sábado, 24 de dezembro de 2016

Guerra da Síria. Texto 2. Quem são os “rebeldes” que lutam na Síria?

Foto Failaq al-Sham
A Frente Islâmica é uma frente dominada por grupos salafistas e compostas por islamistas patrocinados por diversos países, alguns mais radicais do que outros, incluindo o que era a principal brigada de Aleppo e a mais famosa do “Exército Sírio Livre”, a Brigada Tawhid. A ideologia dos grupos apoiados pelo sauditas é uma corrente religiosa salafista (“fundamentalista”) do wahabismo, uma forma ultra-estrita e purista de Islã conforme pregado e praticado na Arábia Saudita, com uma ênfase especial na condenação dos “infiéis”, dos “hereges”(xiitas) e dos “hipócritas”; sunitas que fazem más práticas, não-ortodoxas, inovações e idolatria.

O Failaq al-Sham (Legião do Sham) é a principal força armada dirigida pela Irmandade Muçulmana na Síria (mas não a única) e pode ser chamado de um dos grupos favoritos da Turquia (que na prática se tornou o “centro” da Irmandade Muçulmana). Recebem armas, dinheiro e tropas da Turquia, inclusive participando de uma ofensiva conjunta (Operação Jaraboulos) com o exército turco contra a milicias curdas do YPG em agosto de 2016. 

Também podemos dizer que são os “favoritos” dos árabes no Brasil que armam as manifestações pro-rebeldes ao lado do PSTU, eles mesmos amantes do Erdogan como líder de um “renascimento islâmico” e próximos, quando não membros, da Irmandade Muçulmana. A Legião foi responsável pela formação de uma coalizão com outros grupos islamistas de Aleppo (muitos provenientes do ELS e também ligados à Irmandade como o Jaysh Al-Sunna). 

Eles também fazem parte do “Exército da Conquista” criado pelo Jabhat al-Nusra. Possuem cerca de 4 mil combatentes, poucos se comparados com a franquia dos sauditas, mas com a importância exagerada devido a seus apoios políticos.

A Irmandade Muçulmana não é um grupo propriamente salafista, ainda que use “salafi” para se referir a si mesmo. É um grupo que assume algumas roupagens mais “modernas”, além de ser um dos precursores ideológicos e práticos do Islamismo político e do jihadismo, com uma longa experiência de oposição ao nacionalismo árabe. O grupo tenta passar uma imagem de “moderação” (talvez devido a suas origens notavelmente burguesas), imagem que foi desmoralizada não só por causa das campanhas terroristas que conduziu (especialmente na Síria) mas agora por inter-secções ideológicos e práticas até com o Daesh

Frequentemente apresentam noções ultra-conservadoras de estabelecimento da Sharia, quando não abertamente sectárias. Têm sua própria ideia de conservação da pureza do Islã com a influência de interpretes contemporâneos da religião e outros movimentos políticos (especialmente do ocidente). 

estratégia de seu fundador egípicio para alcançar o ideal da unificação da comunidade dos fiéis (Ummah) é primeiro promover a islamização da sociedade “por baixo”, garantindo a supremacia dos valores tradicionais num processo gradual que culminaria na tomada do poder de uma forma ou de outra. 

Posteriormente passariam por outro grande ideólogo, Sayyid Qutb, que promoveria uma nova radicalização. Para Qutb o mundo muçulmano estava em ruínas, todos viviam em apostasia e a Irmandade Muçulmana precisaria ser um enclave ou refúgio de resistência dos verdadeiros crentes, onde formariam um núcleo sólido para a tomada do poder. Atualmente eles têm Erdogan como patrocinador e referência do “possível” – de certa forma é o mais próximo do “novo Califa” capaz de realizar a tal reunificação da Ummah. 

Eles também possuem representação parlamentar em alguns países, tiveram um breve período de poder no Egito com Mohamed Morsi, aumentam seu poder liderando a coalização do governo na Tunísia e foram historicamente instrumentalizados por regimes como o da monarquia marroquina (nas manifestações pro-rebeldes do PSTU em São Paulo sempre há entre os organizadores um senhor marroquino notável por suas loas ao regime daquele país).

Segundo Alain Gresh, “Uma poderosa onda islamita composta por uma aliança entre a Irmandade Muçulmana, salafistas e os emires do Golfo parece varrer o mundo árabe”. 

Apesar da aliança momentânea no atual contexto do Oriente Médio (não só na Síria – o massacre das bombas anglo-americanas lançadas no Iêmen pela monarquia saudita, ignorado por um PSTU conivente, foi iniciado entre outras razões para proteger a ordem dominada pela Irmandade que foi estabelecida naquele país em 2011), a Irmandade Muçulmana e o wahabismo saudita são duas correntes concorrentes na ascensão do islamismo político  – para wahabitas e salafistas em geral, a Irmandade é muito “inovadora” (termo pejorativo, referente à introdução de inovações na ortodoxia religiosa); para a Irmandade os apoiadores da casa dos Saud apoiam um regime degenerado e vendido aos Estados Unidos, que não é suficientemente puro e traiu a comunidade (vide Palestina; essa diferença ideológica não impediu os sauditas de patrocinarem eventualmente grupos ligados à Irmandade) – ainda assim o wahabismo oferece uma opção mais cruamente reacionária e estrita do ponto de vista ideológico e religioso.

Por último foi citado o grupo Jabhat al-Nusra, notável franquia da Al Qaeda na Síria, com a ideologia própria da organização, uma forma mais radical de salafismo wahabita misturado com uma concepção própria de jhadismo (de Bin Laden e principalmente o egípcio Al Zahawiri, influenciada pela obra dos ideológos da Irmandade Muçulmana e com o componente “revolucionário ativista” distinto dos ultra-reacionários wahabitas ligados ideologicamente a Arábia Saudita – “ideologicamente” porque do ponto de vista material todos esses grupos tem vínculos com o regime saudita). 

Apesar da maioria dos grupos possuir estrangeiros, é um dos mais notáveis pela presença de jihadistas do exterior e militarmente um dos grupos mais sólidos e disciplinados, com 15 mil soldados. Muitos atribuem seu crescimento ao que seria sua estratégia política de aliar a “moderados” e permitir que eles assumissem a frente. Também fundaram uma das principais frentes islamistas anti governo do país, o Exército da Conquista (Jaish al-Fatah), que inclui grupos ditos moderados e, como dissemos, a Legião do Sham, controlando assim um dos maiores contingentes do conflito.

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Foto - Logotipo de Jaish al-Islam
– Segundo o autor, porém, esses grupos não são dominantes em Ghouta Oriental, e sim grupos supostamente mais “regionais” ou pelo menos de menor envergadura internacional. Não é incomum o PSTU argumentar que existem “grupos pagos por estrangeiros na revolução Síria para liquidá-la”, ao mesmo tempo que são ambíguos e defendem esses grupos na aliança anti-Assad – mas seriam esses grupos de Ghouta os “verdadeiros revolucionários”?

Lund os nomeia: “um grupo maior de salafistas conhecidos como Exército do Islã [Jaish al-Islam], os islamistas não-salafistas do Ajnad al-Sham, a facção auto-declarada do Exército Livre Sírio chamada de Failaq al-Rahman, e grupos locais com política oportunista e ideologia incerta, como o Fajr al-Umma e a coalizão conhecida como Exército da Umma”.

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Foto - Logo de Ajnad al-Sham
Lund nesse momento aparentemente quer rebaixar o caráter do Jaish al-Islam, que é ao lado do Ahrar al-Sham o principal grupo apoiado pelos sauditas e berço de um dos líderes da Frente Islâmica, aquele mesmo das declarações anti-xiitas, Zahran Alloush – um dos maiores líderes da “revolução síria”. Possui entre 17 e 25 mil soldados.

O Ajnad al-Sham (Soldados do Levante) se chama “União Islâmica Ajnad al-Sham” e já se aliaram em comandos conjuntos com o Jabhat al-Nusra, bem como com a Frente Islãmica e a Legião do Sham, além da proximidade especial com o Jaish al-Islam. Possui entre 2 mil e 3 mil soldados. Possui vínculos com o Qatar (portanto, vínculos mais fortes com o ocidente).

A Legião al-Rahman é comandada por um ex capitão do exército, também possui uma ideologia de corte islamista e foi recipiendário de ajuda americana na forma de lança mísseis anti-tanque TOW. É um grupo em decadência.

O exército da Ummah era uma coalizão de mais de 20 grupelhos próximos do banditismo que foi na prática eliminada pelo Jaish al-Islam. O aparecimento de grupos de caráter criminoso muito despolitizado foi comum no início da “revolução” e em geral eles foram suprimidos ou centralizados por fundamentaistas. O grupo identificado como Fajr al-Umma não deve ser muito diferente, mesmo que faltem informações a respeito do mesmo, a não ser sobre seu processo de conflitos e fagocitações pelo Jaish al-Islam.

– No parágrafo seguinte Lund vai descrever o caráter fundamental da liderança de Aloush e a ascensão da supremacia do Jaish al-Islam sobre os outros grupos, que foram obrigados a aderir a instituições militares e jurídicas deste grupo. Aloush conquistou um feito militar e politico para os “revolucionários” ao unificar os diversos grupos de Ghouta Oriental sob a égide de seu exército. “Apesar de ser criticado pelos seus métodos autocráticos, Aloush ascendeu a imagem como um dos poucos construtores de estado [state-builders] da insurgência”.

De fato, Aloush servia como um bom argumento contra aqueles que esperavam um “caos líbio” na Síria, ao criar uma ordem política sob seu domínio. Depois de dizer isso, Lund justifica: “Por mais de cinco anos a oposição síria falhou em oferecer qualquer alternativa viável ao governo que procura derrubar.” 

Os projetos que apareceram para além de Assad, segundo ele, foi o de Rojava e do Daesh. Ele diz que estes dois projetos são eles mesmos incapazes de se espalhar por toda Síria ou mesmo de conquistar a confiança da insurgência árabe sunita (bom, eu não sei se concordo totalmente isso quando vários “rebeldes” passam para o lado do Daesh).

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Adicionar legenda
“Enquanto os vários grupos rebeldes criaram conselhos militares, coalizões e lideranças concorrentes no exílio, eles falharam em criar estruturas de governo de nível de base efetivas acima de divisões faccionais e que se imponham a população. Em Ghouta Oriental, em 2014-15 apareceu uma exceção a essa regra sob a direção do Exército Islâmico.”

– Em outro momento do texto o autor fala dos contatos de comandantes “rebeldes” em Ghouta Oriental com comandantes do exército sírio e um mercado de contrabando particularmente agitado. Essa economia política do contrabando erodiu a base de Aloush, que morreu em dezembro de 2015 abrindo espaço para o conflito entre as facções menores mas não tão pequenas assim, confiantes com a morte do caudilho salafista, com o dinheiro de patrocinadores externos e o controle de redes de contrabando.

– Finalizando, Lund descreve o cenário de Ghouta Oriental em 2016 como um dominado pelo confronto de facções, o avanço do Exército Árabe Sírio e a imposição de um cessar-fogo que inicia a destruição do enclave “rebelde”. O autor parece lamentar a queda da “experiência única de unidade rebelde”, a grande derrota para a insurgência e se pergunta sobre lições acerca de construção de Estado e insurgências divididas em facções.

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