Meninos, meninas, vou lhes contar como tudo começou, do jeito como me
ensinaram.
Há muitos milênios atrás ( um milênio são mil anos! ), antes
mesmo que a roda tivesse sido inventada, a vida era uma pancadaria
generalizada, pauladas, pedradas, furadas ( eram feitas com paus
pontudos; ainda não haviam descoberto um jeito de fazer flechas com
pedras lascadas), cada um por si, cada um contra todos.
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Thomas Hobbes |
Um famoso
pensador chamado Hobbes disse que era um estado de “guerra de todos
contra todos”. Não havia leis. As leis servem para proibir aquilo que
não pode ser feito. Assim, cada um fazia o que queria.
Roubar não era
crime porque não havia uma lei que dissesse “é proibido roubar”. Matar
não era crime porque não havia uma lei que dissesse “ é proibido matar”.
E não havia pessoas encarregadas de fazer cumprir a lei: juizes,
polícia.
É para isso que a polícia existe: para impedir que a lei seja
quebrada e para proteger os cidadãos comuns. Quem tivesse o porrete
maior era o que mandava. Houve até um famoso presidente dos Estados
Unidos que explicou o seu jeito de governar: “Falar manso e ter um
porrete grande nas mãos...” Os jeitos primitivos continuam ainda em
vigor.
É fácil entender. Imaginem uma
coisa doida: um jogo de futebol em
que não haja regras e nem haja um juiz que apite as faltas. Tudo é
permitido. Tapas, murros, rasteiras, xingamentos, levar a bola com a
mão, mudar de time no meio do jogo. Ao final de cada jogo o número de
mortos e feridos é grande. Os amantes de futebol queriam continuar a
jogar futebol, mas sem medo da violência. Eles se reuniram e disseram:
“Não é possível continuar assim. Vamos fazer regras para o futebol. E
vamos ter, no campo, um homem que faça com que as regras sejam
cumpridas.” E assim fizeram. E o futebol se transformou num jogo
civilizado ( às vezes...)
Pois os homens daqueles tempos chegaram à mesma conclusão. Não valia a
pena continuar a viver daquele jeito. Eles se reuniram numa grande
assembléia e chegaram a um acordo: “Só há uma solução. É preciso que
cada um deixe de fazer o que lhe dá na telha. Precisamos leis. Mas, para
ter leis, precisamos de um homem que faça as leis. E não só isso: um
homem que tenha o poder para punir todos aqueles que quebram a lei.
Os homens, assim, abriram mão das suas pequenas vontades individuais
para poderem viver uns com os outros em paz. E para que houvesse um
homem que fizesse as leis e punisse os criminosos eles escolheram um que
seria o seu Rei, ele e os seus descendentes.
O Rei teria que ser aquela
pessoa que reinaria para a paz dos homens comuns, os seus súditos. O
Rei teria de ser uma pessoa que, ao mesmo tempo, combinasse sabedoria e
força. Sabedoria para fazer as coisas certas. E força para que punisse
os malfeitores. Em toda situação há sempre os malfeitores, aqueles que
quebram as leis. Também no futebol há os malfeitores. No futebol os
malfeitores são aqueles que quebram as regras, aqueles que, pensando que
o juiz está distraído, dão rasteiras e tentam fazer gols com a mão. Se o
juiz ficar desatento e não apitar as faltas a partida de futebol vira
pancadaria.
Mas esses homens que elegeram o Rei eram ruins em psicologia. É sempre
assim: em período de eleição todos os candidatos se apresentam como
honestos, puros, pessoas que só desejam o bem do povo. Mas o povo não
conhece psicologia. Acredita naquilo que lhes é dito. Não sabem que
essas falas dos candidatos são como a isca no anzol do pescador. O seu
objetivo é apenas “fisgar” o voto do povo. E esses puros, uma vez no
poder, passam por horríveis transformações. Belos, transformam-se em
Feras.
Aconteceu assim com os Reis, tão bonitos, tão honestos, antes de
terem a coroa na cabeça e a espada na mão. Mas uma vez no poder
transformaram-se em Tiranos. Tiranos são aqueles que, esquecidos do
povo, impõem a sua vontade sobre ele. Assim os Reis esqueceram-se do
povo e passaram a pensar só neles mesmos. Se eles eram aqueles que fazem
as leis, e se eles eram aqueles que tinham a espada na mão, não havia
ninguém que os punisse. Eles cometiam suas maldades protegidos pela
impunidade. Tendo poder para fazer as leis, eles as fizeram só em seu
benefício, leis que obrigavam o povo a pagar impostos pesados.
Imposto é um dinheiro que o povo tem de pagar ao governo para
administrar o país. Tudo estaria bem se o dinheiro dos impostos fosse
usado para o bem do povo. Mas não foi isso que fizeram. Usaram o
dinheiro do povo para si mesmos. Construíram palácios com jardins,
gramados e piscinas, deram banquetes, não só eles mas todos os membros
da corte que assim se locupletaram. Todos ficaram ricos. O povo ficou
mais pobre, mais sofrido.
Aprendam isso: as pessoas mais cheias de boas
intenções, quando têm o poder e o dinheiro na mão, esquecem-se delas.
Ficam deslumbradas com o poder e passam a pensar só nelas mesmas. O
poder e o dinheiro corrompem.
Foi assim durante muitos séculos. Até que o povo perdeu as esperanças.
Os reis, que haviam sido objetos da sua admiração, tornaram-se objetos
do seu desprezo. Seu perfume se transformou em fedor. Não, os Reis
jamais pensariam no bem do povo.
Aí o povo pensou: “Não fomos nós que
escolhemos o Rei? Se ele está no trono é só porque nós queremos! Ele não
está no trono pela vontade dos deuses! Se fomos nós os que o colocamos
no trono, temos o direito de tirá-lo de lá”. O povo então se enfureceu,
saiu às ruas, pegou em armas, fez revoluções e tirou o Rei do trono.
Esse direito do povo, de tirar os Tiranos do poder, pela força, até foi
louvado pela mais humilde e a mais santa das mulheres, Maria, mãe de
Jesus. Cantando o amor de Deus ela disse que ele “derrubou dos seus
tronos os poderosos e exaltou os humildes.” ( Lucas 1:52).
Mas esse direito de tirar os reis dos tronos transformou-se em
crueldade. Na Revolução Francesa o rei e a rainha foram guilhotinados.
Na Rússia os revolucionários fuzilaram toda a família real, inclusive as
crianças.
Voltou-se então ao estado original: não havia quem ditasse leis e as
fizesse cumprir, para a paz do povo. Havia o perigo de que se
estabelecesse a condição primitiva de “guerra de todos contra todos”. Há
de haver quem faça as leis e garanta o seu cumprimento. Mas o povo
havia aprendido uma lição: poder por toda a vida, como o que era dado
aos reis, só produz tirania e corrupção. É muito perigoso dar poder
absoluto a uma pessoa só.
Por que o jogo de futebol é possível? Jogadores, bola – tudo bem. Mas
não basta. Há de haver regras. E como se estabelecem regras? As pessoas
interessadas se ajuntam e fazem um “contrato”. “Contrato” é um documento
que estabelece as regras, com o acordo de todos. Esse contrato contém
as regras do jogo que todos devem obedecer.
Todas as relações entre os
seres humanos são reguladas por contratos. O casamento é um contrato, a
compra de uma casa é um contrato, a matricula de um aluno numa escola se
faz por meio de um contrato. Quando um povo inteiro quer estabelecer as
regras de sua convivência, esse contrato tem o nome de “Constituição”. O
Brasil tem uma “Constituição”.
O espaço chegou ao fim e na próxima crônica vou falar sobre a
“Democracia” que é o sistema de governo em que quem faz as leis é o
povo. Pelo menos, é assim que deveria ser.