sábado, 28 de janeiro de 2017

Sobre a disparada de vendas do livro 1984 com Trump no poder nos EUA (por Jorge Alberto Benitz).

Muito oportuno o artigo “Vendas do Livro 1984 Disparam Após a Posse de Trump” vide link. Está bem. Trump é autoritário e inspira medo seu autismo demonstrando que quando os fatos não o ajudam ele cria a sua versão. Vindo de um presidente dos EUA, a coisa toma uma dimensão assustadora. Agora não me venham com esta leitura de que ele está inovando neste quesito de distorcer os fatos. Ele pode sim representar uma caricatura de um discurso que vem de longe. O irônico é que ele bebeu da fonte do discurso neoliberal no sentido de que, quando a realidade não ajuda, inventa-se uma versão dela ajustada ao pensamento que se quer passar aos leitores, ouvintes e telespectadores e, ao mesmo tempo, fugiu do script nas suas principais linhas ideológicas.
Seu programa político-econômico, pelo menos no discurso, colide com as ideias-chave do neoliberalismo. Posso estar enganado, mas o que preocupa grande parte da grande mídia americana, inclusive algumas abertamente apoiadoras do partido democrata, não é seu ultraconservadorismo em questões importantes como liberdade de expressão, meio ambiente, imigrantes. Melhor, no caso das empresas midiáticas ligadas aos democratas, é isso, mas não é só isso. 
Corro o risco de estar cometendo injustiça ao conjecturar que muitos que o criticam, não todos, conviveriam com este lado sombrio dele caso atendesse os princípios básicos da globalização e do neoliberalismo, a saber: oferta de produtos baratos vindos principalmente da China, liberdade para as empresas americanas saírem ao redor do mundo em busca de mão-de-obra barata, subsídios e isenções fiscais, defesa dos interesses dos rentistas. Daí a indisposição com ele da cúpula dos republicanos e de sua conturbada relação até com canais conservadores e de direita como o Fox News.
Não me canso de dizer que desde Reagan e Thatcher entrou em cena uma leitura maniqueísta da realidade, cujo Corão é o Consenso de Washington, que é useira e vezeira na distorção da realidade e no uso de uma nova linguagem para impor um kit de pensamento onde desponta alguns clichês como a política e os políticos não prestam, os empresários são, por essência, virtuosos, os sindicatos são corporativos, o discurso tucano “me engana que eu gostcho” da sociedade civil organizada e das ONGs e, por fim, o estado deve ser mínimo. 
Eis um caso explícito de novilíngua negativando o que pode prejudicar os interesses dos 1% muito ricos e ajudar o trabalho e o cidadão e positivando a si próprio e a tudo que o beneficie. Tudo que não atende estas premissas é rechaçado, inclusive, a narrativa dos fatos e a escolha do angulo da veiculação das noticias nos jornais, rádios e TVs devem privilegiar esta ótica de direita. No Brasil, os coronéis midiáticos elevaram este discurso a um patamar quase surreal. 
Como aqui, diferente dos EUA, uma narrativa alternativa não tem vez na grande mídia, eles deitam e rolam construindo e desconstruindo a seu bel-prazer. O bel-prazer aqui fica por conta dos interesses e privilégios da Casa Grande defendidos com vigor e um ataque sistemático a qualquer um que ouse defender mesmo que minimamente os interesses da Senzala. Novilingua no Brasil nunca foi novidade.
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Jorge Alberto Benitz é Consultor Técnico.

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