moraes, procurador regional dos Direitos do Cidadão no Rio Grande do Sul; e da promotora de Justiça Ivana Battaglin, titular da Promotoria de Direitos Humanos do Ministério Público do Rio Grande do Sul.
Ao longo de pouco mais de três horas, os membros do MPF e do MPRS ouviram as 26 pessoas inscritas e compartilharam análises sobre o andamento da conjuntura política e social e informações sobre o andamento de processos e leis que tratam dos direitos do cidadão e da criminalização dos movimentos. Manifestaram-se ativistas pelos direitos humanos e representantes dos movimentos indígena, quilombola, negro, LGBTI, feminista, secundarista, sindical e de ocupações urbanas, além da OAB-RS, da Associação de Juízes pela Democracia e do Movimento de Mães e Pais pela Educação. Ao final, relatórios e denúncias foram entregues à PRDC, à PFDC e à Promotoria de Direitos Humanos. O encontro foi transmitido ao vivo para 1.483 pessoas via Periscope e o vídeo, que no dia seguinte já alcança a marca de 1.897 espectadores, pode ser acessado pelo endereço https://www.periscope.tv/w/1nAKEqdbVpbKL.
Índios e quilombolas - A presença de Deborah Duprat – reconhecida por sua longa e intensa atuação à frente da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que trata das populações indígenas e comunidades tradicionais – atraiu grande número de militantes do movimento indígena e quilombola. Manifestaram-se Kaingangs, Guaranis, Xoklengs e Charruas, bem como representantes da Organização pela Libertação do Povo Negro, da Frente Quilombola e do Quilombo Família Fidélix. Foram abordados temas como a CPI da Funai e do Incra; o racismo e a violência discursiva e física contra indígenas e negros; a morosidade das demarcações e a construção de rodovias e barragens nas terras ocupadas. "Estamos bem preocupados com o momento atual, mas a luta dos indígenas não é de agora", disse o Guarani Maurício da Silva Gonçalves.
Reconhecendo o histórico dessa luta inclusive nos tribunais, Duprat defendeu que a luta contra ameaças de retrocessos das políticas de direitos humanos e o aumento da violência no campo é de todos. "Essa luta é por todos os que foram vencedores no processo da Constituinte. É uma luta de todos e todas nós contra o sujeito hegemônico até 88", afirmou a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, que viaja pelo Brasil para discutir temas relativos à atuação da PFDC e definir, com os NAOPs, as prioridades da área. A subprocuradora também defendeu uma Justiça de Transição para indígenas e quilombolas, a exemplo do movimento criado para evitar que episódios da ditadura militar se repitam no futuro, e destacou a reativação do Fórum por Direitos e de Combate à Violência no Campo.
Luta em comum - "Somos todos quilombolas, indígenas, vítimas das barragens", defendeu Dinara Fraga Del Rio, diretora do Sindicato dos Trabalhadores Federais da Saúde, Trabalho e Previdência (Sindisprev-RS), acrescentando que "deveríamos estar construindo uma frente para evitar a perda de direitos dos povos urbanos e das matas"."A juventude se levantou em 2013 e aglutinou a classe trabalhadora. Isso não foi em vão. Vamos colocar nas nossas agendas todas as mobilizações", conclamou. A luta em comum também foi destacada pelo ativista Queops Damasceno, do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e da Ocupação Lanceiros Negros, que fez questão de reconhecer os militantes de outros movimentos ali presentes e criticou a conivência da Justiça com a criminalização da pobreza e dos movimentos.
Outro tema abordado foi o do racismo nas universidades. "A UFGRS não está levando a sério o problema do racismo. Os estudantes (que espancaram um estudante indígena em abril) deveriam ser expulsos. Gostaria de que o MPF cobrasse isso da universidade", pediu João Maurício Farias, do Movimento de Mães e Pais pela Educação. Ele também se referiu ao movimento de estudantes secundaristas de Porto Alegre, que recentemente promoveu ocupações em diversas escolas públicas para denunciar e abrir canais de negociação com o governo estadual para obter melhorias na Educação. "Foi fundamental esse movimento, que botou a educação na pauta da sociedade. O Estado não se move se não houver luta", concluiu.
“É a primeira vez que a gente não precisa fazer nada radical para poder falar", brincou a estudante secundarista Brisa Davi. Membro do Comitê de Escolas Independentes (CEI), ela e o também estudante Daniel Oliveira solicitaram ao MPF uma carta de recomendação para que a ocupação da Secretaria de Fazenda seja reconhecida como ação do movimento de ocupação das escolas. "Isso vai ajudar no processo dos ativistas acusados de corrupção de menores", explicou.
As ocupações também foram objeto da fala da advogada Elisa Torelly, que denunciou a fragilização das prerrogativas dos advogados populares, citando como exemplos a reintegração de posse na ocupação Lanceiros Negros e na ocupação de secundaristas na Secretaria de Fazenda, quando os advogados foram impedidos de acessar seus clientes, apesar das denúncias feitas à OAB. "Uma das formas de combater o movimento social é fragilizar a atuação de seus advogados", afirmou.
MPF e Justiça - A atuação da Justiça e do próprio MPF também foi criticada. "A lei antiterrorismo surgiu num contexto de contenção das manifestações de sua população. Por que o MPF não agiu contra essa lei da mesma forma que lutou contra a PEC 37? Ano passado o governo criminalizou por medida provisória o movimento dos caminhoneiros: onde estava o MPF nesse momento? Menos burocracia, menos indisponibilidade; isso dá espaço para o poder continuar. Tornem-se mais disponíveis para coibir abusos”, disse o bancário e militante do PSOL Leandro Gonçalves.
Já o procurador do Estado Carlos César D'Elia, militante do Raiz Movimento Cidadanista, ao afirmar que "a democracia está sendo avassalada por um processo de golpe e o que existe de mais legítimo são as ocupações de escolas e moradias, a resistência histórica dos índios e quilombolas, etc.", enfatizou que esse é um desafio para os movimentos e para o próprio MPF, que considera uma instituição política, com seus vieses, destacando o fato de estar ali "com o MPF que tem compromisso com os movimentos sociais."
A promotora de Justiça Ivana Bataglin apresentou a Promotoria de Direitos Humanos do MPRS e citou alguns inquéritos em curso para apurar casos de ameaça a direitos. “Sou militante das causas sociais; por um lado, fico feliz de ver essa audiência cheia e, por outro, triste por ouvir os relatos sobre o genocídio silencioso”, afirmou, colocando-se à disposição para receber denúncias dos movimentos.
Também esteve presente a juíza federal e membro da Associação de Juízes pela Democracia Ana Inés Algorta Latorre, que manifestou a solidariedade da associação com os movimentos: "Somos minoria dentro das nossas instituições, alguns da Justiça Estadual, alguns da Federal, alguns da Trabalhista, mas estamos abertos para auxiliar no que for possível e ajudar a seguir essa luta."
Deborah Duprat lamentou a morosidade do Judiciário, especialmente no caso das ações de demarcação, – "Isso tende a aumentar e, com isso, os conflitos e a criminalização" – e reconheceu as contradições do Ministério Público, um "recorte da sociedade, como qualquer instituição". "Além disso, o MP brasileiro tem uma conformação constitucional que torna essas contradições mais agudas, já que é o único no mundo que combina a persecução penal com a defesa dos direitos humanos. E isso não é ruim", afirmou, acrescentando que uma observadora da ONU chegou a considerar esse aspecto dual como uma boa prática. Para ela, no contexto de declínio dos direitos sociais, o MP é e pode tornar-se ainda mais um espaço de escuta e articulação de fóruns que integrem instituições públicas e movimentos urbanos e rurais.
O procurador regional dos Direitos do Cidadão no RS, Fabiano de Moraes, lembrou que, após a audiência pública para debater formas de enfrentar a intolerância e o discurso de ódio, realizada em maio, uma reunião em junho formalizou a criação do Fórum Permanente de Combate à Intolerância e ao Discurso de Ódio, cuja metodologia de trabalho ainda está por ser definida. "Vamos manter os canais abertos para que a festa que tivemos aqui hoje não termine aqui", disse o coordenador do NAOP, Domingos Silveira. "Se algo serviu aqui hoje é que vocês percebam que o MPF não é inimigo do povo, mas um aliado para ser incorporado na luta", afirmou.
Outras manifestações
Onir de Araújo – Frente Quilombola e Organização pela Libertação do Povo Negro. “A inoperância e a conivência do Estado produz 93 negros vítimas de homicídio por dia. Sem contar as mulheres negras que morrem dentro do SUS. Essa República é partida, excluindo parcelas amplas da população.” 
Eli Fidélis – Comunidade Kaingang do Lami “Quando um deputado sugere que no Rio Grande do Sul se tratem os índios como no Mato Grosso do Sul, ele está mandando matar."
Marcos Vesalosquzki – Kaingang, estudante de direito na UFRGS “Na UFRGS há um caso de racismo contra um estudante indígena, abafado pela academia. A própria instituição diz que foi caso de violência comum. Não aconteceu nada com os sete alunos da Engenharia e o estudante indígena parou de estudar.”
Maurício da Silva Gonçalves - Tribo Guarani “Para nós esse espaço é muito importante. A Deborah na 6ª CCR tem acompanhado a luta dos indígenas e tentado fazer valer a lei aprovada em 88. Estamos bem preocupados com o momento agora, mas a luta dos indígenas não é de agora. Deputados defendem publicamente políticas contra os índios, enquanto índios, quilombolas e outros povos tradicionais são criminalizados por falar. A cada dia morre uma liderança indígena no Brasil por lutar por um direito garantido por lei.”
Cunllung Téie - Cacique Xokleng "Vim aqui pra conhecer os problemas de vocês e vocês conhecerem os meus. Nós, Xokleng, vivemos corridos pela barragem de Ibirama. Temos quatro aldeias condenadas pela Defesa Civil. Nós não pedimos barragem pra nossa terra, foi o governo. As famílias foram tiradas das terras e não receberam indenizações, está todo mundo debaixo da lona. Nós sofremos. Pra onde eu vou com meus filhos, com meus netos? Queremos terra pra viver, morar, ter saúde, educação, nossa cultura. Os Xokleng existem sim, e têm raízes no Rio Grande do Sul. Estou esperando o governo dar uma terra pra gente morar. Vamos continuar aqui no Rio Grande do Sul. Vcs falam muito de cidadania, mas não vejo mudança, não. Estamos cada vez mais sofrendo, falando novamente sobre nosso sofrimento."
Veitchá Téie – Cacique Xokleng “Que se reconheça que a gente precisa de terras, é nosso direito. Não quero um lugar onde o diabo perdeu as botas. Quero um lugar melhor, onde estão os ossos do meu pai. Meu desejo é entrar e ficar lá. Quero ouvir vocês. Eu sou índio, mas guardo tudo o que me traz palavras de ensinamento”.
Roberto Antônio Liebgott – Conselho Indigenista Missionário “Há comunidades inteiras criminalizadas historicamente. Vivem nas margens das rodovias. Isso doi na gente. Aí a gente luta por demarcação e o STF usa o marco temporal para justificar a perda do direito à terra. Criminaliza-se a Carta Magna. E agora a CPI da Funai e do Incra veio para criminalizar o que já foi feito. É um escárnio contra a sociedade, contra os que mais precisam da lei. E agora querem um general na presidência da Funai. Só resta a luta. E agora, há uma lei que criminaliza a luta. É um escárnio, mas contra isso a gente luta e temos vocês que estão do nosso lado.”
Henrique Mann, Sindicato dos Músicos “Me solidarizo com os estudantes, os índios, os negros e demais movimentos aqui presentes. Mas quero denunciar o uso das redes sociais por grupos organizados que pregam a volta da ditadura militar, o preconceito contra religião, a apologia ao torturador Ustra. Essas pessoas não estão sendo admoestadas, estão agindo livremente nas redes sociais. São criminosos que pressionam diurtunamente pelas redes sociais.”
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