Russia
Today: Com o tempo, muitos líderes revolucionários abandonaram a ideia
da luta armada e alguns, inclusive, consideram que é um anacronismo.
Esta abertura das FARC ao diálogo evidencia esta tendência? Vocês de
desiludiram com seus métodos de luta?
Nijmeijer:
Não, eu acredito que não se possa dizer dessa forma. Nós estamos aqui
em Havana porque sempre pedimos o diálogo, sempre pedimos a paz, porém o
governo colombiano nunca nos permitiu participar politicamente. Então,
por esse fato, nós tomamos as armas. Não por gosto ou porque gostamos
da guerra. Tomamos as armas em uma legítima defesa contra o terrorismo
do Estado colombiano. Ao longo da história ficou claro que nós sempre
quisemos o diálogo, quisemos a paz e, por isso, estamos aqui em Havana.
Se o governo nos pede diálogo, dialogamos. Se nos pedem guerra, também
nos defendemos.
RT: Nesse sentido, como vê a realidade latino-americana atual? Existem as condições para outras formas de oposição, sem armas?
Nijmeijer:
Eu diria que na América Latina está ocorrendo um processo muito
interessante. Na Venezuela, no Equador e até na Argentina, em quase
todas as partes da América Latina esses processos estão se
desenvolvendo. São processos muito significativos e que nos interessam.
Assim, nos interessaria fazer política dessa forma, porém,
infelizmente, até o momento, não foi possível fazê-lo na Colômbia.
Vamos ver se, o quanto antes, com este processo, conquistemos a paz e
possamos participar politicamente.
RT:
Durante décadas o governo colombiano tentou colocar fim a este
conflito armado. Existe algo que diferencie esta nova tentativa aqui em
Havana das anteriores? Existem algumas razões para o otimismo?
Nijmeije:
Nós somos muito otimistas. Nós da delegação da paz das FARC somos
muito otimistas, porque pensamos que neste momento... Na Colômbia, as
mudanças sempre se dão como um fluxo e refluxo do movimento social, dos
movimentos camponeses, operários. No entanto, pensamos que, neste
momento, esse movimento está se voltando muito grande. Se vê na Colômbia
que o povo já não aguenta mais esta guerra e que o próprio povo está
pedindo paz. Se vê uma guerra de mobilização social do povo colombiano,
que queremos que nos acompanhe nesta tentativa de diálogo e isso é o
que vai acontecer. Essa é uma diferença que eu vejo muito grande com os
processos de paz anteriores, que existe uma mobilização de paz muito
grande, que se vê todos os dias na Colômbia, gente que sai às ruas para
protestar. São pessoas que perderam o medo do terrorismo de Estado
porque não aguentam mais.
Outra
coisa que eu vejo neste processo de paz é, digamos, o que já falamos, a
situação da América Latina que vem mudando e isso nos ajuda bastante
para nos entendermos com o governo colombiano, o acompanhamento dos
cubanos, da Venezuela, de todos os países da América Latina. Isso também
é um fator externo importante.
RT:
No entanto, uma grande maioria dos colombianos considera que os
membros das FARC têm que assumir a responsabilidade e receber castigo
pelos crimes que cometeram. O que você pensa sobre esse respeito?
Nijmeijer:
Bem, eu penso que é um pouco, poderia até dizer absurdo, pedir castigo
para as pessoas que sempre atuaram em legítima defesa. É o que já
falamos antes, ou seja, nós não estamos fazendo a guerra porque queremos
a guerra. Nós queremos a paz, porém a paz com justiça social e isso
nunca se deu na Colômbia. Então, não se pode dizer... se uma pessoa bate
em você, como exemplo, e você, em legítima defesa, revida, então a
pessoa que começou tem que receber o castigo por essa defesa. Isso é um
exemplo para mostrar como nós vemos a guerra na Colômbia e o papel que
temos nela, como uma defesa.
RT:
Você é uma das negociadoras neste processo de paz aqui em Havana. Que
ambiente, que clima é sentido na mesa das negociações? É possível que
as FARC e o governo colombiano encontrem uma língua comum?
Nijmeijer:
Eu penso que o clima na mesa está bom, inclusive existe espaço para
piadas, existe espaço para risos e existe um diálogo fluído, bom. Nós
apenas estamos começando. É muito difícil dizer até onde vai chegar este
processo, porém temos muito otimismo e pensamos que as duas partes
querem a paz para o povo colombiano. E onde existe vontade, existe
caminho, disse um refrão holandês. Eu penso que é assim, onde existem
duas partes que mostram sua vontade de fazer a paz, tem que existir uma
solução.
RT:
Bom, vamos imaginar que o processo de paz se conclua com êxito e
chegue a hora da desmobilização. O que fariam os membros das FARC
então?
Nijmeijer:
Nós somos uma organização político-militar, porém, em primeiro lugar,
somos políticos. Ou seja, para nós os fuzis são coisas de ferro, uns
ferros que não são necessários. São necessários nos momentos em que não
nos deixam fazer política de outra forma. Porém, se nos deixam fazer
política de outra forma, os aposentamos e seguimos fazendo a política,
como movimento político, porque é o que somos. Somos o partido comunista
rebelado em armas.
RT:
Há alguns anos, você, pessoalmente, esteve no centro da atenção
mundial, depois da publicação dos diários que foram capturados pelo
exército. Muitos entenderam que você estava criticando nestas notas o
regime que existe na organização. Poderia comentar isto? E se sim, como
pode ser membro da organização se não está completamente de acordo com
as regras que existem nela?
Nijmeijer:
Em primeiro lugar, tenho que dizer que foi uma forma antiética de
tratar um diário pessoal. Penso que deveria ter sido entregue aos meus
pais. Porém, isso é um aparte, entre aspas. As coisas que eu escrevi
eram sobre a vida cotidiana. Ou seja, por exemplo, qualquer pessoa no
mundo que trabalhe em uma empresa tem seus dias bons, tem seus dias
ruins e tem críticas. E estas críticas também são expressas dentro da
organização. E, assim, se solucionam os problemas. Porém, para mim, esta
época era mais difícil porque estava em adaptação às montanhas, à
guerrilha, em adaptação cultural, à cultura colombiana, a tudo isso. E
isso nem sempre é fácil. Porém, eu muitas vezes faço esta reflexão.
Veja,
se todo mundo diz que nós somos terroristas, que atacamos a população
civil, como tantas vezes é dito, que recrutamos crianças à força, por
que isso não aparece no diário? Esta reflexão ninguém fez. Em nenhum
meio li esta reflexão. Então, por que eu não escrevi no diário que
“acabo de chegar de um terrível massacre de população civil e agora ou
recrutar umas crianças”? Isso não está no diário. No diário está “ai,
meu Deus, eu não tenho cigarros e o comandante sim”. Ou seja, são coisas
que, quando eu relia, pareciam até infantis. Porém, eram pensamentos
meus e reflexos de todo o processo de adaptação na guerrilha e na
montanha.
RT:
Porém, além de todos estes pequenos detalhes, digamos, levando em
conta sua experiência nas FARC, você poderia fazer algumas críticas ao
funcionamento desta organização hoje em dia?
Nijmeijer:
Claro, você pode fazer suas críticas nos espaços adequados. Para mim, o
importante é que, em todos esses anos que estou nas FARC, eu vi que as
críticas que fazemos, cedo ou tarde, são escutadas e são resolvidas.
Por exemplo, notamos que em tal unidade existe muito machismo por parte
dos homens e também pode existir por parte das mulheres. Então, vamos
começar uma campanha educativa, para que as pessoas compreendam e
adotem o nosso pensamento. Ou em tal unidade existe o caso, por
exemplo, do tratamento dispensado por um comandante que não está bem
claro ou existe dúvida sobre o que está fazendo. Então, recorremos ao
comandante, o enviamos a outro comandante, lhe damos educação/ formação
e dizemos como deve fazer as coisas. Então, um vê que existem
problemas. Em todas as organizações existem problemas e contradições.
Isto se vê até em estados, isto se vê em todas as partes. Até em um
clube de futebol você vê contradições. A coisa está em como se resolvem
essas contradições. E eu tenho visto que nas FARC as contradições se
resolvem de uma forma dialética. Uma forma que eu gosto: se resolvem os
problemas. Então, isto para mim é importante.
RT:
Já que falamos do dia a dia da organização, durante os últimos anos, a
guerrilha perdeu vários de seus líderes, o que a enfraqueceu. Como
você vê hoje o movimento, quão numeroso é e como está organizado?
Nijmeijer:
Bom, eu penso que, hoje em dia, ou seja, como já está falando do
movimento de fluxos e refluxos... Sempre existem altos e baixos. Um dos
refluxos para a organização é que o terrorismo de estado e o
imperialismo agem com toda a força. Por exemplo, vimos no Plano
Colômbia, no Plano Patriota, onde nos envolvem e acusam de tudo:
bombardeios, imensos operativos. Então, o movimento está se defendendo.
Porém, eu penso que é preciso enxergar as coisas em longo prazo. Nós
começamos com 48 homens. Se, hoje em dia, estivéssemos com 48 homens,
não estaríamos sentados aqui em Havana. Estamos aqui já que,
militarmente, um Governo não vai se sentar à mesa com uma parte
derrotada. Isso eles não fazem. Sentam-se conosco porque sabem que,
militarmente, não podem nos derrotar e isso é importante.
RT:
E na organização, os membros das FARC vivem segundo as normas
comunistas, como se programava no início ou, talvez, algo do capitalismo
penetrou nas fileiras?
Nijmeijer:
Nós temos um regulamento, um estatuto, temos uma cartilha militar que
são as normas e as regras para os guerrilheiros das FARC em todos os
escalões, desde o comandante Timoleón até o guerrilheiro que ingressou
ontem. Então, essas normas são de cumprimento obrigatório. Claro que
muitas vezes ocorrem infrações dessas normas, ou seja, pessoas que...
por exemplo, na guerrilha é muito complicado comprar um MP3 ou uma
rádio, porque, através deles é possível nos localizarem e, assim, nos
bombardearem.
Então,
quando um guerrilheiro infringe a disciplina, tratamos de educa-lo.
Pode ser com um castigo, pode ser com a escrita de algumas páginas,
fazendo uma crítica na reunião do partido. Nós fazemos a reunião do
partido a cada 8 dias. Então, se critica ao companheiro. Por exemplo, se
algum camarada tem algum comportamento que se vê como prejudicial,
como não muito bom, pode ser de machismo ou de coisas, como você disso,
do capitalismo, de querer ter coisas, não pensar no coletivo, então,
ali se chama a atenção e os outros camaradas vão criticando-o e é feita
a autocrítica correspondente e resolvidos os problemas.
RT:
O Governo colombiano, assim como o governo dos EUA, sempre insistiu
que as FARC vivem do narcotráfico, o que sempre foi negado pela
guerrilha. Se não é esta a fonte, qual é o apoio recebido pela luta
revolucionária?
Nijmeijer:
Nós temos uma lei que se chama Lei 002. Todo colombiano tem que pagar
impostos ao Estado colombiano, que faz guerra contra o próprio povo.
Então, ao criarmos a Lei 002, nós pensamos que seria justo cada pessoa
que ganhe mais de um milhão de dólares pague um imposto revolucionário à
guerrilha. Assim, nós cobramos esses impostos e nas zonas “cocaleras”,
onde somente existe coca, nós pedimos imposto revolucionário aos
mafiosos, às pessoas que ganham muito dinheiro com este negócio. Nós não
vamos pedir impostos a um camponês que tem um hectare com coca. Não.
Então, esse é o laço entre a guerrilha e a coca. Em outras zonas, onde
existem outros negócios, são levantados outros impostos. Porém, essa é a
lógica utilizada quando cobramos impostos em um país, onde todas as
instituições e todas as partes estão impregnadas de narcotráfico. Na
Colômbia existem mafiosos e narcotraficantes que têm que nos pagar os
impostos. Porque uma guerra sem financiamento não possui motor.
RT:
Este ano, as FARC anunciaram o abandono da a prática dos sequestros.
No entanto, existem alguns reféns. Como será o futuro destas pessoas?
Existe algum plano para libertá-los?
Nijmeijer:
Há algum tempo existia uma fundação, cujo nome não me recordo. Acho
que era Nuevo Arcoíris (Novo Arco-íris). Ela dizia que nós tínhamos
3.000 reféns em nosso poder. Isso foi antes de fevereiro deste ano,
quando dissemos que não íamos manter reféns por questões econômicas. Na
época, nós fizemos uma contagem e chegamos ao número de nove detidos,
em todas as frentes. Seria muito bom, penso eu, é uma reflexão minha,
que o governo fizesse um cessar fogo. Assim, poderíamos solicitar que
comissões da Cruz Vermelha ou comissões de direitos humanos
inspecionassem nossas frentes e vissem quais são os detidos que temos em
nosso poder e ver que já não existem tantos reféns. Em compensação, em
uma guerra de tantos anos, existem hoje mais de 50.000 desaparecidos
do estado. Eu imagino que uma parte desses 50.000 está, supostamente,
em nosso poder. Então, vamos ver a verdade, vamos fazer com que a
verdade venha à tona.
RT:
Em diferentes meios de comunicação circula a informação de que as FARC
ajudam, apoiam os governos socialistas, vizinhos e, inclusive,
hospedam alguns de seus membros em seu território. É verdade que existe
este tipo de colaboração?
Nijmeijer:
Eu penso que, para nós, esses governos são um exemplo, nos dão moral,
são muito importantes e, neste processo de paz nos brindam com uma
colaboração muito grande sim, porém, como mediadores. Eu penso que não
se pode falar... Nós das FARC nunca recebemos colaboração, em nenhum
sentido, de nenhum governo, por exemplo, nem da União Soviética quando
existia, nem da Venezuela, nem do Equador. Nós somos um movimento com um
pensamento próprio, porém também com ideias próprias. Então, nós não
temos... Eles são estados. Nós somos um estado, mas em formação. Assim,
não existem relações. Eles têm relações econômicas e políticas, mas com
o estado colombiano.
RT: Você declarou estar orgulhosa de ser guerrilheira, de ser membro das FARC. O que alimenta este orgulho?
Nijmeijer:
PO orgulho de ser guerrilheira das FARC é o orgulho de pertencer a uma
organização que, apesar de tanta raiva midiática, apesar de um
terrorismo de estado, apesar de tanto dinheiro gasto para guerrear
contra nós, nunca nos rendemos e sempre continuamos lutando pelo que
acreditamos que é justo e isso faz com que eu me sinta muito orgulhosa.
Sinto-me orgulhosa por tudo que temos. O fato de sermos farianos, de
termos cultura, termos livros, termos canções, centenas de canções,
termos gente, gente boa, capacitada, mulheres lindas, revolucionárias.
RT: Você me disse que é melhor chama-la de Alexandra. Por que é tão importante para os guerrilheiros ter outro nome?
Nijmeijer:
Porque é o nome de guerra e, então, quando se chega à montanha, você
adota outro nome. Isso ocorre porque em uma guerra é preciso existir
clandestinidade. Para uma guerrilha é muito importante o segredo, a
clandestinidade. Assim, nós não nos conhecemos e não nos tratamos pelos
nomes civis para guardar o segredo. Eu acredito que isso aconteça em
todas as guerras.
RT: É como uma norma, não?
Nijmeijer:
Sim, é uma norma. Todo o tempo, a imprensa me chama pelo nome civil e
isso não me importa. No entanto, prefiro meu nome guerrilheiro. É assim
que meus companheiros chamam e ele expressa o sentir revolucionário e
guerrilheiro.
RT:
O que você conquistou após ingressar nas fileiras dos guerrilheiros e
que não podia receber na Europa, onde, segundo muitas pessoas, tinha o
futuro seguro?
Nijmeijer:
Eu penso que o mais importante para mim é estar dentro das fileiras
guerrilheiras, o fato de receber o reconhecimento dos próprios
guerrilheiros pela solidariedade internacional. Muitas vezes eu chego a
qualquer parte, estou fazendo qualquer tarefa e me chega alguém e diz:
“Sinto-me orgulhoso de que você esteja aqui. Sinto-me feliz ao saber
que não estamos sós nesta luta. Mesmo com tudo o que dizem as mídias,
com toda a má propaganda que nos fazem, você veio para cá nos apoiar”.
Isso é o mais importante para mim. Eu não teria recebido isso na
Holanda.
RT: E nunca se arrependeu, pensando como muitas mulheres jovens: será que, talvez, me case, forme uma família, tenha filhos?
Nijmeijer:
Não, nunca. Na verdade, eu me arrependi várias vezes quando pensava
que não conseguiria mais participar das marchas. Eu dizia “eu não vou
conseguir, não posso, não posso”. Porém, cada vez que chegava de uma
marcha, estava feliz novamente por ter conseguido. São barreiras que
existem e que você vai superando, cada vez mais, cada vez mais. Mas,
estar arrependida porque gostaria de ter uma família, não. Eu não desejo
essa vida.
RT: Não sente falta de nada de sua vida anterior, da família, de algumas coisas com as quais estava acostumada?
Nijmeijer:
Minha família, claro. Eu acredito que qualquer guerrilheiro que esteja
neste momento na montanha sente falta de sua família. Claro que as
FARC são como minha segunda família. Uma família com a qual você vive
coisas mais intensas e muito diferentes das vividas com uma família
normal. Mas é inegável, sempre fica na cabeça o retrato da família. É
uma grande alegria quando você tem a possibilidade de vê-los, de
chama-los, porém é um sacrifício que todos somos conscientes que temos
que fazer, porque, caso contrário, não fazemos nada.
RT: E como vê seu futuro? Você se vê inserida na política colombiana, por exemplo?
Nijmeijer:
Eu vejo meu futuro dentro das FARC e empregando-me no que for
necessário, no que a organização necessite. Se a organização necessitar
de uma professora, serei professora. Se necessitarem de uma política,
estarei às ordens.
RT:
As FARC protagonizam o conflito armado, que já dura décadas, e custou
milhares de vidas. Você assume esta responsabilidade? Existe algo pelo
qual pediria perdão?
Nijmeijer: Eu não gostaria de pedir perdão. Gostaria de pedir justiça. Isso e nada mais.
RT: Muito obrigado pela entrevista, Tanja.