Kevin Connolly
Três anos depois do início dos protestos
que ficaram conhecidos como Primavera Árabe, o Oriente Médio ainda está
em estado de tensão.
Rebeliões ajudaram a derrubar regimes que estavam consolidados há décadas.
As revoltas começaram com manifestações na Tunísia em dezembro de 2010.
No dia 17 daquele mês, o vendedor de rua Mohamed Bouazizi se matou, em
um ato de protesto contra as condições de vida no país do norte da
África.
O ato gerou a mobilização de milhares nas
ruas, pressionando o presidente Zine al-Abidine Ben Ali a deixar o
poder, em janeiro. Ben Ali estava no poder havia mais de 20 anos.
Se seguiram protestos no Egito, que
antecederam a queda do presidente Hosni Mubarak, e a um conflito na
Líbia, que resultou no fim do regime de Muammar Khadafi.
A Primavera Árabe também marcou o início
do levante na Síria, país que hoje é palco de uma guerra civil
envolvendo simpatizantes e opositores do presidente Bashar al-Assad.
Por outro lado, a onda de protestos também teve outras consequências menos previsíveis.
A BBC preparou uma lista de fatos que, segundo analistas, não eram esperados como resultado das revoltas iniciadas em 2011.
1. Monarquias superam turbulências
As famílias reais do Oriente Médio
tiveram bons resultados com a Primavera Árabe até agora. Isso é verdade
tanto na Jordânia quanto no Marrocos e nos países do Golfo Pérsico.
Os governos que caíram ou balançaram
tinham um sistema de partido único, com forte aparato de segurança,
semelhante ao adotado pela União Soviética.
Cada monarquia reagiu de forma diferente
para lidar com protestos internos. O Barein usou dura repressão para
lidar com manifestantes Catar aumentou salários no setor público nos
primeiros meses de protestos.
Além disso, nos reinos do Golfo, a maior
fonte de insatisfação pôde ser rapidamente "exportada": os trabalhadores
nas piores condições geralmente são estrangeiros, que podem ter seus
vistos de trabalho rapidamente revogados.
2. Estados Unidos não são mais determinantes
No começo, os EUA cultivavam relações
boas com Egito, Israel e Arábia Saudita em um cenário que parecia
estável há anos. Mas no Egito, os americanos não conseguiram acompanhar o
ritmo de mudanças, que levou ao poder o islamista Mohammed Morsi,
poucos meses depois deposto pelas Forças Armadas.
Os Estados Unidos gostam de eleições, mas
detestaram o resultado do pleito no Egito – uma vitória clara da
Irmandade Muçulmana. E não gostam de golpes militares (pelo menos não no
Século 21), mas se sentem confortáveis com um regime apoiado por
militares, desde que eles se comprometam a manter a paz com Israel.
Os Estados Unidos seguem sendo uma superpotência, mas ela não dita mais o rumo do Oriente Médio.
3. Sunitas contra xiitas
A velocidade na qual os protestos
não-armados contra regimes autoritários se transformaram em uma guerra
civil na Síria chocou o mundo. Isso elevou as tensões entre os dois
grupos em várias outras regiões. Na Síria, a guerra virou praticamente
um confronto velado entre o Irã xiita e a Arábia Saudita sunita.
Essa rivalidade causou violência sectária
também no Iraque, e pode acabar sendo um dos legados mais duradouros da
Primavera Árabe.
4. Irã, o vencedor
Ninguém teria conseguido prever que o Irã
seria o grande vencedor da Primavera Árabe. No começo do processo, o
país ficou marginalizado e enfraquecido com as sanções que vários países
impõem devido ao seu programa nuclear.
A Arábia Saudita e Israel estão
preocupados com a disposição americana de negociar com o Irã, mas hoje é
impossível pensar em uma solução para o conflito sírio sem a
participação do país.
5. Vencedores e perdedores
Escolher vencedores e perdedores é
difícil. Basta olhar para o caso da Irmandade Muçulmana, principal
beneficiário com a queda de Hosni Mubarak no Egito.
Poucos meses depois da eleição que
conduziu seu líder Mohammed Morsi à Presidência, em junho de 2012, o
movimento estava novamente fora do poder, agora por intervenção das
Forças Armadas. O movimento parecia um ganhador com a Primavera Árabe,
mas agora já não é mais assim.
6. Curdos beneficiados
O povo do Curdistão, no Iraque, parecem
cada vez mais se beneficiar com a Primavera Árabe, podendo até mesmo
conseguir fundar o seu próprio país, um antigo sonho.
Mas o futuro da nação, caso venha a ser
formada, não parece fácil, já que os curdos enfrentam resistências com
todos os países à sua volta – Síria, Turquia e Irã.
7. Mulheres são vítimas
Na Praça Tahrir, no Egito, muitas
mulheres foram às ruas para pedir que as mudanças políticas também
trouxessem novidades no campo dos direitos humanos.
Mas a decepção das mulheres foi grande. Muitas foram vítimas de agressões e crimes sexuais em público.
Um estudo da Fundação Thomson-Reuters afirma que o Egito é hoje o pior país no mundo árabe para mulheres.
8. Impacto superestimado das mídias sociais
No começo dos movimentos, havia bastante
entusiasmo na imprensa ocidental sobre o papel do Twitter e Facebook, em
parte porque jornalistas ocidentais pessoalmente gostam das mídias
sociais.
Estas redes têm papel importante em
países como a Arábia Saudita, onde servem para dar vazão às opiniões que
são reprimidas pela imprensa oficial.
No começo, elas também tiveram um papel
importante nos protestos, mas isso ficou limitado a pessoas mais
educadas e bilíngues. Os políticos liberais, que usaram mais
intensamente as redes sociais, não ganharam grande apoio nas urnas.
Já canais de televisão por satélite
tiveram influência muito maior, chegando a pessoas analfabetas e que não
possuem acesso a internet.
9. Bolha imobiliária em Dubai
Há uma teoria de que o mercado
imobiliário de Dubai chegou a um pico, com pessoas ricas em países
instáveis – como Egito, Líbia, Síria e Tunísia – comprando casas e
apartamentos em lugares mais seguros, como forma de proteger seu
patrimônio.
Esse efeito teria sido sentido também em cidades como Paris e Londres.
10. De volta à prancheta
O mapa do Oriente Médio desenhado por
França e Grã-Bretanha ao final da Primeira Guerra Mundial parece estar
evoluindo. Foi nesta época que surgiram países como Síria e Iraque.
Há muitas dúvidas sobre se esses países continuarão existindo na forma atual daqui a cinco anos.
Uma lição antiga que todos parecem estar
reaprendendo é de que revoluções são imprevisíveis, e pode levar anos
para que se compreenda exatamente as suas consequências.