quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Na UFRGS, projeto ‘Saberes indígenas’ muda relação de crianças com as culturas guarani e kaingang.

Encontro que discutiu as experiências do ‘Saberes indígenas’ aconteceu nesta terça, na UFRGS | Foto: Guilherme Santos/Sul21.
Fernanda Canofre
Até pouco tempo, uma criança kaingang ou guarani não tinha livros ou material para aprender a ler e escrever na língua de seu próprio povo. A alfabetização que restava era em língua portuguesa. Com os mesmos livros que outras crianças, de escolas não-indígenas, que viviam uma vida fora da aldeia, recebiam no início do ano. As últimas apostilas que haviam sido impressas com foco nas línguas indígenas eram dos anos 1970.
No Rio Grande do Sul, o cenário para as duas maiores etnias do Estado começou a mudar pelas mãos dos próprios professores indígenas, a partir do projeto “Saberes Indígenas”. Segundo o site do Ministério da Educação, a ação oferece formação bilíngue ou multilíngue em letramento e numeramento em línguas indígenas e em português, conhecimentos e artes verbais indígenas para professores. O curso, que é presencial, é oferecido em instituições públicas de ensino superior de todo o país. Pelo menos 24 universidades compõem a rede da iniciativa.
Os resultados e desafios do projeto foram discutidos e apresentados, nesta terça-feira (16), na Faculdade de Educação (Faced), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituição que hospeda o projeto no Estado.
Maria Inês de Freitas, professora kaingang da Terra Indígena Guarita | Foto: Guilherme Santos/Sul21.
“Esse trabalho resgatou muito da especificidade da cultura indígena, trouxe auto-estima, autonomia para os professores. Houve uma mudança no perfil político-pedagógico dos professores, na sua relação com suas comunidades. É um trabalho muito importante, ainda em desenvolvimento”, diz Maria Inês de Freitas, professora kaingang da Terra Indígena Guarita.
Com recursos do governo federal, o projeto ajuda a desenvolver material didático, como cartilhas de alfabetização, conteúdo com foco em histórias, lendas, rituais e cultura de cada povo.
“No material, temos cantos, histórias, alfabeto, tudo na língua kaingang e guarani. O material guarani traz uma cartografia de locais onde eles estiveram. No caso dos kaingang, tem cantos que eles podem ouvir e a partir deles buscar novos cantos. São materiais que as crianças podem manusear”, conta o professor Bruno Ferreira, doutorando em Educação, na UFRGS.
Professor kaingang na Terra Indígena Inhaporá, em São Valério do Sul, ele conta que percebeu ainda um impacto grande para os próprios alunos, no simples fato de verem a sua língua e sua escrita em um material de ensino.
“Na sala de aula, o projeto tem produzido um impacto ainda maior, que é dizer: a nossa língua tem importância. Os alunos começam a ver esse material e dar valor à língua. Ela tem utilidade, está escrita ali. Com esses materiais, os professores podem usar a língua indígena de forma direta e como modelo para produzir novos materiais”, segue ele.

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