segunda-feira, 9 de julho de 2012

Greve expõe crise nas universidades

Professores das instituições federais alegam que a qualidade do ensino piorou com aumento do número de estudantes sem crescimento proporcional nas contratações de pessoal e na infraestrutura

PAULA FILIZOLA

Em meio à pior greve dos últimos 10 anos, que se estende há mais de 50 dias, o sistema de ensino superior público é posto em xeque. Professores federais, servidores técnico-administrativos e estudantes — que aderiram ou não a greve — reivindicam melhores condições nos câmpus mantidos pelo governo federal. 

As principais críticas são direcionadas ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), criado em 2007 pelo Ministério da Educação (MEC). Com o objetivo de aumentar a oferta de vagas, alegam integrantes da comunidades acadêmicas, a preocupação com a qualidade ficou para trás.

De acordo com essas críticas, as 59 universidades federais apresentam dificuldades para manter o padrão de excelência pelo qual ficaram conhecidas. O elenco de queixas inclui laboratórios sem equipamentos e classes lotadas. Um exemplo: turmas de mais de 50 alunos de graduação de medicina dividindo o mesmo cadáver na aula de anatomia.

Aferir essa situação com rigor é difícil. Segundo o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, o MEC pretende criar indicadores para avaliar a qualidade da expansão nas instituições. Outra ideia é aprimorar o atual sistema usado para a avaliação nas universidades federais. Atualmente, o MEC utiliza o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) para aferir o rendimento dos alunos dos cursos de graduação, ingressantes e concluintes.

O aumento das vagas de ingresso teve impacto no número total de matrículas em instituições federais, que passou de 638 mil para mais de 1 milhão, um crescimento de aproximadamente 60%. Foram criados 2.046 cursos. De acordo com o MEC, o investimento para o aumento da infraestrutura até o momento foi de R$ 8,4 bilhões.

No processo de expansão das universidades federais, o MEC criou nos últimos oito anos 42.099 vagas por meio de concurso, sendo 21.421 para docentes e 20.678 para técnicos-administrativos. De acordo com informações do Censo da educação superior, em 2003 eram 88.795 docentes nas instituições públicas. 

Em 2010, os dados mais recentes disponíveis, houve aumento para 130.789, 47% a mais — crescimento inerior, portanto, ao do número de alunos. Há duas semanas, a presidente Dilma Rousseff sancionou a criação de mais de 77 mil cargos efetivos destinados às universidades e aos institutos federais de ensino. A ocupação dos cargos deve ocorrer gradativamente até 2014.

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) registrou em nota do mês passado que o Reuni foi um dos melhores e maiores projetos para a sociedade. A entidade, no entanto, pondera que projetos de expansão precisam de tempo para ser equacionados.

Interiorização. O Reuni resultou na interiorização dos câmpus das universidades federais, aumentando o número de municípios atendidos de 114, em 2003, para 237 até o fim de 2011. Desde o início da expansão, já foram criadas 14 universidades e mais de 100 câmpus. A previsão para 2014 é chegar a 63 unidades federais no país, em 272 municípios. Do total de 3.885 obras, 2.417 já estão concluídas (62%) e 1.022 (26%) estão em execução. As obras paralisadas ou com contratos cancelados somam 163 (4%), as demais estão em processo de licitação.

Sonia Lucio Rodrigues de Lima, professora de serviço social da Universidade Federal Fluminense (UFF), não tem dúvidas de que esse crescimento resultou em precarização. "Cinco anos depois da criação do programa, a situação vem à tona. Isso contribuiu de forma decisiva para a deflagração da greve", explica. A estudante do 5º semestre de engenharia ambiental Laila de Queiroz Barbosa faz parte da primeira turma da área que vai se formar na Universidade de Brasília (UnB) — o curso foi criado em 2010 com o Reuni.
"Somos ratinhos de laboratório. O professor, a grade, tudo ainda está sendo testado com a gente", analisa a jovem de 21 anos. Para Laila, os maiores entraves do ensino superior federal encontram-se no programa de expansão do MEC. "Os calouros têm aula com 40 alunos, sendo que a turma foi projetada para comportar 25. "Eu já estudei em faculdade particular onde a dedicação dos professores era muito maior. Na UnB, temos que correr atrás de tudo", relata Laila.

O professor de engenharia mecânica da UnB Rafael Gontijo garante que não enfrenta problemas de infraestrutura. Segundo ele, a maioria dos laboratórios é bem equipada. No entanto, alerta, isso não é suficiente. Na sua opinião, faltam recursos para pesquisa. Isso se reflete na falta de interesse dos alunos em aproveitar as oportunidades acadêmicas. "O mercado de trabalho paga muito bem hoje em dia. Um iniciante chega às empresas ganhando mais de R$ 5 mil. Com as bolsas que temos, os bons alunos não querem ficar", relata. O valor médio das bolsas de doutorado, que vairam conforme a área, é de R$ 2 mil.

163 Número de obras paradas em universidades federais, 4% do total.

Duas perguntas para Célio da Cunha, professor de educação da Universidade Católica e da UnB.

Como o senhor avalia a situação das universidades federais hoje?
Há necessidade de uma mudança profunda. O quadro que temos hoje é do fim da década de 1960. O modelo se esgotou. As universidades do século 21 precisam de uma visão interdisciplinar, com núcleos integradores. Menos burocratizada e com mais autonomia.

O que precisa ser melhorado?Os acadêmicos precisam discutir o papel da universidade. As instituições de ensino federal têm que ser colocadas como instância para o desenvolvimento do país. No entanto, nada disso é possível sem uma carreira do docente mais valorizada. Hoje, é difícil convencer profissionais de altos níveis a permaneceram nas universidades.

FONTE: http://www.exercito.gov.br/web/imprensa/resenha

Brasil - Ameaça de greve geral reaviva velhas discussões.


A lei de acesso à informação, em vigor desde maio, permitiu à sociedade tomar conhecimento da realidade salarial dos servidores públicos. 

As informações divulgadas até agora mostram um quadro de graves distorções, que a revista britânica "The Economist" classificou, em reportagem recente, como "roubo ao contribuinte".

Ministros que ganham acima do teto salarial de R$ 26,7 mil, senadores que acumulam o salário de parlamentar com os proventos de aposentadorias, servidores de tribunais que ganharam acima de R$ 100 mil em um determinado mês em virtude de "vantagens eventuais", médicos com vencimentos superiores a R$ 40 mil por conta de horas extras e funcionários da Prefeitura de São Paulo que ganham acima do salário do presidente da Câmara, para citar algumas dessas distorções.

O que se sabe até agora parece ser apenas a ponta do iceberg, pois nem todos os tribunais divulgaram os salários de seus servidores e o Legislativo Federal não publicou a sua lista. Sem falar nas informações ainda não disponíveis relativas aos funcionários públicos estaduais e municipais. Só o Executivo Federal divulgou a lista completa com os salários de seus servidores, por determinação da presidente Dilma Rousseff.

Os dados sobre as remunerações dos funcionários públicos confirmam um estudo do professor Nelson Marconi, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Segundo o estudo, feito com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), os servidores são mais bem remunerados que os trabalhadores do setor privado nas três esferas de governo, nos três níveis de escolaridade, com exceção dos funcionários municipais com curso superior.

O professor informa, em seu trabalho, que o setor privado paga mais do que o setor público apenas nas funções de alta gerência. Mas Marconi adverte que é complicado calcular a diferença de remuneração nesses cargos, pois eles são difíceis de ser identificados na Pnad e a escolha envolve uma certa dose de arbitrariedade.

Os servidores públicos possuem também o benefício da estabilidade no emprego e uma aposentadoria mais generosa do que os trabalhadores da iniciativa privada. Além disso, eles gozam de um direito de greve especial. Mesmo parando de trabalhar, continuam recebendo os seus salários integralmente, da mesma forma que aqueles que não cruzaram os braços. Não há qualquer punição.

Ao trabalhador da iniciativa privada, isso soa como algo difícil de acreditar, pois ele sabe dos riscos que corre ao fazer uma paralisação. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a sua experiência de sindicalista, certa vez comparou a greve dos funcionários públicos a férias remuneradas. Por isso, no Brasil de hoje, existem trabalhadores de primeira e de segunda categoria: os servidores públicos, com todas as suas vantagens e um direito de greve especial; e os trabalhadores da iniciativa privada.

Os professores das universidades públicas, por exemplo, estão em greve desde o dia 17 de maio. Numerosas categorias de servidores estão em "operação padrão" e ameaçam paralisar completamente suas atividades para pressionar a presidente Dilma Rousseff a conceder aumentos salariais. Os sindicalistas trabalham para produzir uma greve geral de servidores este ano.

A ameaça de greve geral reacende duas velhas discussões no Brasil, até agora sem desfecho: a necessidade de uma política salarial para o funcionalismo - a única proposta feita pelo Executivo dorme desde 2007 nas gavetas do Congresso - e a regulamentação do direito de greve.

O Brasil, por exemplo, é o único país entre os desenvolvidos e os emergentes que permite greve nas categorias armadas do setor público. Ainda está fresca na memória a greve dos policiais militares e bombeiros na Bahia, que ficaram 12 dias parados no início deste ano, causando grandes transtornos à população.

O Congresso Nacional não pode mais se omitir. Ele precisa enfrentar esses problemas, aprovando uma política salarial para os servidores e regulamentando o artigo 9º da Constituição de 1988, que assegura o direito de greve, definindo os serviços ou atividades essenciais, dispondo sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da população e deixando claro que os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

FONTE:http://www.exercito.gov.br/web/imprensa/resenha

domingo, 8 de julho de 2012

Brasil tem 82 escolas de 1º Mundo em áreas pobres.

Aula de excelência na pobreza. Em 82 escolas em áreas carentes do país, ensino é de Primeiro Mundo.

Antônio Gois - AS SUPERESCOLAS.

O Brasil ainda está distante da meta de garantir a toda criança um ensino de qualidade, mas há, dentre as mais de 40 mil escolas públicas do país, um pequeno grupo que se destaca pela excelência. São colégios que, mais do que simplesmente figurar nas primeiras posições de rankings de avaliação, conseguem algo ainda mais extraordinário: atender alunos de baixíssima renda e deixá-los com indicadores de qualidade compatíveis aos de nações desenvolvidas.

Com ajuda do economista Ernesto Martins Faria, da Fundação Lemann, O GLOBO identificou essas escolas e investigou o que há em comum entre elas. Numa série de reportagens que se inicia hoje, há relatos do bom trabalho pedagógico em localidades improváveis como o interior amazonense, a área rural do Piauí, a periferia de Alagoas ou o sertão do Ceará.

Nas estatísticas e nas visitas realizadas pelos repórteres, foi possível identificar que o bom resultado não é, como resumiu Faria, fruto do acaso. Nessas escolas, é notável o esforço da direção e dos professores em não deixar que nenhum aluno fique para trás e de corrigir as deficiências na aprendizagem e os problemas de frequência assim que eles são detectados. Também chama a atenção o bom ambiente escolar, com poucos casos de indisciplina e professores estimulados.

O levantamento mostra que há no país 82 estabelecimentos públicos que, mesmo atendendo alunos que se encontram entre os 25% mais pobres do Brasil, conseguem atingir no Ideb, principal avaliação federal de qualidade do ensino, média igual ou superior a 6,0, considerada pelo MEC como patamar hoje de nações desenvolvidas.

Para identificar este grupo, Faria calculou, a partir das respostas de alunos sobre posse de bens de consumo nos questionários respondidos na Prova Brasil - exame do MEC aplicado a todos os colégios públicos do país - um indicador do nível socioeconômico de cada estabelecimento. As 43.574 escolas públicas para as quais foi possível fazer este cálculo foram então ranqueadas por dois critérios: 1) de acordo com o nível de pobreza dos estudantes e 2) pelo desempenho no Ideb.

Do confronto entre os dois rankings, foi possível verificar colégios que ganham mais de 40 mil posições. Ou seja, trabalham com os alunos da rabeira do ranking de pobreza, mas levam-nos ao topo do aprendizado.

Especialista defende horário integral
Para o diretor executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne, mesmo sendo raras, o exemplo dessas escolas demonstra que é possível dar um ensino de qualidade para crianças mais pobres. Para isso, no entanto, é preciso que as instituições que atendem estes alunos sejam justamente as mais bem preparadas para compensar a dificuldade que eles apresentam por causa da condição socioeconômica dos pais.

- A gente se acostumou no Brasil a justificar o mau desempenho do aluno pela baixa educação dos pais. Agora, precisamos escolher se vamos tratar a educação pública como ferramenta que mantém as desigualdades ou que ajuda a compensá-las, de modo que as condições de pobreza da família em que a criança nasceu não sejam o único determinante de até onde ela conseguirá chegar. O exemplo dessas escolas prova que isso é possível.

Ser possível, no entanto, não significa ser simples. Para o pesquisador Francisco Soares, da UFMG, autor de vários estudos sobre escolas eficazes, a dificuldade enfrentada por colégios com alunos de baixo nível socioeconômico é que, além da desvantagem por atender filhos de pais menos escolarizados, esta condição vem às vezes associada a problemas como a violência dentro e fora de casa.

- Para estes alunos, a pedagogia precisa ser diferente. É nestas situações que precisamos de projetos de tempo integral - diz Soares.

FONTE:http://www.exercito.gov.br/web/imprensa/resenha

Operação Condor - Nós sabemos, nós lembramos, nós contamos.



Ditadura - Operação Condor. Foto - I
Impressionante e histórico depoimento de um jornalista que dedica sua vida a denunciar as ditaduras latino-americanas.

Seminário Internacional sobre a Operação Condor

Câmara dos Deputados – Brasília, Brasil – 5/julho/2012

As garras do Brasil na Condor

Luiz Cláudio Cunha *

A mais longa ditadura da maior nação do continente não poderia ficar de fora do clube mais sinistro dos regimes militares da América do Sul. O Brasil dos generais do regime de 1964 estava lá, de corpo e alma, na reunião secreta em Santiago do Chile, em novembro de 1975, que criou a Operação Condor.

Nascia a mais articulada e mais ampla manifestação de terrorismo de Estado na história mundial. Nunca houve uma coordenação tão extensa entre tantos países para um combate tão impiedoso e sangrento a grupos de dissensão política ou de luta armada, confrontados à margem das leis por técnicas consagradas no submundo do crime.

Tempos depois, em 1991, as democracias renascidas da região construíram um difícil pacto de integração política e econômica batizado de Mercosul. Dezesseis anos antes, contudo, os generais das seis ditaduras do Cone Sul — Chile, Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Bolívia — tinham conseguido realizar, a ferro e fogo, uma proeza ainda mais improvável: um secreto entendimento pela desintegração física, política e psicológica de milhares de pessoas.

Ditadura - Operação Condor. Foto - II
A Operação Condor trouxe para dentro do Estado ilegítimo das ditaduras as práticas ilegais da violência de bandos paramilitares, transformando agentes da lei em executores ou cúmplices encapuzados de uma dissimulada política oficial de extermínio.

O envolvimento de efetivos regulares da segurança com as práticas bandoleiras de grupos assassinos explica, de alguma forma, a leniência e depois a conivência com o crime por parte de corporações historicamente fundadas na lei e na ordem. O Esquadrão da Morte, em países como Brasil, Argentina e Uruguai, contaminou o Exército. O Exército perdeu os limites com a obsessão da guerra antisubversiva. A luta contra a guerrilha transbordou as fronteiras da lei e exacerbou a violência. 

A virulência clandestina e sem controle do esquadrão empolgou o Exército. O Exército apodreceu com o Esquadrão da Morte. O esquadrão confundiu-se com o Exército, o Exército virou um esquadrão.

A Condor, enfim, reconheceu tudo isso e criminalizou os regimes militares do Cone Sul.

Ditadura - Operação Condor. Foto - III
Dois policiais resumem este mergulho criminoso do poder no Brasil e no Uruguai. O americano Dan Mitrione era especialista em interrogatórios do Serviço de Segurança Pública (OPS, na sigla em inglês), uma agência americana de fachada da CIA extinta um ano antes do nascimento da Condor. 

Em 16 anos de vida, treinou um milhão de policiais no chamado Terceiro Mundo. Mitrione desembarcou no Rio de Janeiro um ano antes do golpe de 1964 e ao sair, três anos depois, a OPS tinha adestrado 100 mil agentes brasileiros, 1/6 da força policial do país. Mitrione assumiu a OPS do Uruguai em 1969, quatro anos antes do golpe de Bordaberry, com um lema que definia seus princípios: “A dor precisa, no lugar preciso, na quantidade precisa, para o efeito desejado”.

O brasileiro Sérgio Fleury, delegado do DOPS, era internacionalmente conhecido como líder do clandestino Esquadrão da Morte, de onde importou métodos de combate ao crime comum para uso na repressão política. Seis meses antes do golpe de junho de 1973, o embaixador americano em Montevidéu, Charles Wallace Adair Jr., avisou Washington que oficiais da alta hierarquia militar do Uruguai foram treinados no final de 1971 pelo Brasil para combater a insurgência. Um dos treinadores brasileiro levados aos aprendizes de Mitrione era o experiente Fleury.

O embaixador detalhou a ação de órgãos de segurança da Argentina (Secretaria de Inteligência do Estado, SIDE) e do Brasil (Serviço Nacional de Informações, SNI) no apoio a grupos uruguaios clandestinos: “Os brasileiros reconhecidamente aconselharam e treinaram oficiais militares e policiais uruguaios envolvidos em grupos contra-terroristas que se responsabilizaram por atentados a bomba, sequestros e até mesmo assassinatos de suspeitos de pertencerem à esquerda radical”. Na Argentina, o delegado-chefe da Polícia Federal em Buenos Aires era Alberto Villar, fundador em 1973 da versão local do Esquadrão da Morte, a clandestina Triple A, ou Aliança Anticomunista Argentina, acusada de quase 2 mil mortes em dez anos de crimes.

Ditadura - Operação Condor. Foto - IV
Quase dois anos antes da formalização da Condor, os seis países da região fizeram uma reunião secreta em Buenos Aires, em fevereiro de 1974. O ‘I Seminário de Polícia sobre a Luta Antisubversiva no Cone Sul’ reunia os chefes da Polícia Federal, alguns deles oficiais do Exército — casos do Brasil, Argentina e Paraguai. 

Acertaram “novas formas de colaboração transnacional para confrontar a ameaça subversiva”, conforme o general Miguel Angel Iñiguez, chefe da Polícia Federal argentina, anunciando a decisão final de operações conjuntas “contra inimigos políticos em qualquer dos países associados”.

A preocupação anticomunista se aguçou com a revolução castrista em Cuba e entrou na pauta dos quartéis do continente, que se reuniam regularmente na Conferencia dos Exércitos Americanos (CEA). No 10º encontro, realizado em Caracas uma semana antes do golpe de Pinochet em 1973, o general brasileiro Breno Borges Fortes propôs “ampliar a troca de experiências ou informações” na guerra ao comunismo.

Em 1976, na Nicarágua do ditador Somoza, disse o chefe da delegação argentina na CEA:
— A guerra ideológica não respeita fronteiras — avisou o general Roberto Viola, que carregava no sobrenome a crença de quem não reconhece limites no combate à subversão. Quatro anos antes, este desbordamento da violência ficou evidente  no Uruguai.

Em fevereiro de 1972, os guerrilheiros Tupamaros sequestraram um fotógrafo em Montevidéu. Nelson Bardessio era mais do que isso: era também policial, segurança e motorista do americano William Cantrell, o homem da CIA no Uruguai. 

O policial revelou ser membro do Esquadrão da Morte que agia dentro da DNII, Dirección Nacional de Información y Inteligencia, a central de polícia abastecida pela CIA de Cantrell com equipamento de tortura.

As ordens do ministro do Interior, Santiago de Brum Carbajal, eram repassadas ao esquadrão pelo vice-ministro Armando Acosta y Lara. Bardessio revelou que o próprio secretário pessoal do presidente Pacheco Areco, Carlos Piran, conseguiu junto à SIDE (a Secretaria de Inteligência do Estado argentino) a gelinita explosiva com que o Esquadrão da Morte praticou quatro atentados em Montevidéu. O motorista da CIA contou que ele fizera parte de uma equipe de cinco policiais treinados pela SIDE em Buenos Aires em “atividades antiterroristas” e “técnicas de vigilância”. Outros dois agentes, disse Bardessio, foram enviados ao Brasil para exercitar “operações de Esquadrão da Morte”.

Os futuros quadros da Condor começaram a se formar nesta geleia geral que misturava gelinita com militares, policiais, agentes secretos, torturadores e terroristas paramilitares. Ali mesmo em Montevidéu, três anos depois, a Condor começou a sair do ovo. Em outubro de 1975, nos salões exclusivos do hotel Carrasco, reuniu-se a 11ª CEA, a conferência dos Exércitos. Num encontro prévio, os chefes dos serviços secretos do continente ouviram a proposta de seu camarada chileno, um certo coronel Manuel Contreras, chefe da Dirección Nacional de Inteligência (DINA), a polícia política de Pinochet, para a criação de “um programa repressivo transnacional”.

A proposta foi aprovada, e Contreras não perdeu tempo. Despachou o vice-diretor da DINA, o coronel da Força Aérea Mário Jahn, direto de Montevidéu para Assunção, onde entregou ao general Francisco Brítez, chefe da repressão do Governo Stroessner, o convite para uma reunião “absolutamente secreta” em Santiago do Chile para o mês seguinte, novembro.

O nº 2 da DINA, antes de voltar para casa, fez uma segunda escala, um pouco acima no mapa: Brasília. Aqui, entregou o convite e a agenda de dez páginas da pomposa ‘Iª Reunión de Trabajo de Inteligencia Nacional’ a um fraterno amigo de Contreras: o general João Baptista Figueiredo, o chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) do Governo Geisel.

As duas ditaduras tinham muito em comum. O palácio La Moneda ainda fumegava com as bombas de sete ataques da Força Aérea quando o embaixador brasileiro Antônio Cândido Câmara Canto adentrou a Escola Militar de Santiago no instante em que o quarteto da Junta Militar prestava juramento como novo centro de poder.

– Ainda estávamos disparando quando chegou o embaixador e nos comunicou o reconhecimento – registrou o próprio Pinochet, assombrado com a ligeireza que tornou o Brasil o primeiro governo do planeta a estabelecer vínculos formais com a nova ordem.

Dissimulados, os Estados Unidos de Nixon e Kissinger esperaram baixar a poeira das bombas e só reconheceram a ditadura Pinochet treze dias depois do Brasil. O espaço aéreo chileno ainda estava fechado, horas depois do golpe, quando quatro aviões militares brasileiros pousaram na base de Santiago, oficialmente levando apenas remédios e mantimentos.

No Brasil, o apoio encoberto ao golpe foi imediato. Um acordo, articulado no Governo Médici (1969-1974) e executado no Governo Geisel (1974-1979), garantiu fuzis e munição para a repressão interna no Chile, como revelou no domingo (1/julho) a repórter Júnia Gama, de O Globo, com base em documentos inéditos do extinto EMFA (Estado-Maior das Forças Armadas). Um ofício de 17 de janeiro de 1975 revela a ordem secreta do EMFA para raspar o logotipo da República nos fuzis tipo FAL para não permitir a identificação da cumplicidade brasileira nas armas produzidas na fábrica do Exército em Itajubá, Minas Gerais.

O próprio Manuel Contreras afiara suas garras no Brasil. Um interlocutor do coronel, o americano Robert Scherrer, chefe do escritório do FBI em Buenos Aires, diz que o chileno foi treinado em Brasília. O golpe mal completara um mês quando um economista brasileiro da CEPAL foi incorporado aos dez mil prisioneiros reunidos no Estádio Nacional de Santiago. José Serra, ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, chegou a ouvir gente fazendo interrogatório em português. Os agentes do SNI foram ao Chile depois do golpe para obter informações de esquerdistas brasileiros, enquanto oficiais chilenos vinham ao Brasil para treinamento na Escola Nacional de Informações, a ESNI – que serviu de inspiração a Contreras na formatação de sua DINA.

Entre os 24 mil documentos da Inteligência americana sobre o Chile, desclassificados no Governo Clinton, existe um memorando secreto que o general Vernon Walters, o vice-diretor da CIA, mandou em julho de 1975 ao assessor de Segurança Nacional do presidente Ford, Brent Scowcroft. Ele retransmitia o apelo que Pinochet, inusitadamente aflito pelo risco de isolamento internacional, mandava para a Casa Branca. No item 3 da nota, Walters mostrava a intimidade brasileira com Pinochet: “Os chilenos sabem que não conseguem obter ajuda direta por causa da oposição do Congresso [americano]. Querem saber se há algum modo de conseguir essa ajuda indiretamente, via Espanha, Taiwan, Brasil ou República da Coréia”.

O general americano nem precisou lembrar. Mas os quatro países, por coincidência, eram ferozes ditaduras anticomunistas.

Dois meses depois, em setembro de 1975, Pinochet e o vice-diretor da DINA, coronel aviador Mario Jahn, discutiram a expansão internacional da repressão chilena. O coronel era o homem encarregado por Contreras de pilotar as incursões além-fronteiras da Condor, desafio que sempre demandava gastos maiores. Na conversa na sala de jantar do general, presenciada por um civil amigo de Pinochet, Jahn explicou:

– Os americanos estão ajudando por meio do Brasil. Este é o momento de se mover, avançar e levar a luta para o nível mundial – propôs o coronel a Pinochet, informado de que treinamento da CIA era fornecido por meio do Brasil. Brasília era definida, na conversa, como o “canal de treinamento” de técnicas de interrogatório e tortura para os agentes da DINA.

Um memorando de 15 de setembro de 1975 de Contreras a Pinochet pede um reforço de US$ 600 mil no orçamento daquele ano da DINA. No item 1 da nota, o coronel justifica ao general: “Aumento do pessoal da DINA ligado às missões diplomáticas do Chile. Um total de dez pessoas: 2 no Peru, 2 no Brasil, 2 na Argentina, 1 na Venezuela, 1 na Costa Rica, 1 na Bélgica e 1 na Itália.”

Em 1999, o jornal O Globo deu outra pista segura sobre a presença da DINA em solo brasileiro. Ele revelou uma destinação adicional ao pedido de verbas feito por Contreras a Pinochet em 1975: o custeio dos oficiais da DINA que, a cada dois meses, faziam um curso de seis semanas no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) do Exército brasileiro, em Manaus, no coração da maior floresta tropical do mundo.

Durante algum tempo, um de seus principais instrutores foi o adido militar da embaixada da França em Brasília entre 1973 e 1975. O general Paul Aussaresses, especialista em inteligência, era veterano de duas épicas derrotas francesas em guerras coloniais: a da Indochina (1946-1954) e a da Argélia (1954-1962). Foi herói na Segunda Guerra Mundial, saltando de paraquedas na Normandia para fazer a ligação entre a Resistência francesa e as tropas aliadas do Dia D. Foi vilão no fronte argelino, como mestre da tortura aplicada pelas tropas paraquedistas do general Jacques Massu. Graças a Aussaresses, a França introduziu no seu vocabulário uma deformação paraestatal que só condenava nos outros povos: os macabros ‘esquadrões da morte’.

Quase duas décadas antes do jornalista Vladimir Herzog aparecer “suicidado” no porão do DOI-CODI em São Paulo, Aussaresses mandou “suicidar” em Argel um dos líderes da Frente de Liberação Nacional (FLN), o argelino Larbi Ben M’Hidi, que apareceu enforcado na prisão após um interrogatório pesado, em 1957. Na sequência, outro suicídio: o influente advogado Ali Boumendjel “atirou-se” do sexto andar do prédio onde estava preso. Em 2000, o general reconheceu que nenhum se suicidara. Ambos foram mortos pela tortura executada sob suas ordens. Mas Aussaresses não se arrependia:

– A tortura é um mal menor, mas necessário, que deve ser usado para evitar o mal maior do terrorismo.

O mesmo argumento consolador foi usado pelo general Ernesto Geisel no depoimento que prestou ao CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, ao dizer:

— Acho que a tortura em certos casos torna-se necessária, para obter confissões. (…) Não justifico a tortura, mas reconheço que há circunstâncias em que o indivíduo é impelido a praticar a tortura, para obter determinadas confissões e, assim, evitar um mal maior — explicou Geisel.

Apesar da tolerância, o ditador brasileiro ainda simulava espanto com a ousadia da repressão de Pinochet. Em setembro de 1974, uma bomba da DINA explodiu em Buenos Aires o carro do ex-comandante do Exército chileno, Carlos Pratts, matando o general legalista e sua mulher. Quatro meses depois, quando Figueiredo sugeriu uma aproximação entre o SNI e a DINA, Geisel vetou:

— Eles que venham aqui ver a ESNI – disse o presidente, segundo anotação de 10 de janeiro de 1975 do secretário particular Heitor Ferreira, revelada pelo jornalista Elio Gaspari. Exatamente uma semana depois, o EMFA do general Geisel mandaria raspar o logotipo das armas que seu hipócrita governo fornecia clandestinamente à ditadura chilena.

Os chilenos, apesar do fingimento de Geisel, já frequentavam a Escola Nacional de Informações do SNI em Brasília desde o ano anterior, logo após a criação da DINA. O que Geisel não queria, realmente, era misturar suas tropas de repressão com as de Pinochet. Além disso, havia um erro de origem no convite de Contreras a Figueiredo para a reunião no Chile. Por definição, o SNI era um órgão de informação do presidente da República. Assim, o SNI não era o braço operacional no combate à luta armada. A missão em Santiago, por dever de ofício, cabia ao Centro de Informações do Exército.

Era o CIE que guerreava o que o SNI informava.

Esta era a lógica – e Figueiredo repassou o encargo a quem de direito, o general Confúcio Danton de Paula Avelino, o chefe do CIE, com uma recomendação especial de Geisel: reduzir a presença brasileira em Santiago. Em vez de três, como pedia Contreras, o Brasil mandaria apenas dois militares – um coronel e um major, com ordens estritas para escutar mais do que falar.

O Brasil não tinha muitas ideias para uma ação coletiva, mas queria preservar as ações bilaterais, caso a caso, quando ações repressivas fossem necessárias. Uma última recomendação de Figueiredo, repassando a ordem de Geisel: reduzir a participação brasileira à condição de observador, sem autorização para firmar nenhum documento.

Na manhã ensolarada de 25 de novembro de 1975, uma terça-feira, os dois brasileiros se juntaram a outros treze militares disfarçados de terno e gravata que ocuparam o grande salão da mansão da Alameda O’Higgins onde funcionava a Academia de Guerra do Exército, na capital chilena. A voz aguda de Pinochet ocupou um pedaço da sessão de hora e meia da abertura. Depois, Contreras assumiu o controle, pronunciando seu mantra favorito: “A subversão não reconhece fronteiras nem países”.

A repressão que assombrava o Cone Sul desde a década anterior agora tinha uma organização, um código e um método — e a loucura de sempre. A operação clandestina ganhou o nome de Condor, o abutre típico dos Andes, que agora abria suas asas sobre os povos e os países da região sem fronteiras para um terror de Estado sem limites. A velha e informal prática da troca de informações e de prisioneiros entre ditaduras camaradas tinha agora uma grife que ninguém ainda conhecia pelo nome, mas já temiam pelo terror contagiante de quem perdia parentes e companheiros, desaparecidos na treva e na noite sem fim.

A ata de fundação desse clube com licença para matar foi assinada pelos representantes de cinco dos seis países fundadores. O capitão argentino Jorge Demetrio Casas (diretor de operações do Serviço de Inteligência do Estado, SIDE), o coronel uruguaio José Fons (subdiretor do Serviço de Inteligência de Defensa, SID), o coronel paraguaio Benito Guanes Serrano (chefe do Departamento de Inteligência do EMFA), o major boliviano Carlos Mena Burgos (do Serviço de Inteligência do Estado, SIE), além do anfitrião, o coronel chileno Manoel Contreras. Os dois brasileiros dissimulados que lá estavam aprovaram tudo, mas não assinaram nada, cumprindo a ordem de Geisel de presença restrita à condição de ‘observadores’.

Até os documentos desclassificados da CIA, portanto, não conseguiam quebrar o anonimato planejado pela hipocrisia brasileira. Achei estranha esta lacuna e, durante dois anos, enquanto finalizava meu livro sobre a Operação Condor, procurei identificar a dupla enviada por Brasília.  Não localizei documentos, mas os relatos de veteranos da ditadura e da comunidade de informações acabaram decifrando o mistério.

Estes são os nomes dos brasileiros ‘observadores’ que fundaram a Condor:

Flávio de Marco e Thaumaturgo Sotero Vaz.

Dois militares, dois agentes do Centro de Informações do Exército (CIE).

Dois veteranos do combate nas selvas do Araguaia (1972-1974), o maior e mais longo foco guerrilheiro do país, onde 70 combatentes comunistas de linha maoísta foram esmagados por um contingente militar que chegou a oito mil homens.

O coronel De Marco e o major Thaumaturgo estavam lá, na frente de batalha.

Quando De Marco chegou ao Araguaia, outubro de 1973, ainda resistiam 56 guerrilheiros. Quando o coronel foi embora, um ano depois, não restavam mais do que dez combatentes. Suas sepulturas nunca foram encontradas. A falta de investigação do governo sobre a violência no Araguaia levou à condenação do Brasil, em 2010, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

O major Thaumaturgo, oficial paraquedista com curso de guerra na selva na Escola das Américas, no Canal do Panamá, comandava os ‘boinas pretas’ do Destacamento das Forças Especiais do Rio Janeiro, quando foi enviado ao Araguaia em 1972 com um pelotão de 36 homens. Em 1984, já coronel, Thaumaturgo assumiu o comando em Manaus do CIGS, o centro de guerra na selva onde treinaram os agentes da DINA do coronel Contreras, seu anfitrião na fundação da Condor uma década antes.

De Marco e Thaumaturgo estavam em Santiago por delegação expressa de Geisel e seu sucessor na presidência. Quando o coronel Figueiredo comandava no Rio o Regimento de Cavalaria de Guarda, De Marco servia ao seu lado. O general Figueiredo o levou com ele ao assumir a chefia do SNI e, quatro anos após fundar a Condor, De Marco subiu a rampa do poder com o presidente Figueiredo, na condição de diretor administrativo do Palácio do Planalto. 

O major Thaumaturgo foi cadete na academia militar do general Danilo Venturini, que dirigiu a ESNI, a escola frequentada por Contreras e seus rapazes da DINA, antes de assumir a chefia do Gabinete Militar no Governo Figueiredo.

Os brasileiros da Condor estavam, portanto, entre amigos.

Os observadores e seus chefes integravam uma irmandade.

A irmandade da Condor.

Ditadura - Operação Condor. Foto - V
Um abutre carniceiro que via longe. Em 1979, quando a Condor ainda voava alto, um agente da CIA repetiu no Senado dos Estados Unidos uma frase do coronel Contreras:

— Iremos até a Austrália, se necessário, para pegar nossos inimigos.

Em novembro de 1978, a Condor foi até Porto Alegre para pegar seus inimigos.

É a capital brasileira do Cone Sul, no Estado que faz fronteira com a Argentina e o Uruguai. 

A repressão uruguaia localizou na cidade dois ativistas da esquerda ‘requeridos’ pela ditadura: Lilian Celiberti e Universindo Rodriguez Diaz. 

Atravessar a fronteira seca do Rio Grande do Sul parecia ser ainda mais simples do que cruzar o Rio da Prata para sequestrar opositores em Buenos Aires.

— Brasil todavia no es Argentina! — advertiu o coronel Calixto de Armas, o homem mais poderoso da repressão, chefe do Departamento II do Comando Geral do Exército, responsável pelas ações do braço operacional da Condor uruguaia, a secreta Compañia de Contrainformaciones.  

O coronel pairava acima das quatro Divisões de Exército do Uruguai e acima até do Organismo Coordenador de Operações Antisubversivas, o temido OCOA, a versão local do DOI-CODI. O coronel só recebia ordens de dois homens: seu chefe imediato, o general Manuel J. Nuñez, chefe do Estado-Maior, e do comandante-geral do Exército, general Gregório ‘Goyo’ Álvarez.

De Armas procurou um velho parceiro da irmandade da Condor no Brasil: o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o homem que no Governo Médici formou a máquina de tortura do DOI-CODI da rua Tutoia, em São Paulo, e que no Governo Geisel foi chefe em Brasília do Setor de Operações do CIE, o serviço secreto do Exército. 

Quando fez o contato, em novembro, De Armas encontrou o camarada de repressão comandando há dez meses um quartel de artilharia em São Leopoldo, nas cercanias da capital gaúcha. A partir das instruções de Ustra, a cadeia de comando acionada na operação de Porto Alegre mostra que a loucura da Condor tinha método e hierarquia.

O Departamento II do coronel De Armas contatou desde Montevidéu o Estado-Maior do III Exército em Porto Alegre, pedindo passe livre da Condor para os homens da Compañia de Contrainformaciones. O CIE gaúcho repassou o pedido ao chefe do CIE em Brasília, general Edison Boscacci Guedes. O coronel uruguaio foi autorizado, então, a pilotar a Condor em solo gaúcho em parceria com o DOPS, a polícia política comandada pelo nome mais famoso da repressão no sul, o delegado Pedro Seelig, que desbaratou a esquerda armada na região.

Comunicando-se pelo sistema codificado criado pela CIA para a DINA do coronel Contreras, a Condortel 3 (base Uruguai)  entrou em linha com a Condortel 6 (base Brasil). Na primeira semana, a cúpula da Compañia uruguaia circulou em Porto Alegre: o comandante, major Carlos Alberto Rossel, seu subcomandante, major José Walter Bassani, e o capitão Eduardo Ramos, chefe da seção técnica. 

Na segunda semana, foram rendidos pelo chefe da seção administrativa, capitão Glauco Yannone. Na manhã de domingo, 12 de novembro, prenderam Lilian Celiberti na Rodoviária de Porto Alegre. O capitão Yannone e o delegado Seelig estavam lá, pela fraterna camaradagem da Condor. Universindo foi preso horas depois, com os dois filhos de Lilian — Camilo, de 8, e Francesca, de 3 anos.

Lilian e Universindo foram despidos e duramente torturados na sede do DOPS gaúcho.

O delegado Seelig observava, o capitão Yannone espancava.

O casal e as crianças foram levados pela polícia brasileira para o Chuí, na fronteira, onde os militares aplicaram novas torturas. Esperta, Lilian insinuou um encontro em Porto Alegre com o alvo principal da Condor uruguaia — Hugo Cores, o líder do PVP, o partido clandestino do qual faziam parte Lilian e Universindo.  Lilian foi trazida de volta à capital gaúcha pelo chefe do setor de operações da Compañia, o capitão Eduardo Ferro, que armou uma ratonera para capturar sua presa no apartamento da uruguaia, na rua Botafogo.

Mas foi o capitão que caiu na ratonera de Hugo Cores.

Clandestino em São Paulo, e alertado pelo silêncio de seus companheiros, Hugo Cores deu um telefonema anônimo para a sucursal da revista Veja em Porto Alegre, denunciando o desaparecimento. Quando os homens armados de Ferro e Seelig ocultos no apartamento abriram a porta, com pistolas em punho, na tarde chuvosa de 17 de novembro de 1978, não surpreenderam o esperado Hugo Cores. Na verdade, foram surpreendidos pela presença inesperada de um repórter e um fotógrafo, que ficaram ainda mais surpresos com as pistolas apontadas para suas cabeças.

Conto tudo isso porque eu era o repórter, ao lado do fotógrafo JB Scalco.

Eu olhei no olho da Condor.

Encarei a escuridão sem fim do cano da pistola entre meus olhos.

Meu amigo Scalco morreu do coração cinco anos depois, aos 32 anos.

Tenho, assim, o privilégio nada honroso de ser o único repórter do Cone Sul a sobreviver às garras da Condor.

Assumi então o desafio de contar essa história e identificar seus responsáveis, na série de reportagens que produzi ao longo de dois anos na revista Veja e no livro que publiquei, 30 anos depois do sequestro.

A inesperada aparição de dois jornalistas, algo inédito no território da Condor, obrigou os chefes uruguaios e brasileiros a abortarem a operação de Porto Alegre, voltando às pressas a Montevidéu. Dessa vez, portanto, a praxe de sangue da Condor não se cumpriria: os sequestrados sobreviveram, apesar das torturas, e não puderam ser simplesmente ‘desaparecidos’.

A denúncia do sequestro dos uruguaios em Porto Alegre virou um escândalo internacional, que mobilizou a imprensa, os partidos, os advogados, as entidades de direitos humanos.

O sequestro de Universindo, Lilian e as duas crianças é uma das 81 ações reabertas na Justiça pelo presidente José Pepe Mujica contra crimes de tortura, desaparecimento forçado e sequestro nos anos da ditadura (1973-85). No próximo dia 16 de julho, segunda-feira, estarei no tribunal da calle Missiones, em Montevidéu, depondo como testemunha do sequestro a pedido da juíza Mariana Motta. Foi ela que, em fevereiro de 2011, condenou o ex-presidente Juan María Bordaberry a 30 anos de prisão por liderar o golpe de Estado de 1973 que dissolveu o Congresso e a democracia do país. Bordaberry morreu no ano passado, aos 83 anos.

O fiasco da rua Botafogo expôs ao ridículo as ditaduras do Uruguai e do Brasil, no contexto de uma operação repressiva que nunca dava errado, que nunca deixava sobreviventes.

Em 1978, a Condor deixara para trás, vivos, quatro sequestrados e duas testemunhas para contarem como era a Condor, como agia a Condor.

Como avisara o coronel Calixto de Armas, Brasil todavia no era Argentina!.

Afinal, por que fracassou a Condor em Porto Alegre?

Por duas razões principais, que desconcertaram simultaneamente brasileiros e uruguaios por detalhes que não eram comuns em seus países.

As crianças desordenaram a rotina de eficiência do delegado Seelig e seus agentes do DOPS.   Ao contrário dos uruguaios, que roubavam os bebês de suas vítimas para entregá-los às famílias de seus algozes, a repressão brasileira não registra o desaparecimento de crianças, muito menos sua presença nas ações de busca e captura de guerrilheiros.

Os jornalistas abalaram a disciplina militar do capitão Ferro e seus parceiros da Compañia de Contrainformaciones. Ao contrário dos brasileiros, mais acostumados à insistente cobertura de uma imprensa mais incômoda sobre os excessos do regime, apesar da censura, a repressão uruguaia não concebia a presença inoportuna de jornalistas no seu local de trabalho clandestino.

De um lado e outro da fronteira, a Condor piscou, sem esconder a visível hesitação que impediu o assassinato que antes tudo resolvia, tudo desaparecia, tudo apagava.

No crepúsculo de seu governo, um mês após o sequestro de Porto Alegre, o general Geisel ordenou que o general Figueiredo, que assumiria a presidência em março de 1979, resolvesse o fiasco da Condor. Foi enviado ao sul o novo chefe do SNI, general Octávio Aguiar de Medeiros, que fracassou outra vez, na frustrada tentativa de simular uma explicação para o sumiço dos uruguaios.

Assim, num único episódio da Condor, envolveram-se sem sucesso os três generais mais influentes da ditadura brasileira tentando juntar as penas da Condor depenada em Porto Alegre.

Em uma entrevista que fiz em 1993 com o autor do telefonema anônimo, Hugo Cores, ele me dizia: “Todos os uruguaios sequestrados no exterior, algo em torno de 180, estão desaparecidos até hoje. Os únicos que estão vivos são Lilian, as crianças e Universindo. O sequestro de Porto Alegre foi o único realizado no Brasil e o último praticado pelo Uruguai. Depois dele, nunca mais houve outro”, festejava o líder do PVP.

A Condor voou com intensidade entre 1975 e 1980. E matou intensamente antes, durante e depois, com o método e a loucura das ondas sucessivas de governos militares que afogaram a democracia e a razão durante quase um século de arbítrio no Cone Sul. Nos cinco maiores países da região, foram exatos 92 anos somados de ditaduras que eram de um e eram de todos nós: Paraguai (1954-89), Brasil (1964-85), Chile (1973-90), Uruguai (1973-85) e Argentina (1976-83).

Ditadura - Operação Condor. Foto - VI
Nos tempos da Condor desatinada, a força matava pessoas e palavras, mas também inventava um novo léxico para tentar traduzir sua violência. No Chile da Condor emergiu uma nova palavra no dicionário da repressão, coalhado de presos e mortos. Surgiu a figura intermediária e angustiante do “desaparecido” – que quase sempre era uma coisa e outra, preso ou morto, sequência e consequência um do outro, e que tinha sobre eles a vantagem de isentar o Estado de explicações e justificativas.

Um “desaparecido” era uma dúvida, quem sabe um equívoco, talvez uma fatalidade, sempre um mistério que não incriminava ninguém e absolvia a todos – com exceção dos familiares da vítima, condenados ao desespero, subjugados pelo luto iminente, esmagados pela dor incessante. Um “desaparecido” só levantava suspeitas e mais perguntas, sem a garantia de certezas ou possíveis respostas. O “desaparecido” disseminava o medo. Do medo brotava o terror – e novas palavras.

O dicionário de terror da Condor fabricava uma expressão ainda mais assustadora, mais aflita: os no-nombrados, os N.N., cadáveres sem nome, sem cara, sem história, exumados no ninho da Condor por regimes de força sem coragem, sem caráter, sem futuro, sem passado. As pessoas com nomes desapareciam separadamente e, de repente, emergiam do solo covas coletivas apinhadas de mortos sem nome. No auge de seu poder, em 1979, o general argentino Jorge Videla fez uma contorcida exegese do que seria esta estranha criação dos regimes onde voava a Condor:

— O que é um desaparecido? Como tal, o desaparecido é uma incógnita… Enquanto desaparecido, não pode ter nenhum tratamento especial: é uma incógnita,  é um desaparecido, não tem identidade. Não está nem morto, nem vivo. Está desaparecido… — consolava o general da mais sangrenta ditadura do Cone Sul.

Os tiranos que caçam os opositores da tirania começam subvertendo o idioma e o sentido lógico das coisas. Carimbam como ‘subversivo’ ao resistente que ousa desafiar a opressão. Combatem o ‘terrorista’ indefeso e manietado com o aparato pesado do terror de Estado. Pregam a defesa da lei pela ação ilegal e clandestina de seus agentes. Alegam defender a democracia impondo o arbítrio. Chamam de ‘ditabranda’ o que não passa de ditadura. 

Revogam Constituições para aplicar Atos Institucionais. Impõem a insegurança dos cidadãos em nome da Segurança Nacional. Torturam e matam invocando a paz e a tranquilidade.  Fabricam ‘suicídios’ ou ‘atropelamentos’ quando os presos cometem o desatino de morrer sob tortura em suas masmorras. Concedem autoanistia para perdoar seus crimes imperdoáveis. Clamam pelo esquecimento para abafar a impunidade. E condenam como revanchismo o que não passa de memória.

No paraíso da Condor, os generais e seus serviçais conseguiram subverter o significado de duas das palavras mais valiosas da civilização: dignidade e liberdade.

Dignidad, no Chile da Condor, era o nome de uma colônia agrícola, 335 km ao sul de Santiago, criada por um ex-enfermeiro da  Luftwaffe nazista. Era frequentada por Pinochet e pelo coronel Contreras. Era um centro de torturas e de treinamento para interrogatórios da DINA.

Libertad, no Uruguai da Condor, 5o km a oeste de Montevidéu, era o maior presídio político do país. Abrigava 600 presos políticos. Desde junho de 1980, um deles atendia pelo nome de Universindo Rodriguez Díaz, o uruguaio sequestrado em Porto Alegre.

Dignidad virou sinônimo de tortura no Chile da Condor.

Libertad virou endereço de presídio no Uruguai da Condor.

Quando veio o golpe de 11 de setembro no Chile, um dos primeiros presos foi um general da Força Aérea, Alberto Bachelet. Ficou preso seis meses no Cárcere Público de Santiago, mas o coração não resistiu às torturas, nele e em velhos camaradas. Morreu de infarto em março de 1974, um mês antes de completar 51 anos. Foi poupado de uma forte emoção da história, 32 anos depois, quando o mesmo Partido Socialista derrubado à bala por Pinochet voltou ao poder pelo voto em 2006 elegendo como presidente uma médica pediatra de 56 anos – a filha de Alberto, Michelle Bachelet.

Em janeiro de 1975, dez meses antes do nascimento da Condor, Michelle e sua mãe foram presas e levadas vendadas para Villa Grimaldi, um famoso centro clandestino da DINA em Santiago. Lá, aos 24 anos, Michelle foi torturada.

É de Michelle Bachelet esta frase que nos inspira e consola:
— Só as feridas lavadas cicatrizam.

Passados tantos anos de tanto horror, este encontro de hoje, aqui em Brasília, na capital do país que é um envergonhado sócio fundador da Condor, mostra que começamos a lavar nossas feridas com esta forte manifestação da memória coletiva.

Todos, aqui, temos uma só mensagem a quem fez e a quem tenta esquecer tudo aquilo:
Nós sabemos, nós lembramos, nós contamos.

Brasília, 5/julho/2012

Luiz Cláudio Cunha, jornalista, é autor de Operação
Condor: o Sequestro dos Uruguaios (ed. L&PM, 2008)
cunha.luizclaudio@gmail.com

Maranhão. Milícia pode está matando na cidade de Caxias.

Do dia 30 de junho até a última sexta-feira (6), a Polícia Civil registrou 5 mortes por arma de fogo em Caxias (MA). Os crimes tiveram características de execução – as vítimas foram baleadas à queima-roupa, sem chance de defesa. 

É possível que estas mortes sejam resultado da ação de uma milícia que estaria agindo na cidade.

De acordo com um policial militar que pediu para ter sua identidade preservada, outros fatores apontam para a prática de milícia nas execuções. As armas utilizadas – pistolas calibre .40 (de uso restrito da polícia); bem como o fato de as vítimas serem bastante conhecidas da polícia e terem algum grau de envolvimento com o submundo do crime – autores de homicídios, assaltos e tráfico de drogas.

Até agora nenhuma autoridade policial admitiu publicamente a existência de milícias atuando em Caxias, mas é fato que este é um tema recorrente em conversas reservadas entre policiais civis e militares, que não descartam a possibilidade de esses crimes serem fruto da ação de grupos de extermínio.

Medo - Aparentemente, a população ainda não se deu conta da possibilidade de milícias estarem agindo em Caxias – pelo menos não há registro de qualquer manifestação popular nesse sentido, apesar do inegável sentimento de insegurança entre os moradores devido à onda de homicídios que varre a cidade. O medo de morrer paira sobre alguns presos provisórios recolhidos à CCPJ. Eles temem ser executados, caso sejam postos em liberdade.

Lista - Há cerca de três semanas, o blog foi informado da suposta existência de uma lista com nomes de pessoas marcadas para morrer. Na relação constariam – além de uma dezena de conhecidos assaltantes, traficantes e homicidas - nomes de figuras públicas, como juízes, promotores e advogados criminalistas – inclusive o deste redator.

Fonte: http://www.meionorte.com/ricardomarques

sábado, 7 de julho de 2012

Avião da FAB cai no Mato Grosso do Sul.

Uma aeronave A-29 Super Tucano, da Força Aérea Brasileira (FAB) caiu na manhã deste sábado (7) na área rural de Campo Grande. Segundo o Corpo de Bombeiros, o piloto do avião foi ejetado (sic) e morreu no local, que fica próximo ao distrito de Indubrasil. Não houve feridos.

A assessoria de imprensa da Base Aérea de Campo Grande (BACG) informou ao G1 que a aeronave pertence ao esquadrão Flecha e que o piloto era experiente. Ele fazia voo de treinamento quando a aeronave caiu às 7h40 (horário de MS), de acordo com a assessoria da Base. Fundado em 2004, o esquadrão nunca havia registrado acidente.

O Corpo de Bombeiros e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) se deslocaram até o local do acidente. Uma equipe da BACG também foi até a área do acidente e isolou a área.

FONTE: G1  
Nota do Editor: o Poder Aéreo lamenta o falecimento do piloto e presta condolências aos familiares e amigos. 


Atualização, 11:40h: 
 
Nota Oficial – Acidente com avião da FAB em Campo Grande (MS);

O Comando da Aeronáutica lamenta informar que neste sábado (7), por volta das 8h40, horário de Brasília, uma aeronave de caça da Força Aérea Brasileira (FAB), modelo A-29 Super Tucano, caiu a 10km do aeroporto de Campo Grande – MS.

O piloto e único ocupante da aeronave, Capitão-Tenente Bruno de Oliveira Rodrigues, de 32 anos, conseguiu se ejetar, porém faleceu no local.

O Capitão-Tenente Bruno Oliveira era Oficial da Marinha do Brasil e, desde o início do ano passado, realizava o Curso de Líder de Esquadrilha da Aviação de Caça no Terceiro Esquadrão do Terceiro Grupo de Aviação da FAB.

A Aeronáutica já iniciou as investigações para apurar os fatores que contribuíram para o acidente e está prestando todo apoio aos familiares.
 
Brasília, 07 de julho de 2012.

Brigadeiro do Ar Marcelo Kanitz Damasceno.

Chefe do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica.