Primeiro boletim epidemiológico sobre suicídio no Brasil traz informações preocupantes. Por ano, cerca de 11 mil pessoas tiram a própria vida no país.
Cerca de 11 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos no Brasil. De acordo com o primeiro boletim epidemiológico sobre suicídio, divulgado ontem (22) pelo Ministério da Saúde, entre 2011 e 2016, 62.804 pessoas tiraram suas próprias vidas no país, 79% delas são homens e 21% são mulheres.
A divulgação faz parte das ações do Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção ao suicídio.
A taxa de mortalidade por suicídio entre os
homens foi quatro vezes maior que a das mulheres, entre 2011 e 2015. São 8,7
suicídios de homens e 2,4 de mulheres por 100 mil habitantes.
Para a diretora do Departamento de Vigilância de
Doenças e Agravos Não-Transmissíveis e Promoção da Saúde, Fátima
Marinho, esse número é maior pois há uma perda de diagnóstico dos casos de
suicídio. Segundo ela, nas classes sociais mais altas há um tabu sobre o tema,
questões relacionadas a seguros de vida e diagnósticos feitos por médicos da
família. “As pessoas mais pobres, em geral, captamos a morte porque ele vai
pro IML [Instituto Médico Legal]“, explicou.
Das 1,2 milhão de mortes, em 2015, 17%
tiveram causa externa. Dessas 40% são registradas por causas não determinadas,
segundo Fátima. “Ainda tem 6% de mortes que ainda não conseguimos chegar na
causa. São cerca de 10 mil mortes que foram por causa externa, violenta, mas
não sabe porquê. Por isso temos esse subdiagnostico do suicídio“, disse.
No Brasil, os idosos, de 70
anos ou mais, apresentaram as maiores taxas, com 8,9 suicídios para cada 100
mil habitantes, mas, segundo Fátima, em números absolutos, a população idosa
vem aumentando. Além disso, eles sofrem mais com doenças crônicas, depressão e abandono
familiar. Ela explica que esse índice alto de suicídio entre idosos é observado
no mundo todo.
Os dados apontam que 62% dos suicídios
foram causados por enforcamento. Entre os outros meios utilizados estão
intoxicação e arma de fogo. Fátima conta que nos Estados Unidos são
registrados mais suicídios por armas de fogo porque
o acesso é mais facilitado.
A proporção de óbitos por suicídio
também foi maior entre as pessoas que não têm um relacionamento conjugal, 60,4%
são solteiras, viúvas ou divorciadas e 31,5% estão casadas ou em união estável.
“E os homens casados se suicidam menos. O casamento é um fator de proteção
para os homens e de risco para as mulheres“, disse Fátima, explicando que
existe uma associação das tentativas de suicídio das mulheres com a
violência.
Entre 2011 e 2015, a taxa de
mortalidade por suicídio no Brasil foi maior entre a população indígena, sendo que 44,8%
dos suicídios indígenas ocorreram na faixa etária de 10 a 19 anos. A cada 100
mil habitantes são registrados 15,2 mortes entre indígenas; 5,9 entre brancos;
4,7 entre negros; e 2,4 morte entre os amarelos.
Para Fátima, o alto risco de suicídio
entre jovens indígenas compromete o futuro dessas populações, já que elas
também há um alto risco de mortalidade infantil.
Segundo a secretaria especial de Saúde Indígena,
Lívia Vitenti, existe um número alto de indígenas em sofrimento por uso álcool,
disputas territoriais e conflitos com a família e com a população não indígena.
Entre os jovens, então, há falta de perspectivas de vida. Entretanto, o
problema do suicídio entre os indígenas não está distribuído por todo o
território, sendo mais frequente entre os Guarani Kaiowá, Carajás e Ticunas.
Tentativas de suicídio
As notificações de lesões
autoprovocadas tornaram-se obrigatórias a partir de 2011 e elas seguem
aumentando. Entre 2011 e 2016, foram notificadas 176.226 lesões autoprovocadas;
27,4% delas, ou seja, 48.204, foram tentativas de suicídio.
As tentativas de suicídios são mais
frequentes em mulheres. Das 48.204 pessoas que tentaram tirar a própria vida
entre 2011 e 2016, 69% era mulheres e 31% homens. A proporção de tentativas de
suicídio, de caráter repetitivo também é maior entre as mulheres. Entre 2011 e
2016, daqueles que tentaram suicídio mais de uma vez, 31,3% são mulheres e 26,4
são homens.
O meio mais utilizado nas tentativas de
suicídio foi por envenenamento, 58%. Seguido de objeto pérfuro-cortante, 6,5%;
enforcamento, 5,8%.
Fatores de risco e proteção
Entre os fatores de risco para o suicídio estão
transtornos mentais, como depressão, alcoolismo, esquizofrenia; questões
sociodemográficas, como isolamento social; psicológicas, como perdas recentes;
e condições incapacitantes, como lesões desfigurantes, dor crônica e neoplasias
malignas. No entanto, o Ministério da Saúde ressalta que tais aspectos não
podem ser considerados de forma isolada e cada caso deve ser tratado de forma
individual.
Segundo o Ministério da Saúde, a existência de
um Centro de
Atenção Psicossocial (Caps) no município reduz em 14% o risco
de suicídio. Na análise feita, é o único fator de proteção ao suicídio. Fátima
ressalta, entretanto, que é preciso uma melhor distribuição desses centros,
principalmente nas áreas com mais concentração de suicídios. Existem hoje no
Brasil 2.463 Caps em funcionamento.
Como a ocorrência de suicídio é grande
entre os indígenas, ser indígena por si só já é um fator de risco, explicou Fátima.
Pessoas que trabalham na agropecuária, que tem acesso a pesticidas, também são
vulneráveis a cometerem suicídio por intoxicação.
Os casos acontecem em quase todo país,
mas Região Sul concentrou 23% dos suicídios, entre 2010 e 2015. Segundo Fátima,
alto nível de renda, pouca desigualdade social e baixo índices de pobreza são
características de municípios que concentram mais suicídios.
Ela explica, entretanto que, no caso da
Região Sul, existe a associação dos casos de suicídio com a agricultura,
especificamente a cultura da folha do tabaco. Segundo Fátima, a folha verde do
fumo pode causar uma intoxicação neurológica em quem mantém um contato muito
próximo, “o efeito dessa intoxicação é chamada bebedeira da folha verde do
fumo“.
Além disso, o pesticida usado nessa
cultura contém manganês, que é absorvido e depositado no sistema nervoso
central. Fátima ressalta, entretanto, que esta é uma associação e que ainda não
existe o nexo causal entre esse tipo de pesticida e os casos de suicídio.
“Então temos o risco ocupacional e a
pressão social e econômica em cima de agricultores familiares. É uma exposição
conjunta“, disse a diretora. Ela explicou que as políticas de incentivo
para a diversificação das culturas no sul do país não tiveram um impacto
importante pois o tabaco ainda é muito lucrativo.
Além da Região Sul e de áreas
indígenas, esse levantamento trouxe novas áreas com altas taxas de suicídio,
que são a região da divisa de São Paulo e Minas Gerais e o estado do Piauí.
Segundo Fátima, esses locais ainda precisam ser mais estudos, mas também há uma
associação ao uso de pesticidas e a agricultura.
Agenda global
Mais de 800 mil pessoas tiram a própria
vida por ano no mundo. Por isso, em 2013, a Organização Mundial da Saúde
desenvolveu um plano de ações em saúde mental que pretende reduzir em 10% da
taxa de suicídio até 2020.
O coordenador de Saúde Mental, Álcool e
Outras Drogas, Quirino Cordeiro, disse que o governo promovia ações na área de
prevenção ao suicídio, mas agora que está começando a fazer uma política focada
no tema. Uma das ações estratégicas é a construção do Plano Nacional de
Prevenção ao Suicídio, para ampliar as ações para as populações vulneráveis.
Segundo ele, o Ministério da Saúde quer
expandir a rede de Caps, inclusive entre a população indígena, além de outras
estratégias de cuidados na saúde mental. É importante ainda cruzar os mapas
para identificar possíveis associações de causas de suicídios, como a
associação com pesticidas. Outros órgãos e ministérios serão convidados para
apoiar futuras ações.
Quirino explica que as políticas de
prevenção ao suicídio devem focar em dois fatores, nos transtornos metais e nos
meios de suicídio. “Sabemos que entre os vários fatores para o suicídio
existe a presença do transtorno mental não tratado de maneira apropriado, então
ter políticas públicas focadas nesses transtornos é importante“, disse.
Outra frente de ações é o controle de
meios para o suicídio, segundo Quirino, que tem um impacto importante na
redução dessas mortes. “Muitas vezes quem comete suicídio está passando por
problemas graves e acaba fazendo uma tentativa por desespero. Mas se não tem à
mão um método, muitas vezes aquele momento passa e a pessoa não efetiva“,
disse, explicando que o controle de armas é importante no Brasil, por exemplo,
pois onde se restringe o acesso a armas, se reduz os casos de suicídio.
Acordo com o CVV - O Ministério da Saúde, desde 2015, tem
uma parceria com o Centro de Valorização da Vida (CVV),
que começou com um projeto-piloto no Rio Grande do
Sul. O CVV realiza apoio emocional e prevenção do suicídio,
atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam
conversar, sob total sigilo por telefone, e-mail, chat e voip 24 horas todos os
dias.
O objetivo da parceria é ampliar
gradualmente a gratuidade de ligações para o CVV, mesmo que por celular, por
meio do número 188. Além do Rio Grande do Sul, a partir de 1º de outubro,
pessoas de mais oito estados poderão ligar gratuitamente para o serviço: Acre, Amapá, Mato Grosso do
Sul, Piauí, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Rondônia e Roraima.
De acordo com o Ministério da Saúde,
21% da população brasileira reside nos nove estados a serem atendidos
gratuitamente pelo CVV, o que garante uma ampla cobertura. O acordo já ampliou
o número de atendimentos, de 4,5 mil em setembro de 2015, para 58,8 mil em
agosto de 2017. Até 2020 todo o território nacional poderá contar com o
atendimento pelo 188.
No restante dos estados, o CVV ainda
atende pelo número 141 ou diretamente no posto regional. Em cidades sem posto
de atendimento do CVV, as pessoas podem utilizar o atendimento por chat, skype
e e-mail disponíveis na página do CVV.
O boletim epidemiológico sobre suicídio
está disponível na página do Ministério da Saúde, [click aqui - http://portalarquivos.saude.gov.br/images/ pdf/2017/setembro/21/ Coletiva-suicidio-21-09.pdf].
Andreia Verdélio, Agência Brasil.
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