terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Eleições nos EUA e a Psicologia de Massas. A “Psico” Ted Cruz.

Foto - Ted Cruz.
As «operações psicológicas» (Psi Ops) são «artimanhas de guerra» à imagem do cavalo de Tróia. Sob a influência do general Edward Lansdale, os Estados Unidos, dotaram os seus exércitos, e a CIA, de unidades especializadas deste tipo, primeiro nas Filipinas, no Vietnã (Vietnã-br), contra Cuba, e depois de forma permanente [1].
As operações psicológicas são muito mais sofisticadas que a propaganda, a qual apenas visa deformar a visão da realidade. Por exemplo, durante a guerra contra a Síria em 2011, a propaganda aliada consistia em convencer a população que o presidente el-Assad ia fugir, tal como o presidente Ben Ali havia feito antes dele, na Tunísia. Os Sírios deviam pois preparar-se para um novo regime. Enquanto no início de 2012 uma operação psicológica previa substituir os canais nacionais de televisão, por programas falsos, encenando a queda da República Árabe da Síria, de modo a que a população não opusesse qualquer resistência [2].
Do mesmo modo que existem agora exércitos de mercenários, tais como a Blackwater-Academi, DynCorp ou CACI, existem, igualmente, companhias privadas especializadas em operações psicológicas, entre as quais a britânica SCL-Strategic Communications Laboratories - («Laboratórios de Comunicações Estratégicas»- ndT) e a sua filial norte-americana Cambridge Analytica. No meio do maior secretismo, elas ajudam a CIA a organizar «revoluções coloridas» e ensaiam agora a manipulação de eleitores. Desde 2005, participam na Feira britânica Defence Systems Equipment International (DSEI) e propõem a venda de seus serviços a quem pague melhor [3]. 
No exemplo sírio a SCL trabalhou, no início de 2011, no Líbano, onde ela estudou as possibilidades de manipulação da população comunidade por comunidade.

Operações psicológicas e eleitorado. 

Nas sociedades modernas as autoridades políticas são designadas pela via eleitoral. Isto pode variar, de uma simples escolha —segundo as suas qualidades pessoais— entre candidatos pré-selecionados, até à designação de personalidades portadoras de um projecto político determinado.
Em todos os casos, os candidatos devem apoiar-se em militantes, ou em empregados, para realizar suas campanhas. Sabe-se que o vencedor é, quase sempre, aquele que conseguiu reunir atrás de si o maior número de militantes.
Convêm pois não só fabricar um candidato, mas, também, um partido ou um movimento para o apoiar. Ora, os eleitores hesitam hoje em dia em se inscrever numa organização e os empregados custam caro.
A SCL teve a ideia de utilizar as técnicas comportamentais para fabricar um partido político que levaria o seu cliente ao poder. Os seus psicólogos elaboraram o perfil-tipo do militante sincero e manipulável, depois eles colectaram os dados sobre a população-alvo, determinaram quem correspondia ao seu perfil-tipo, e determinaram as mensagens mais eficazes para os convencer a apoiar o seu cliente.
Pela primeira vez isto acaba de acontecer em grande escala : nos Estados Unidos com Ted Cruz.
O slogan de campanha de Ted Cruz : «TrusTed», jogo de palavras significando «Ted, aquele em que se pode acreditar».

O financiamento da operação.

Robert Mercer, um dos dez principais doadores na vida pública norte-americana, pagou indiretamente mais de US$ 15 milhões de dólares à SCL-Analytica Cambridge para que ela tomasse a cargo a campanha de Ted Cruz [4].
Inventor de um software de reconhecimento de voz, Mercer é hoje o patrão da Renaissance, uma sociedade de investimento entre as mais eficientes do mundo. Assim, o seu célebre fundo Medallion realizou de 1989-2006, em média, 35% de proveitos ao ano, ao mesmo tempo que desenvolvia um sistema de evasão fiscal para os seus clientes [5].
Robert Mercer, jamais se exprimiu publicamente quanto às suas opiniões políticas, e os comentaristas US não sabem muito em como classificar este «republicano». Ignora-se, por exemplo, quais as suas posições sobre questões sociais como o direito ao aborto ou o casamento gay. No máximo, sabe-se que ele não acredita que as mudanças climáticas sejam provocadas pela atividade humana. Ainda assim, ele opõe-se claramente a Hillary Clinton e ao seu amigo Donald Trump, e está próximo de John Bolton.
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Fonte : Bloomberg
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Fonte : The Guardian
Como cozer seu toucinho sobre o cano da sua metralhadora.

A coleta de dados pessoais.

Para selecionar os cidadãos susceptíveis de se tornar militantes, a SCL/Cambridge Analytica reuniu, secretamente, dados pessoais sobre milhões de eleitores [6].
O doutor Aleksandr Kogan comprou os dados da Amazon, a gigante de vendas “online” nos Estados Unidos, depois pagou, cerca de 1 dólar extra por cliente, para que um questionário lhe fosse enviado via Mechanical Turk (MTurk). Aceitando identificar-se via Facebook, o internauta deixava a MTurk aceder aos seus dados pessoais, que os cruzava com os da Amazon e os transmitia através da empresa de Kogan —Research Global Science (GSR)— para a SCL. Muito embora o doutor Kogan tenha assegurado ao Guardian só trabalhar com fins de pesquisa científica, e unicamente com dados anónimos, eles estão hoje em dia em posse da SCL [7].
Em alguns meses, a SCL dispunha de uma detalhada base de dados sobre mais de 40 milhões de eleitores dos E.U, à sua revelia.
Em 2008, o Tribunal Internacional de Justiça decidiu obrigar os Estados Unidos a rever o processo de um Mexicano condenado sem ter recebido assistência jurídica consular. No entanto, Ted Cruz, então Procurador-geral do Texas, defendeu perante o Supremo Tribunal que um Estado federado não era obrigado a obedecer a um Tribunal estrangeiro enquanto o Tratado assinado por Washington não fosse transcrito para a legislação jurídica nacional. Ele venceu, os EUA denunciaram o Protocolo Adicional à Convenção de Viena, e o condenado foi executado.

A interpretação de dados pessoais.

A Cambridge Analytica procedeu então a uma avaliação de cada perfil segundo o método OCEAN, quer dizer : 
- «Ouverture»(Abertura) (apreciação sobre arte, emoção, aventura, ideias pouco convencionais, curiosidade e imaginação) ; 
- «Consciencialização» (autodisciplina, respeito pelas obrigações, organização mais que espontaneidade ; orientação para objetivos) ; 
- «Extroversão» (energia, emoções positivas, tendência a buscar estímulos e a companhia dos outros, empreendedor) ; 
- «Agréabilité» (Empatia) (tendência a ser compatível e cooperante mais que desconfiado e antagónico em vista dos outros) ; 
- «Neuroticismo» (tendência a experimentar facilmente emoções negativas como a cólera, a inquietação ou a depressão, vulnerabilidade).
Para cada sujeito-cobaia, ela conseguiu estabelecer um gráfico de personalidade utilizando, para isso, as 240 perguntas de teste NEO PI-R (Neuroticism-Extroversion-Openness Personality Inventory-Revised).
Nesta base, a SCL identificou os indivíduos que constituiriam militantes sinceros e manipuláveis, depois ela elaborou argumentos personalizados para os convencer.
Poderia pensar-se que estudos de personalidade desenvolvidos sem conhecimento dos sujeitos-cobaia seriam, apenas, muito aproximativos. E, no entanto ...

Brilhante advogado, Ted Cruz, defendeu o monumento dos Dez Mandamentos instalado no Capitólio do Estado do Texas. Redigiu o parecer dos procuradores - gerais de 31 Estados, segundo quem a interdição do porte de armas de mão fere o direito ao porte de armas garantido pela segunda emenda da Constituição dos Estados Unidos. Ele defendeu, igualmente, a récita do Juramento de fidelidade à bandeira dos Estados Unidos, uma «Nação sob Deus», nas escolas públicas.

O candidato Ted Cruz

O candidato, que se é suposto levar para a Casa Branca, Ted Cruz, é um excelente advogado, brilhante tribuno e polemista. Ele advogou muitas vezes com sucesso no Supremo Tribunal dos Estados Unidos. É, talvez, mais um libertário que um conservador.
O seu pai, o pastor evangélico Rafael Cruz, é um emigrante cubano que prega o mandato que Deus teria dado aos homens de fé para governar «a América». Ele garante que no fim dos tempos, que não tardarão, Deus distribuirá aos justos as riquezas dos ímpios [8].
A esposa de Ted, Heidi Cruz, foi diretora para a América do Sul no Conselho de Segurança Nacional, na era de Condolezza Rice, depois, vice-presidente da Goldman Sachs, encarregada da gestão de fortunas de clientes do Sudoeste do país [9].
No início da campanha presidencial, Ted Cruz foi creditado com poucos opiniões favoráveis e a imprensa referia a sua personalidade muito pouco empática. No entanto, graças à ajuda de SCL/Cambridge Analytica, ele constituiu rapidamente um vasto grupo de apoio e ganhou as primárias republicanas no Iowa.

Em 1988, Ted Cruz afirmava o seu ideal na vida : «Tomar o contrôle do mundo. A dominação mundial, gerir tudo, ser rico, poderoso, este gênero de coisas».
A sua eventual ascensão à Casa Branca provaria a possibilidade de subverter uma campanha eleitoral, recorrendo para isso às técnicas das operações psicológicas.
Tradução - Alva.

[1Edward Lansdale’s Cold War, Jonathan Nashel, university of Massachusetts Press, 2005.

[2] “A NATO prepara uma vasta operação de intoxicação”, Thierry Meyssan, Komsomolskaïa Pravda , Rede Voltaire, 13 de Junho de 2012. “Iminente OpPSY da Otan contra a Síria”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 9 de Agosto de 2012.

[3] “You Can’t Handle the Truth. Psy-ops propaganda goes mainstream” («Não se Pode Esconder a Verdade, Op Psico de propaganda chegam à Grande Média»- ndT), Sharon Weinberger, Slate, September 2005.

[4] “The Man Who Out-Koched the Kochs” («O Homem que Fintou os Kochs»- ndT), Annie Linskey, Bloomberg, October 23, 2014.

[5] “Renaissance Avoided More Than $6 Billion Tax, Report Says” («A Renaissance Escapou a Mais de $US 6 bilhões de Dólares de Imposto, Diz Relatório»- ndT), Zachary R. Mider, Bloomberg, July 22, 2014.

[6] “Cruz partners with donor’s ’psychographic’ firm. The GOP candidate’s campaign is working closely with a data company owned by Cruz’s biggest donor”, Kenneth P. Vogel and Tarini Parti, Politico, July 7, 2015. “Cruz-Connected Data Miner Aims to Get Inside U.S. Voters’ Heads” («Especialista em Mineração de Dados Aponta a Entrar no Cérebro dos Votantes U.S.»- ndT), Sasha Issenberg, Bloomberg, November 12, 2015. “Cruz campaign credits psychological data and analytics for its rising success”, Tom Hamburger, The Washington Post, December 13, 2015.

[7] “Ted Cruz sing firm that harvested data on millions of unwitting Facebook users”, Harry Davies, The Guardian, December 11, 2015.


[9] “Heidi Nelson Cruz, Ted’s Wife: 5 Fast Facts You Need to Know”, Tom Cleary, Heavy, March 23, 2015. “Heidi Nelson Cruz: A Political Spouse Making Sacrifices and Courting Donors” («Heidi N. Cruz : A Esposa de um Político Que Faz Sacrifícios e Corteja Doadores»- ndT), Steve Eder & Matt Flegenheimer, The New York Times, January 18, 2016.

Senador Roberto Rocha será candidato a Governador em 2018?


Matéria copiada do Blog do Ed Wilson.

O senador Roberto Rocha (foto) concedeu entrevista ao jornal O Imparcial, neste domingo (7) sobre o panorama político nacional e estadual.

Ele não esconde de ninguém que quer a cadeira do governador Flávio Dino (PCdoB).

Disse Rocha:

“Nós temos um mandato de senador, um mandato longo, de oito anos. Quando terminar o mandato do Flávio e da Dilma, o meu estará no meio, correto? Então é normal, em qualquer canto, um senador, no meio do seu mandato, ser um potencial candidato. Isso aos olhos da classe política. (…) Sou da mesma idade do governador, de partido diferente, e nunca fui do executivo. Todo mundo sabe que o meu desejo é esse. Tenho me preparado pra bem servir meu estado também no executivo, um dia”.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Maranhão - Índios Gamela em protesto contra invasão de seu território interditam a Rodovia MA-014.

Foto - Vias de Fato.

Indígenas denunciam que policiais militares estão fazendo serviço de jagunços para proteger os invasores do território Gamela em Viana-MA. 

De acordo com os indígenas, as únicas viaturas dos municípios de Matinha e Viana, em vez de proteger a população no período carnavalesco, estão protegendo os latifundiários que invadiram o território Gamela. 

Foto - Vias de Fato
Na manhã deste domingo (7), os indígenas fotografaram as viaturas, após perceberem que estavam sendo fotografados e filmados pelos indígenas, os policiais tentaram intimidá-los, chamando mais viaturas e policiais fortemente armados para o local. 

Em protesto, o Povo Gamela interditou a rodovia MA- 014, neste domingo, e continuam com o protesto sem previsão de desbloqueio da rodovia. 

Ontem á noite por volta das 21:30h, foram feitos 5 disparos de arma de fogo nas proximidades do protesto. 

O Povo Gamela resiste!

domingo, 7 de fevereiro de 2016

O jornalismo cínico e o ponto de não-retorno.

Em 1988, o psicanalista Jurandir Freire Costa alertava que a sociedade brasileira poderia estar chegando a um perigoso ponto de não-retorno. Ela estaria incorporando quatro valores: cinismo, narcisismo, violência e delinquência. 

À época, seus estudos tinham como referência as ideias do filósofo alemão Peter Sloterdij, que escreveu o clássico livro “Crítica da razão cínica”, publicado nos anos 1980, com grande repercussão. 

Por Francisco José Castilhos Karam* 
Mais tarde, além de outros idiomas, foi traduzido para o espanhol (1989) e para o português (2012). Nele, o autor aborda o crescimento do cinismo em escala institucional e pessoal na contemporaneidade. Para Sloterdijk, sob a capa das instituições e grupos, e em contrapartida com discursos de interesse público, crescem os componentes cínicos que se amparam em interesses privados.
Sloterdijk era cético com o destino das instituições. Em relação à mídia, considera viver num mundo aparentemente “superinformado” e, no entanto, de notícias “hipertrofiadas”. Estudioso do cinismo que se agigantava, o autor alemão era descrente em relação às potencialidades midiáticas tradicionais para a democracia. E, por extensão, do jornalismo com sua volumosa informação, que para ele era cada vez mais um espaço de mediação pública de interesses privados. E com a colaboração crescente de jornalistas que incorporam tal “valor”, de forma ingênua ou não, conscientemente ou não…
Já o ponto de não-retorno de Freire Costa atingiria diversas instituições e o comportamento individual. Segundo o psicanalista, a cultura do cinismo deriva da cultura narcísica e “se não há como recorrer a regras supra-individuais, historicamente estabelecidas pela negociação e pelo consenso, para dirimir direitos e deveres privados, tudo passa a ser uma questão de força, de deliberação ou de decisão, em função de interesses particulares. Donde o recurso sistemático à violência, à delinquência, à mentira, à escroqueria, ao banditismo ‘legalizado’ e à demissão de responsabilidade, que caracterizam a ‘cultura cínico-narcísica’ dos dias de hoje” (Costa: 1989, p. 30-31).
O que o Jornalismo tem a ver com isso?
O Jornalismo tentou se afirmar, nos últimos 300 anos, como espaço de informação, conhecimento e esclarecimento sociais, baseado na crença de que tem legitimidade social para isso e fundamentado na credibilidade das informações que por ele circulam. Desde a década de 1970 passou a ser quase um subproduto dentro dos conglomerados midiáticos, em que cada vez mais sócios de empresas de fora da mídia atuam dentro dele, a ponto de não se saber quem investe em quem: se acionistas investem na produção informativa e interferem na adequação a seus interesses; se empresários da mídia e do jornalismo investem em empresas de fora da área para fortalecer interesses particulares que não estão mais no próprio modelo de negócios; ou, afinal, se são um só faz muito tempo e hoje as coisas ficaram apenas mais claras, mais descaradas…
O que vem acontecendo, de forma reiterada, é de uma desfaçatez enorme diante da ideia de esclarecimento público e da defesa de que o jornalismo é o porta-voz da controvérsia e, portanto, a liberdade de expressão é sagrada, bandeira não só dos profissionais – a maioria honestos -, mas também de empresários – a maioria envolvida em sonegação de impostos, achaque dos cofres públicos e política de demissões e rotatividade sem qualquer piedade, embora sempre defendam o jornalismo, em quaisquer circunstâncias oficiais, como vinculado ao interesse público, à informação de qualidade, à fidelidade sobre a história do cotidiano.
Talvez por isso que Sloterdijk tenha escrito que “cinicamente dispostas estão estas épocas de gestos vazios e de fraseologia refinadamente tramada, em que sob cada palavra oficial se ocultam reservas privadas” (1989: v. II, p. 209);
O cinismo e o narcisismo tem se configurado em diversas coberturas, opiniões, comentários e tratamentos dos fatos, apesar de vários profissionais darem o melhor de si para a profissão e a sociedade em muitas matérias, em variadas notícias e reportagens. E sejam honestos em comentários. No entanto, isso parece ser cada vez mais exceção na grande empresa jornalística. O processo que engole e ameaça jornalistas é dilacerante para a profissão e presume que o jornalismo, para sobreviver com o melhor que conseguiu nos últimos séculos, estaria fora do modelo de negócios tradicional, este hoje e de forma inexorável muito mais pautado pelos critérios de audiência do que por relevância temática social. E acentua de forma descarada esta vertente a cada dia…
Rapidamente, três exemplos:
Na semana de 25 a 29 de janeiro, o Jornal Nacional exibiu série de reportagens sobre os problemas da saúde no Brasil, focando, claro, no setor público, tratando do SUS, dos hospitais públicos… O JN esmerou-se em retratar as mazelas pelas quais passa o povo brasileiro em atendimento médico e em tratamento de doenças como câncer e várias outras: filas, espera, mau atendimento, falta de estrutura e tantos outros problemas foram apontados. Isso para o tratamento público e gratuito. Situações reais. Mas durante muito tempo, e hoje, todo o jornalismo da Rede Globo, e especialmente o JN, fez campanha aberta pela redução dos gastos públicos, pelo enxugamento da máquina pública. Depois de intensa e sistemática campanha ao longo de anos, mobilizando a sociedade para cortes em todas as áreas do Estado, há um claro cinismo – e responsabilidade – quando falta dinheiro para qualquer área social, incluindo a saúde. 
Além disso, o JN esquece de dizer que uma parte da estrutura e do dinheiro que falta é responsabilidade da própria emissora e do grupo que representa, sonegador de impostos e com dívidas que ultrapassam a casa do bilhão de reais com a União. Se a dívida fosse paga, certamente seria de muita valia para o uso na área da saúde, como de resto tem sido o atendimento feito, se não perfeito, em geral bem razoável, por exemplo, pelos postos de saúde, hospitais públicos e o setor em geral e que tem logrado salvar muita gente. E ainda mais quando o próprio grupo do qual faz parte o JN esperneia quando o governo ameaça cortar gastos de publicidade, bilionário ao longo dos anos. É o cinismo que beira à delinquência jornalística, à escroqueria: o grupo Globo recebeu do Estado brasileiro – ou seja, “saiu do meu bolso, do seu bolso, da saúde” – mais de seis bilhões de reais nos últimos 12 anos;
Na edição de 30/01/2016, a Folha de S. Paulo traz matéria, quase humorística, assinada por Flávio Ferreira. Em editoria específica de “brasil em crise” (em minúsculo mesmo), o critério de noticiabilidade utilizado pela Folha colocou, no primeiro plano e em tom acusatório, a sensacional informação de que “Mulher de Lula adquiriu barco para sítio”. Um barco que não chega a cinco mil reais; uma propriedade que não se compara em valor às de Aécio Neves, Fernando Henrique Cardoso e a de tantos outros ex-presidentes, parlamentares, mulheres de parlamentares e de presidentes. E que jamais foi notícia. 
Trata-se de uma peça jornalística que beira à delinquência e ao cinismo, feita a mando talvez para tentar corrigir os continuados dados equivocados sobre o triplex de Lula, sobre os imóveis e negócios comprados sem prova alguma por filho de Lula (Havan, entre eles), pelos “ilícitos” nunca provados feitos pelo ex-presidente, que além de não serem ilegais, muitas vezes foram feitos à luz do dia e em função de parcerias de governo, seja com Estados Unidos ou Cuba, conforme deve ser em qualquer relação comercial entre dois países. Suspeitas, sempre suspeitas, e mais suspeitas… Se houvesse provas já haveria faz muito tempo. O mesmo ocorreu quando parte do jornalismo brasileiro insistia em atacar Leonel Brizola sem nunca provar nada;
É quase autoexplicativa a seleção feita pelo site/blog Mídia Independente Coletiva, feita a partir do site do G1 (Rede Globo) e como este trata determinados assuntos. 
É exemplar e pedagógica. O cinismo bate à porta e ocupa o posto do jornalismo:

O crescente número de agressões e processos contra profissionais e empresas está num quadro de perda de legitimidade e de credibilidade, valores que precisam ser arduamente recuperados. No entanto, na lógica empresarial em que se move o jornalismo tradicional, e na submissão de grande parte de seus profissionais em questões-chave de economia e de política, está cada vez mais distante o reconhecimento público à atividade e o respeito a uma profissão que lutou muito, por suas entidades, para adquirir um estatuto profissional específico e uma moral ancorada no interesse público, coisa que ainda as escolas estão a propor e a realizar. Mas que encontra cada vez mais espaço fora do jornalismo de referência histórica e encontra mais possibilidades dentro de modelos alternativos que surgem, dentro ou fora das redes sociais.
Parece ser um caminho para continuar chamando Jornalismo de Jornalismo, driblando os quatro vértices elencados por Freire Costa: cinismo, narcisismo, violência e delinquência. Quem sabe assim o jornalismo, sobretudo o tradicional, escape do que inevitavelmente tem sido a sua marca atual: o perigoso ponto de não-retorno. Ali onde o pêndulo da dialética que sempre marcou a sua história – entre o capital/interesse privado versus interesse público – tem pendido sempre para o lado do primeiro. Pelo menos corresponderia em parte ao que se propôs historicamente.
*É professor na UFSC e pesquisador do objETHOS.


O Turco Erdogan quer guerra com a Rússia de Putin?

6/2/2016, The Saker, Unz Review e The Vineyard of the Saker

Traduzido por Vila Vudu.



Os turcos recusarem-se a cumprir o que determina o Tratado “Open Skies” é desenvolvimento muito preocupante, especialmente se combinado com os alertas russos sobre preparativos para invasão turca à Síria. E os russos não estão economizando no alerta (vídeo legendado em inglês).

Há muitos outros indicadores de que, sim, é possível uma escalada na guerra: as negociações de Genebra foram abruptamente interrompidas; os sauditas estão ameaçando invadir a Síria e há sinais de que o exército sírio, lentamente, mas sem retrocesso, prepara uma operação para libertar Aleppo ainda ocupada por takfiris, o que está criando pânico em Ancara e Riad (o que implica que já deram adeus às ideias estúpidas de que os russos estariam sendo contidos ou de que não existiria exército sírio).




Ao mesmo tempo, há muitos indícios de que todo o “grande plano” de Erdogan para a Síria já colapsou completamente e que não lhe restam opções (leiam, por favor, a excelente análise de Ghassan Kadi sobre isso que postei hoje, e, também, a reflexão dePepe Escobar sobre o mesmo tema).

Não sou adivinho nem profeta. Não posso saber o que Erdogan está realmente pensando, ou se os turcos tentarão invadir a Síria. Mas posso, isso sim, oferecer alguns palpites relativamente bem informados sobre possíveis respostas a esse movimento dos turcos, se acontecer.

Primeiro, dois princípios básicos:

1) Forças russas que sejam atacadas, revidarão. Putin até já lhes deu a necessária autoridade para decidir, e acontecerá quase automaticamente, com comandos locais já autorizados a tomar decisões. Em outras palavras, essa troca de tiros não implicará automaticamente guerra em escala total entre Turquia e Rússia.

2) Se a Turquia invadir a Síria, a Rússia agirá em estrita observância ao que determina e assegura a lei internacional. Significa que exigirá reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU e que muita coisa dependerá de como o Conselho reaja. Se a gangue dos fantoches de sempre der ‘cobertura’ à Turquia (o que, em minha opinião não é provável que aconteça, ou não, pelo menos, por muito tempo, no máximo por uma semana, por aí), nesse caso os russos declararão suas obrigações de proteger a Síria, nos termos do “Tratado de Amizade e Cooperação”, de 1980, entre os dois países (sendo a Rússia estado sucessor da URSS, o tratado é plenamente vigente) e do “Acordo entre a Federação Russa e a República Árabe Síria sobre atuação de grupo de aviação das Forças Armadas sobre território da República Árabe Síria”, de 2015.

Em outras palavras, a Rússia preservará para ela certo grau de flexibilidade para interpretar a situação, numa ou noutra direção. E isso, por sua vez, significa que muita coisa dependerá de o que os turcos realmente tentem conseguir.

Se estamos falando da velha típica violação pelos turcos de uma fronteira nacional para atacar os curdos, como já fizeram muitas vezes no passado, e se a intervenção for limitada em profundidade, a Rússia provavelmente optará por meios não militares para pressionar a Turquia. Mais uma vez, por mais que os doidos na Turquia anseiem muito por guerra com a Rússia para internalizar o conflito e forçar a OTAN a intervir, os russos não têm interesse algum nessa escalada.

Assim como no Donbass, o ocidente tenta fisgar a Rússia e arrastá-la para alguma guerra, e a Rússia recusa-se a morder a isca.

O problema é que, diferentes dos ucronazistas, os turcos têm máquina de guerra muito poderosa, que os russos não podem ignorar como ignoraram o exército ucronazista e seus muitos esquadrões da morte. Assim, se o objetivo de Erdogan for mostrar-se muito macho e flexionar alguns músculos, como, digamos, Reagan fez em Granada, nesse caso é possível que nada de mais lhe aconteça, pelo menos por algum tempo. Mas se Erdogan estiver decidido a criar um conflito com a Rússia, os russos não poderão simplesmente dar de ombros e esperar que ele se acalme.

Nesse segundo caso, a Rússia terá várias opções para escalar.

primeira opção óbvia é ajudar sírios e curdos com informação de inteligência. Já está sendo feito agora e, em caso de invasão turca, as ações serão apenas intensificadas.

segunda é varrer dos céus as aeronaves turcas, aviões e helicópteros. É opção fácil, dado que os sírios já têm sistemas bastante bons de defesa antiaérea (incluindo alguns Pantsir-S1, Buk-M1/2E, Tunguskas 2K22 e sistema de alarme precoce bastante robusto) e mais algumas aeronaves mais ou menos capazes (que incluem, possivelmente, MiG-29s modernizados). O Kremlin pode pois contar com certo grau do que a CIA chamou de “negabilidade plausível”.

terceira opção ao alcance da Rússia é ajudar os sírios com o sistema de artilharia que os russos já instalaram na Síria, incluindo armas MTSA-B 52-mm, e lançadores de foguetes BM-27 Uragan e BM-30 Smerch.

Todas essas opções ainda não alcançam nível de guerra em “plena escala” entre Rússia e Turquia. 

Mas se Erdogan estiver determinado a escalar ainda mais, então a guerra será inevitável. Se a Turquia tentar atacar diretamente a base Khmeimim, não há nem sombra de dúvida de que nesse caso a Rússia retaliará.

Que ares terá isso?

A primeira coisa que eu diria é que nem um nem outro país tentará invadir o outro. A ideia de a Turquia invadir a Rússia é auto-evidentemente cômica; mas, embora a Turquia esteja dentro da profundidade de 1.000 km para a qual os militares russos são treinados, não creio que a Rússia sequer cogite de invadir a Turquia. Para começar, e exatamente como acontecia no caso da Geórgia, ninguém na Rússia realmente acredita que os turcos, como nação, desejem guerra. 

No máximo, Erdogan está muito mais para um “Saakashvili versão 2″, que para um Hitler, e será enfrentado por esse parâmetro. Além do mais, se durante a guerra de 08.08.08 a Rússia teve de proteger a população de Ossetia, contra os quase genocidas georgianos, no caso do Curdistão a Rússia não tem obrigação semelhante.

Cenário muito mais provável é repetição do que já vimos, mas em escala muito maior: se Erdogan realmente forçar a Rússia a entrar em guerra, haverá ataques de mísseis cruzadores e balísticos contra qualquer infraestrutura que dê suporte à invasão contra a Síria; afundamento de qualquer nave da Marinha Turca que se envolva no esforço; e ataques à bomba e de mísseis contra concentrações de forças turcas e depósitos de munição e combustível (POL); e, especialmente, contra pistas de pouso. O objetivo da resposta russa não será “derrotar” militarmente a Turquia, mas empurrar os turcos a retroceder, e impor a Erdogan a necessidade de um cessar-fogo.

Mesmo que os militares russos sejam capazes de derrotar completamente a Turquia numa guerra, o Kremlin também sabe perfeitamente que qualquer guerra entre Turquia e Rússia sempre terá de ser encerrada o mais rapidamente possível. Além do que, muito mais que “derrotar a Turquia” o verdadeiro objetivo dos russos sempre será derrotar Erdogan.

Por essa razão, os russos, longe de coçarem o dedo no gatilho, empreenderão todos os esforços imagináveis para mostrar que não iniciaram a guerra, mesmo que isso signifique deixar a Turquia entrar na Síria, pelo menos enquanto os turcos se mantiverem próximos da fronteira e desde que não tentem mudar o curso da guerra. Se tudo que os turcos quiserem for uma estreita “zona segura” dentro da Síria, não vejo os russos usando força militar para negar-lhes isso. Protestarão veementemente, em nível diplomático, a ajudarão sírios e curdos, mas não atacarão diretamente as forças turcas.

E quanto aos sauditas? Ora bolas, e o quê, quanto aos sauditas? Pois se não conseguem dar conta nem dos Houthis no Iêmen, por que alguém suporia que poderiam fazer alguma diferença na Síria? Os militares sauditas são piada. Não passam de força repressora degenerada, que mal consegue levar a cabo operações de repressão anti-xiitas. Podem ameaçar o quanto queiram, mas se tentarem entrar na Síria, sírios, russos, iranianos e o Hezbollah disputarão, uns contra outros, o direito de ser o primeiro exército que aplicará uma lição naqueles felás-da-puta, que eles não esquecerão por muito tempo.

Francamente, simplesmente não quero crer que Erdogan e seus conselheiros sejam suficientemente doidos para tentar disparar uma guerra contra a Rússia, nem, sequer, para invadir a Síria. 

Erdogan, sim, é claramente maníaco, mas não acredito que toda a equipe que trabalha no governo turco sejam, todos, lunáticos. Além do mais, não consigo imaginar que EUA/OTAN/UE realmente apoiariam uma invasão turca à Síria ou, ainda menos, um ataque à Rússia. A russofobia é grande e forte, mas só enquanto não expõe o pescoço de cada um a uma guerra continental, porque aí prevalecem o auto-interesse e a própria sobrevivência, acima de qualquer noção ideológica. Ou, pelo menos, espero que assim seja.

É possível que esteja sendo ingênuo, mas quero acreditar que o povo turco não ficará, lá, sentado, enquanto um presidente ensandecido arrasta o país deles a uma guerra contra a Rússia.

Para concluir, não quero deixar de mencionar algo bem estranho. Um ancião grego, um monge, de nome Paisios, que a Igreja Russa Ortodoxa consagra como santo, é muito conhecido pelas visões proféticas. Uma das mais famosas é a previsão de que Turquia e Rússia se enfrentariam numa grande guerra, cujo resultado seria o esfacelamento da Turquia, com Constantinopla libertada do jugo otomano (quem se interesse, encontra detalhes aqui e aqui).

Monge Paisios
Claro que sei que, hoje, muita gente simplesmente desconsidera esse tipo de coisa como total nonsense, obscurantismo, superstição, pensamento ‘desejante’, brotado da cabeça de um “grego ressentido”, ‘enrolação’ religiosa, etc. OK. Mas tenham em mente que, entre os séculos 15 e 20, Rússia e Turquia já combateram, uma contra a outra, 12 guerras (!). É mais de duas guerras (exatamente 2,4 guerras) por século, e a mais recente aconteceu já faz um século.

Assim sendo, independente de o que você pense sobre profecias, experiência histórica ou estatísticas, as coisas, sim, sim, parecem muito, muito assustadoras, pelo menos em minha opinião. 

E, como Ghassan Kadi e Pepe Escobar explicaram, Erdogan está preso contra a parede, sem saída. Isso, além de tudo mais, também o torna muito perigoso.

Os anglo-sionistas são especialistas em soltar pelo planeta os mais enlouquecidos ideólogos (wahabistas no Oriente Médio; neonazistas na Ucrânia), mas sempre acabam, mais cedo ou mais tarde, por, de um modo ou de outro, perder o controle sobre suas criaturas.

Espero que a ‘cobertura’ que os EUA dão hoje ao regime de Erdogan não resulte em disparar contra o mundo mais uma dessas ideologias pervertidas – um Imperialismo Otomano. Ou, se já tiverem disparado, que ainda esteja em tempo de os EUA porem rédeas naquele lunático, antes de que seja tarde demais.

Erdogan e seu regime são ameaça à paz regional e, também, à paz mundial. Não me faz diferença quem o tire do poder, se o povo turco ou a Casa Branca, mas, sim, espero que os dias de Erdogan no poder estejam contados, porque, enquanto ele lá permanecer, há risco real de uma catástrofe de grandes proporções.*****

Blumenau. Crise no transporte gera cobertura colaborativa.

Professores da Furb, em Blumenau, estão liderando uma experiência de cobertura colaborativa sobre a crise no transporte coletivo da cidade. 
O jornalista Edgar Gonçalves Júnior e os  professores Clóvis Reis, do curso de Publicidade, e Evandro de Assis, do curso de Jornalismo, são os responsáveis pelo Coletivo Blumenau.
Na segunda-feira, (01/02), o grupo monitorou o primeiro dia de atuação da Viação Piracicabana, a nova empresa de transporte coletivo de Blumenau. Criado na noite de quinta-feira, 28 de janeiro, o coletivo conseguiu reunir, até as 20 horas de segunda-feira, 251 participantes que publicaram mais de 100 fotos e vídeos das condições e da lotação dos ônibus e terminais, matéria-prima sobre a qual são produzidos os relatos jornalísticos. A Piracicabana foi contratada por 180 dias após o prefeito Napoleão Bernardes (PSDB) rescindir o contrato com o Consórcio Siga, que operava o sistema desde 2007.
A principal constatação do primeiro dia de cobertura foi de que parte da frota da Piracicabana apresentou problemas de manutenção, entre os quais portas que não fechavam, catracas e elevadores para deficientes emperrados e velocímetros travados. Segundo os usuários, pelo menos quatro ônibus enguiçaram ao longo do primeiro dia. Todos os flagrantes foram registrados com fotos pelos integrantes do Coletivo Blumenau. Dos 240 ônibus contratados, 80 circularam na segunda-feira.

Quem faz o Coletivo Blumenau

A mediação das informações publicadas nesta primeira experiência do Coletivo Blumenau foi feita pelos jornalistas Evandro de Assis,  que foi editor-chefe do Jornal de Santa Catarina, Clóvis Reis,  e Edgar Gonçalves Jr, ex-editor-chefe do Diário Catarinense. 
A proposta do grupo é potencializar o jornalismo local com base nas mídias digitais e no engajamento da população. “ Há tempos a comunicação evoluiu da relação de um a um e de um a muitos para o modelo de muitos a muitos, um processo com muitos emissores, muitos receptores e uma quantidade muito maior de intercâmbios e de cooperação”, disse Assis.
Na avaliação dos mediadores, os leitores não se contentam mais em simplesmente receber informações, mas buscam a interação com a produção da informação, desafiando os padrões tradicionais da comunicação e do jornalismo. O resultado da produção colaborativa é a qualificação da opinião pública e do próprio jornalismo. “Se o jornalismo melhora à medida que o número de fontes de informação cresce, temos que usar a internet, os smartphones e as redes sociais para aproximar os jornalistas e cidadãos. Todo mundo tem a ganhar”, disse Reis.


O Coletivo Blumenau funciona em um grupo no Facebook. O resultado do trabalho é publicado na página www.facebook.com/coletivoblumenau

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Salvador - Um ano após Chacina do Cabula, Justiça Global pede federalização do caso.


Fotos - Mortos da Chacina do Cabula em Salvador - BA.
Felipe Pontes – Repórter da Agência Brasil

Um ano após a morte de 12 jovens negros no bairro de Cabula, em Salvador, e da absolvição dos policiais envolvidos no caso, a organização não governamental Justiça Global pede que a Procuradoria-Geral da República (PGR) assuma o caso.
Os jovens foram assassinados com 88 tiros, mas os policiais foram absolvidos com a alegação de que agiram em legítima defesa após confronto.
“Recebi muitas ameaças, inclusive de morte, por telefone, WhatsApp e redes sociais”, afirmou o promotor Davi Gallo, um dos responsáveis pela investigação independente feita pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) sobre o caso que ficou conhecido como Chacina do Cabula.

Laudos necrológicos que integram o inquérito concluíram que boa parte dos tiros encontrados nos corpos foi disparada a curta distância e de cima para baixo, indícios de execução.

Absolvição - Com base em dezenas de depoimentos, o MP-BA acusou, em maio, os nove policiais envolvidos – um subtenente, um sargento e sete soldados – de terem premeditado uma emboscada contra os jovens.
Dois meses depois, em seguida a uma reconstituição das mortes com cerca de 150 pessoas e nove horas de duração, a investigação da Polícia Civil apontou uma tese diametralmente oposta: os policiais agiram em legítima defesa após confronto. Foram apresentadas ainda armas e drogas encontradas com os jovens. A denúncia do MP-BA foi acolhida pela Justiça da Bahia em 10 de junho e o inquérito policial foi apensado ao caso logo após ser concluído, vinte dias depois.

No dia 24 de julho, em uma decisão incomum pela rapidez e sem dar nenhum encaminhamento ao processo, a juíza Marivalda Almeida Moutinho, que substituía o juiz titular do caso, em férias, absolveu todos os réus. “Num processo com 12 homicídios consumados e seis vítimas sobreviventes caberia, no mínimo, iniciar a fase de instrução. Ela passou por cima de qualquer lei processual desse país e julgou”, critica Gallo. O recurso do MP-BA contra a sentença corre atualmente em segredo de justiça.

Federalização - Os nove policiais envolvidos nunca chegaram a ser retirados do policiamento de rua. A Secretaria de Segurança Pública da Bahia informou que todos continuam a desempenhar suas funções normalmente, com a exceção de um, que se encontra preso por envolvimento em outro crime.

Essas circunstâncias aliadas à condução fora do comum do processo na justiça baiana levaram a Justiça Global a pedir a federalização do caso.

Por meio de sua assessoria de comunicação, a PGR informou que o pedido se encontra em fase de instrução, com coleta e análise de dados, acrescentando que a decisão final sobre a federalização cabe ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), embora não haja previsão para que ocorra.

“Passado um ano da morte dos meninos, o que temos é a certeza de que a gente não vai parar”, afirmou Hamilton Borges, liderança do movimento Reaja ou Será Morta/Reaja ou Será Morto, grupo que milita contra o genocídio da juventude negra em Salvador e atua diretamente no caso. “A federalização desse caso é nossa única esperança.”

Intimidação - Acompanhando o caso de perto desde o início, a organização não governamental Anistia Internacional relata que após um protesto contra a chacina realizado no próprio Cabula, passaram a ser frequentes operações policiais de caráter intimidador no bairro.

“Representantes da Anistia Internacional foram novamente a Cabula e os relatos dos moradores foram de que as intimidações continuavam e de que a comunidade sentia medo”, disse o diretor executivo da entidade no Brasil, Atila Roque.

Devido às constantes intimidações, a família de Borges comunicou o assédio à Justiça Global, responsável por compilar e encaminhar à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA) reiteradas denúncias de ameaças recebidas pelos parentes dos mortos em Cabula, assim como pelos integrantes do Reaja.

Por esse motivo, o grupo decidiu blindar os familiares dos mortos na chacina, controlando o acesso de qualquer pessoa desconhecida a eles e acompanhando de perto o seu dia a dia.
“A gente procura manter os familiares resguardados, em segurança, eles não se expõem, não aparecem”, disse Borges em uma entrevista por telefone. “Diante do ódio que a gente observa contra o povo negro, a gente faz questão mesmo de ser antipático, antipalatável, entende?”

Para justificar a proteção, ele dá o exemplo de dois dos seis jovens que sobreviveram à Chacina do Cabula. “Eles saíram da Bahia e desapareceram.”

Edição: Lílian Beraldo
Link original desta matéria: http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2016-02/ um-ano-apos-chacina-do-cabula-justica-global-pede-federalizacao-do


Leia Mais (atualização): Salvador. Federalização das investigações da Chacina do Cabula é pedida pela Procuradoria Geral da República. http://maranauta. blogspot. com.br /2016/07/salvador-federalizacao-das.html