Maioria dos universitários enfrenta dificuldades emocionais. |
Por Débora Brito – Repórter da Agência Brasil.
Ansiedade, desânimo, insônia, sensação de desamparo,
desespero, falta de esperança, sentimento de solidão. Oito em cada dez
estudantes de graduação relataram que já tiveram algum desses problemas
emocionais, segundo levantamento feito em todas as regiões do país pela
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior
(Andifes).
Outras
questões apresentadas pelos jovens foram sensação de desatenção, desorientação,
confusão mental, tristeza permanente, além de timidez excessiva. Pelo menos 10%
dos graduandos também já tiveram dificuldades alimentares, sentiram medo ou
pânico. Mais de 6% dos alunos relataram ter ideias de morte e cerca de 4% já
tiveram pensamentos suicida.
O
resultado aponta para um problema que tem desafiado as universidades do país: a
saúde mental dos estudantes. O desafio tem ficado mais exposto com a
divulgação, nos últimos meses, de vários casos de suicídios e tentativas de
autoextermínio em diferentes faculdades do país.
Construção de política
A
ausência repentina e inesperada de jovens tem comovido a comunidade acadêmica
de vários estados onde o problema tem extrapolado os limites dos campi. Na
Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, os casos mais recentes de suicídio,
principalmente um que ocorreu nas dependências da universidade, ganharam
repercussão e acenderam mais uma vez o sinal de alerta para o assunto.
A
direção evita falar em números, mas reconhece que o tema não pode ser ignorado
pela academia. A reitoria está tentando criar medidas de redução das situações
de pressão que não contribuem para a formação dos cidadãos nem para a produção
de conhecimento.
“É
um assunto que tem angustiado a todos. Nosso entendimento é que, como uma
instituição educadora, devemos trabalhar pelo aprimoramento dos nossos serviços
no campo do ensino, da pesquisa, da extensão com a perspectiva de criar um
ambiente mais acolhedor, mais estimulante para o desenvolvimento de
competências, de habilidades sociais e emocionais dos estudantes, professores,
técnicos administrativos para lidar com as situações de estresse que atravessam
a vida de todos nós”, declarou Mônica Nogueira, assessora de assuntos
estratégicos da reitoria da UnB.
Segundo
a assessora, a UnB está formulando uma política de atenção à saúde mental e à
situação psicossocial dos estudantes. A proposta está sendo desenhada por uma
comissão temporária criada no fim do ano passado. O grupo mapeou os serviços de
apoio psicológico já existentes na universidade, experiências exitosas na área
de saúde mental de outras universidades do país, fez uma sondagem inicial da
situação emocional dos alunos e elaborou um conjunto de recomendações.
“Todas
as recomendações no campo da saúde mental que foram produzidas pela comissão
vão passar a contribuir com a construção de uma ampla política relativa à vida
estudantil, para repensar e aprimorar os mecanismos de recepção dos nossos
estudantes, de orientação para a jornada acadêmica, de monitoramento dos
indicadores que nos auxiliem a identificar precocemente estudantes que estejam
em sofrimento e trabalhar com a prevenção, explicou Mônica.
Adicionar legenda |
Sensibilidade
Segundo
pesquisadores, uma das formas mais eficazes de prevenção é o rastreio e
tratamento da depressão, um dos grandes fatores de risco. Mas, além de
acompanhamento médico e psicológico, a cooperação e sensibilização da
comunidade acadêmica são apontados como essenciais para o acolhimento dos alunos.
“No
contexto universitário esse acompanhamento profissional é muito importante, não
só de avaliar o risco, mas de oferecer serviços de escuta qualificada, serviço
de atendimento psicológico, coisas que façam com que os universitários se
sintam acolhidos dentro da universidade. E esse contar com alguém também passa
por contar com professores, ter a empatia do professor com cada um dos
problemas”, recomendou o psicólogo Renan Lyra.
Renan
faz parte de um grupo da Faculdade de Saúde da UnB que acolhe estudantes com
diagnóstico de transtornos, como depressão e bipolaridade. Nos encontros
semanais, ele já ouviu relatos de estudantes que enfrentam a falta de
sensibilidade de professores e orientadores.
“Tem
muito professor que conhece, mas não se sensibiliza, acha que é frescura. Por
exemplo, é muito comum, alunos de pós-graduação ficarem adoecidos, porque
orientador cobra demais, o orientando tem que dar aula e também cobra demais
dos alunos e acaba que a pressão fomenta um ciclo de violência. E as pessoas não
se atentam muito umas para as outras”, completou Renan.
O
psicólogo também alerta que informações e serviços de apoio a alunos que sofrem
de algum transtorno mental deveriam ser mais divulgados. Ele cita o trabalho do
Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos (CAEP), que funciona como uma
clínica escola para alunos de psicologia da UnB.
O
centro atende tanto a comunidade interna quanto a externa e, recentemente,
criou um grupo chamado “entrelinhas”, para atender especificamente casos
associados a tentativas ou pensamentos de suicídio.
“A
questão da saúde mental para os universitários é importante, é um assunto que
deve ser trabalhado, porque a academia tem exigências específicas de prazos,
atividades, desempenho. Tudo isso gera estresse, que também não está restrito à
vida acadêmica. Os alunos precisam estar atentos a essas demandas e precisam se
conhecer, se perceber e buscar ajuda para poder passar por isso”, explica o
vice-coordenador do CAEP, Sérgio Oliveira.
A
universidade criou recentemente o Núcleo de Estudos, Pesquisas e Atendimentos
em Saúde Mental e Drogas (Nepasd), no Instituto de Psicologia, para acolher
alunos em situação de risco. Dependendo do caso, os alunos podem ser
encaminhados para a rede pública de saúde.
Outra
iniciativa que gerou expectativa é a oferta, pela primeira vez, de uma
disciplina sobre felicidade, no campus do Gama, onde estão concentrados cursos
mais exigentes como engenharia.
“É
uma iniciativa autônoma do professor responsável pela disciplina, mas ela
aponta para uma sensibilidade que vem sendo desenvolvida no âmbito da
comunidade universitária. É importante para a construção de uma atmosfera mais
acolhedora, que ofereça perspectivas, amplie os horizontes dos estudantes,
promova o desenvolvimento deles e o bem-estar”, comentou Mônica.
Em
outras unidades acadêmicas, professores e alunos têm feito rodas de conversa e
promovido projetos para tratar do assunto. A universidade também tem feito
parceria com entidades como o Centro de Valorização da Vida (CVV), serviço de
apoio a pessoas que têm ideação suicida ou estão passando pelo luto da perda de
alguém que tirou a própria vida.
Segundo
Gilson Moura, coordenador de divulgação e voluntário plantonista do CVV, nos
últimos seis anos, o centro tem sido mais procurado por instituições de ensino
tanto públicas quanto particulares para falar sobre o tema.
Atualmente,
o serviço conta com o trabalho de 2,5 mil voluntários, entre psicólogos,
advogados e outras especialidades. Os interessados podem ligar sem nenhum custo
para o número 188. O serviço atende cerca de 8 mil pessoas por dia em todo o
país.
“A
gente acredita que falar é a melhor solução. A gente não direciona, nem
aconselha nos nossos apoios. Eu posso orientar no sentido de dizer que a pessoa
não fique sozinha, não sofra, procure ajuda, alguém com quem possa conversar,
que esteja disponível e mais próximo”, recomendou Gilson.
Sobrevivente
A jovem M.C., 21 anos, conta que sentia um vazio
irreparável, uma dor inexplicável, uma tristeza profunda que ninguém é capaz de
entender. Em busca de ajuda, ela procurou o CVV.
“Eu
gostei bastante, não senti julgamento. Porque a maioria das pessoas me julgam.
Por isso, eu tenho tanta vergonha de falar que eu tenho esse problema”, contou
a estudante de psicologia que há quase um ano tentou tirar própria vida.
O
episódio motivou a jovem a intensificar o tratamento psiquiátrico e terapêutico
para controlar as crises emocionais e o quadro de depressão. Para conseguir
dormir, M.C toma remédios antidepressivos.
“O tratamento tem me ajudado muito.
Ele tem me feito ver várias coisas que eu não via, porque parece que a gente
fica com os olhos muito tapados”, disse a jovem à reportagem da Agência Brasil.
Estudante
de uma universidade particular de Brasília, a jovem conta que já tratava
algumas questões de saúde mental antes de ingressar na universidade. Mas os
sintomas pioraram depois da morte de seu pai, há dois anos, por um câncer.
O
fato motivou a família a se mudar da terra natal, no Piauí, para Brasília. Na
nova cidade, M.C. ingressou no curso de arquitetura de uma faculdade
particular, onde se sentia muito sozinha. “Eu me sentia completamente
deslocada. Eu passei muito tempo sem falar com ninguém, mais de um mês e
ninguém falava comigo quando entrei”, relatou.
Ela
decidiu mudar para o curso de psicologia em outra universidade, onde está se
sentindo melhor e tem conseguido dar conta dos estudos. Além do tratamento
médico e terapêutico, M.C. também busca outras formas de ajuda, onde pode falar
e, principalmente, ser ouvida sem julgamento.
M.C.
relata que ainda não se sente completamente curada e diz que sente muito
cansaço por ter de lutar contra a dor. Mas comemora o fato de ter sonhos que
mantêm seu desejo de viver. “Hoje em dia eu sonho em ganhar a vida com psicologia
e eu quero muito conseguir estar bem e fazer as pessoas ao meu redor estarem
bem”, disse à reportagem.
Veja abaixo uma lista de serviços que atuam
na prevenção a suicídios:
Entidades
Serviços
de saúde da rede pública
-
Caps (Centros de Atenção Psicosocial)
-
Unidades Básicas de Saúde (Saúde da Família, postos e centros de Saúde)
Emergência
-
Samu 192
-
Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e prontos socorros de hospitais
Apoio
- Centro de Valorização da Vida (CVV) Ligação gratuita 188
-
Grupo de Apoio aos Sobreviventes de Suicídio (Gass)
Edição: Lílian
Beraldo
Nenhum comentário:
Postar um comentário