| Crédito : Reprodução | 
Postado por Daniela Novais 15:57:00 18/08/2013.                
        
		
	
	
    
    
	
	
	
    
    
    
    
    
    
    
Ali
 no número 1600 da avenida São João, no centro de São Paulo, existe uma 
igreja evangélica em que as pessoas celebram a palavra de Deus, pagam 
dízimos, cantam em uníssono músicas animadas sobre o evangelho, e, em 
plena quarta-feira, lotam as cadeiras para acompanhar o culto. 
Tudo isso
 seria exatamente igual a qualquer outra igreja, se não fosse o fato de 
que a Comunidade Cidade de Refúgio se tratasse de uma igreja inclusiva, 
que recebe de portas abertas gays e lésbicas, sem julgamentos sobre suas
 orientações sexuais.
Para
 falar sobre a igreja, é preciso adentrar a história de duas mulheres 
que tiveram suas vidas completamente modificadas em 2002, quando se 
apaixonaram: Lanna Holder e Rosania Rocha. 
EX-LÉSBICA E EX-HÉTERO
Lanna
 sempre soube sua orientação sexual e aos 17 anos teve sua primeira 
experiência com uma mulher. No entanto, acreditava que sendo lésbica 
seria condenada ao inferno. Aos 21 anos se converteu à religião 
evangélica e deixou de lado uma companheira. Pouco depois se casou com 
um pastor, teve um filho, e a religião passou a ser parte principal de 
sua vida. Pelas igrejas do Brasil, ela pregava sobre a “cura” a que 
havia sido submetida e passou a ser vista como um exemplo a ser seguido -
 e uma prova viva de que seria possível superar a homossexualidade. 
Em
 vídeos disponíveis no YouTube, é possível ver longos sermões da pastora
 pregando sobre a maldição e o pecado da homossexualidade. Igrejas 
lotadas de fiéis aclamaram suas palavras e acreditaram estar diante de 
uma pessoa “regenerada” e “trazida de volta ao caminho do bem”. 
Em
 2002, no entanto, a história mudou quando Lanna conheceu Rosania em uma
 igreja evangélica em Boston, nos Estados Unidos. Rosania, que morava na
 cidade, onde era dirigente de louvor de uma igreja frequentada por 
brasileiros, era casada com um pastor, com quem teve um filho. Muito 
conhecida na comunidade evangélica por cantar músicas gospel, iniciou 
uma grande amizade com Lanna, de quem sempre estava perto nos cultos: 
onde Lanna pregava, Rosania cantava. Da amizade ao amor bastaram seis 
meses e suas vidas foram viradas de cabeça para baixo. De celebridades 
evangélicas adoradas, Lanna e Rosania viraram párias na religião que 
ajudavam a espalhar. 
Confira abaixo a entrevista que o Virgula Lifestyle fez por telefone com as pastoras: 
Como foi a sua conversão e o processo para se tornar uma ex-lésbica?
Lanna
 - Eu tinha 21 anos quando me converti à religião por achar que iria 
para o inferno por causa de minha orientação sexual. Eu usava drogas, 
era alcoólatra e quando me converti essa parte da minha vida deixou de 
existir. A religião funcionou como um processo de restauração na minha 
vida, mas a minha orientação sexual nunca foi alterada. Eu nunca 
vivenciei nenhum processo de cura, mesmo assim segui numa busca 
constante para deixar de ser lésbica. Eu pensava: ‘Deus me libertou das 
drogas e do alcoolismo e não consegue me libertar da homossexualidade?’.
 Na igreja, a homoafetividade é apresentada ou como uma possessão 
demoníaca ou como uma doença. Eu tentava lidar com as duas coisas. ‘Se é
 uma doença, Deus vai ter que curar e se eu estiver possessa de algum 
espírito maligno, Deus vai ter que me libertar’. Tentei por sete anos. 
A religião faz uma lavagem cerebral contra a homossexualidade?
Lanna
 - Hoje eu cheguei à conclusão de que a religião demoniza tudo o que ela
 não explica e não entende. A homossexualidade é uma questão muito cheia
 de ramificações e interpretações. A própria igreja não chega a um 
consenso sobre o que pensa a respeito. Enquanto tem uma parte que 
garante que é uma possessão demoníaca, outra parte tem certeza de que é 
uma doença. Por mais que no fundo a igreja saiba que a homossexualidade 
não é abominável, ela se recusa a corrigir um erro. É difícil voltar 
atrás e reconhecer que errou depois de milênios condenando os 
homossexuais. É mais fácil manter como está. 
Você escondia sua verdadeira orientação sexual ou estava convicta de que havia sido realmente “curada”?
Lanna
 - Eu divulgava essa tal cura havia sete anos e pregava contra a 
homossexualidade. As pessoas me conheciam como “A missionária Lanna 
Holder, ex-lésbica”. Quando fui pra Boston, eu já estava conformada, 
achando que teria que viver minha vida toda escondendo minha verdadeira 
orientação sexual. Eu mentia, pois tinha certeza de que a minha 
orientação sexual era imutável, ao contrário do que eu fazia as pessoas 
acreditarem. Fiz tudo o que a igreja mandou fazer para deixar de ser 
lésbica: quebra de maldição, cura interior, desligamento de alma, quebra
 de vínculo. Depois de tudo, minha orientação sexual não mudou e então 
cheguei à conclusão de que fazia parte da minha natureza. Esconder foi a
 minha única opção. Fiquei casada com um homem, não porque era o que eu 
queria, mas porque era o imposto para que eu não fosse para o inferno. 
Como foi o momento em que você se viu diante da paixão por uma mulher após tantos anos garantindo ser ex-lésbica?
Lanna
 - Nos conhecemos e no começo nos tornamos grandes amigas. Tivemos uma 
associação total na religião e quando chamavam a Rosania para cantar, me
 chamavam para pregar. A vida nos uniu. Viajamos pelos Estados Unidos 
juntas e eu confidenciava a ela os problemas que tinha em meu casamento,
 pois como o “exemplo” que eu era, não podia contar para ninguém o que 
eu enfrentava. Não falava sobre minha orientação sexual, mas 
conversávamos sobre diversas questões. Quando me dei conta, tudo o que 
eu fazia era pensando na Rosania. Eu queria estar ao lado dela e percebi
 que aquilo que eu sentia não era apenas amizade. Eu chorei muito, orei 
muito e perguntava a Deus quando aquilo passaria. Minha paixão por ela 
começou a confrontar com tudo aquilo que eu dizia ser errado em minhas 
pregações. 
Como você encarou a paixão pela Lanna já que nunca havia tido interesse em uma mulher antes?
Rosania
 – Eu percebi um sentimento diferente por ela e então conversamos e 
admitimos estar apaixonadas. Choramos muito, pedimos muito perdão a Deus
 e, como éramos casadas, nos sentíamos muito erradas, pois cometemos 
adultério. Nosso pecado na verdade não foi o nosso amor, mas sim o fato 
de sermos casadas e de adulterarmos por seis meses. Quando eu era 
criança, me sentia um pouco diferente das minhas amigas. Mas nunca tinha
 tido contato sexual com uma mulher até, de repente, me ver apaixonada 
pela Lanna. Nada foi planejado, deixei o barco me levar, tentei fugir, 
ficamos separadas, mas a vida nos uniu. Eu sempre digo que me apaixonei 
por um ser humano e não necessariamente por uma mulher. 
Como foi a reação da igreja ao saber que vocês estavam juntas?
Rosania
 - Contamos aos nossos maridos e depois aos nossos líderes, que nos 
aconselharam a não contar nada a ninguém para preservar a imagem da 
igreja. Confiamos que tudo daria certo, eu pensei que voltaria para meu 
marido e que a Lanna seguiria a vida dela, já que estava decidida a se 
separar. Mas assim que viramos as costas, eles (os líderes) pegaram o 
telefone e começaram a ligar para toda a comunidade evangélica contando a
 novidade. Eu morei 20 anos nos Estados Unidos e convivi com pessoas na 
igreja a quem considerava parte de minha família. Quando tudo aconteceu,
 tudo mudou. Eu entrava no banheiro para passar um batom, e as mesmas 
pessoas que se diziam minhas amigas, saíam imediatamente. Se tivéssemos 
nos apaixonado por outros homens e cometido adultério do mesmo jeito, a 
reação teria sido completamente diferente. Passaríamos por um período de
 disciplina e nossos “amigos” continuariam por perto. Como me apaixonei 
por uma mulher, subi ao púlpito e pedi perdão por ser quem eu era, mas 
nunca mais consegui me encaixar na igreja. Me usavam para pregar sobre 
pecado e aquilo acabou se tornando um circo. 
Muitos
 nos disseram que não tínhamos caráter por termos assumido nosso amor, 
mas para ter coragem de enfrentar tudo e todos, foi preciso muito 
caráter. Eu poderia ter ficado cantando e a Lanna pregando sem nunca 
ninguém imaginar que tínhamos algo. Muitas pessoas da igreja são 
hipócritas, pregam uma coisa e fazem outra. Tem gente casada que prega 
para multidões e sai para pegar as menininhas da cidade, tira a roupa na
 frente da câmera e coisas do gênero. São pessoas assim que nos 
massacram. Eu me sinto muito mais em paz com Deus sendo o que sou de 
verdade. 
Lanna
 – Quando eu me converti, já comecei a pregar que eu era uma ex-lésbica e
 então me tornei uma referência da cura. Na minha época eu era um Silas 
Malafaia falando que homossexualidade era coisa do demônio, que os gays 
iam para o inferno. É interessante perceber como a gente cai do cavalo 
com as nossas convicções. Eu que tanto perseguia os gays, me tornei uma 
perseguida com o mesmo discurso que eu usava ao assumir minha 
homossexualidade. 
Como é a relação com seus ex-maridos atualmente?
Rosania
 – Temos uma relação muito bacana. Ele se casou de novo e será pai mais 
uma vez. Ele mora nos Estados Unidos e sempre o vejo, pois meu filho 
mora com ele. 
Lanna – Só falo com meu ex-marido sobre assuntos relacionados ao nosso filho. 
Como é a relação com seus filhos (Rosania tem um filho de 15 anos e Lanna tem um filho de 11 anos)
Rosania
 – De toda essa história, a coisa mais legal é a nossa relação com 
nossos filhos. Somos uma família incrível, agimos de maneira muito 
natural. Meu filho ama a Lanna e adora conversar com ela. Aliás, ele 
conta mais coisas pra ela do que pra mim. Não tem como uma pessoa 
afirmar que uma família constituída por gays não é coisa de Deus. Somos 
uma família feliz que vive em harmonia. 
Como surgiu a ideia da igreja inclusiva?
Lanna
 – Tentamos frequentar outras igrejas, mas sempre ouvíamos as mesmas 
afrontas dos pastores no púlpito contra os gays. Começamos a fazer 
amizade com uma série de ex-evangélicos que também não eram aceitos na 
igreja por conta de sua orientação sexual. Pensamos em fazer algo em 
nossa casa mesmo, mas em 2011 inauguramos a igreja com 15 pessoas, hoje 
temos cerca de 500 membros. 
Tirando o fato da igreja inclusiva aceitar os homossexuais, o que mais a diferencia das outras?
Lanna
 – Nada, se alguém entrar aqui sem saber que é uma igreja inclusiva vai 
achar que é uma igreja evangélica como qualquer outra. Sexo é só depois 
do casamento, temos dízimos e ofertas, louvamos a palavra de Deus... A 
bíblia do gay é a mesma do hétero, a única diferença é que interpretamos
 diferente a questão da homossexualidade. Não somos ativistas gays, mas 
acreditamos na inclusão. 
Como vocês conquistam novos fieis?
Lanna
 - O evangelismo mais difícil é o de um gay. Primeiro que você já tem 
que entregar o folheto da igreja dizendo que ele é aceito como é, caso 
contrário eles rasgam o papel na nossa cara, jogam no chão... Na 
abordagem, eles logo acham que somos da igreja do pastor que fala mal, 
então já nos apresentamos como pastoras casadas antes de fazer o 
convite. Vamos nos pontos de maior concentração do público gay em São 
Paulo, que é a região da avenida Paulista, a rua Vieira de Carvalho e 
outras. Paramos nas portas das boates e fazemos flashmobs, cantando e 
dançando. Com isso, geramos curiosidade e eles se aproximam para saber 
de onde somos. Sempre vêm várias pessoas à igreja depois dessas 
abordagens. Vamos também à Parada Gay, à Feira da Diversidade e à 
Caminhada Lésbica entregar nossos folhetos. 
O que os evangélicos convencionais acham da Comunidade Cidade de Refúgio?
Lanna
 - Tem pessoas que vêm aqui na porta para nos afrontar, teve uma senhora
 que quase me agrediu aqui na frente. Nos xingam, dizem que a nossa 
igreja é Sodoma e Gomorra, que é coisa do diabo. Há quem ligue e fale 
desaforos, deixe recadinhos mal-educados nas redes sociais... Tem quem 
pense, obviamente não é todo mundo, que aqui tem imoralidade, 
promiscuidade, que é um ponto de encontro para achar parceiros sexuais. 
O que vocês acham do Silas Malafaia?
Lanna
 - Não temos nada contra o Silas Malafaia, mas achamos que ele só 
cresceu na religião baseado em polêmicas, a bola da vez são os 
homossexuais. Ele tem um discurso prepotente de dono da verdade e usa de
 muita ira para se referir aos gays. Lamentamos muito isso, porque o 
Silas Malafaia afasta todos os gays da igreja, pois eles acabam achando 
que todos os pastores pensam dessa forma. Mas ele não representa a 
maioria dos pastores. Ele não sabe o que ele fala (se referindo à 
comparação feita por Malafaia de gays a bandidos). Pregue a palavra de 
Deus, Malafaia! Pare de fazer polêmica! 
E Marco Feliciano?
Rosania
 - A única coisa que temos a dizer ao Feliciano é: “cresça”! Ele é uma 
pessoa narcisista e tudo o que ele faz é para ganhar holofotes. 
Infelizmente ele está conseguindo isso da pior maneira possível.
Do Vírgula Uol.
Link desta matéria:
 
 
