segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Profissionais da Justiça ainda desconhecem decisões da CIDH, diz novo presidente.

Alex Rodrigues - Repórter da Agência Brasil.
O juiz brasileiro Roberto Caldas assume a presidência da 
CIDH/Arquivo
Com 30 anos de experiência profissional, o sergipano Roberto Caldas, 53 anos, preside a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) desde o começo do ano. 

Oficialmente, porém, sua posse ocorre nesta segunda-feira (15), em San Jose, na Costa Rica, onde funciona a sede da mais alta corte do sistema americano de promoção dos direitos humanos, cuja principal atribuição é zelar pela correta aplicação e interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos por todos os países que ratificaram o tratado, de 1969.

Tendo advogado em casos ligados aos direitos trabalhistas e sociais – inclusive perante o Supremo Tribunal Federal (STF) –, Roberto Caldas atuou como juiz auxiliar nos três processos envolvendo o Brasil que a CIDH julgou entre 2007 e 2010. Entre eles está o que atribuía ao Estado brasileiro a responsabilidade por não ter apurado devidamente o desaparecimento, a tortura e morte de guerrilheiros no Araguaia, na década de 1970. Na ocasião, Caldas declarou que os fatos apurados configuravam crimes de lesa-humanidade, cujo julgamento a Lei da Anistia não podia impedir.

Indicado pelo governo brasileiro em 2013, com o apoio de entidades de classe e organizações sociais, ele foi eleito juiz titular daquela corte, tornando-se o segundo brasileiro a ocupar o posto desde a criação do órgão, em 1979. Após ocupar a vice-presidência do tribunal, foi eleito para presidir a CIDH pelos próximos dois anos, repetindo a trajetória do primeiro brasileiro a chegar à entidade, o jurista Antônio Augusto Cançado Trindade (1995/2006).

Especialista em ética e direito constitucional e ex-membro da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, Caldas se empolga ao falar sobre a importância da CDIH para a promoção dos direitos humanos. Mesmo ao responder sobre as dificuldades orçamentárias da entidade, que recebe mais recursos de países europeus do que dos próprios Estados-membros americanos - uma ameaça no momento em que o Continente Europeu se vê obrigado a mobilizar esforços para responder à crise humanitária decorrente das ondas migratórias.

Caldas também espera colaborar para tornar a corte mais acessível – hoje, só 1% das denúncias apresentadas à comissão interamericana chegam ao julgamento da corte. Em entrevista à Agência Brasil, o ritmo tranquilo de sua fala só se alterou quando reconheceu que profissionais da Justiça do país ainda desconhecem decisões da CIDH, que são obrigados a aplicar, e diante da polêmica em torno dos Estados Unidos, que ignoram a Convenção Americana – único assunto sobre o qual se furtou a opinar.

O juiz acredita que, com maior visibilidade da CIDH, é de se esperar que mais organizações sociais recorram ao tribunal contra o Estado brasileiro, conforme entrevista a seguir:

Agência Brasil - O senhor assumiu uma das sete cadeiras da Corte Interamericana de Direitos Humanos em fevereiro de 2013, indicado pelo governo brasileiro. Após ocupar a vice-presidência, o senhor foi eleito por seus pares para presidir a entidade. Apenas um brasileiro [o jurista Antônio Augusto Cançado Trindade] havia ocupado tais cargos antes. Há, para o Brasil, alguma implicação política e prática dessa maior visibilidade na corte?

Roberto Caldas – É relevante. É a cultura jurídica brasileira que está sendo homenageada. Ainda que, a partir do ingresso na corte, os juízes passem a ser considerados representantes interamericanos. Perante o tribunal, o vínculo nacional de cada juiz deixa de existir. Apesar de, atualmente, não podermos votar nos casos que envolvem nossos países de origem. Há, inclusive, grande controvérsia em torno dessa decisão, adotada antes de meu ingresso na corte, porque a própria Convenção Americana estabelece que os vínculos nacionais não se mantêm após a nomeação.

Agência Brasil – Quais serão suas prioridades à frente da corte?

Roberto Caldas – É muito importante incrementarmos o diálogo com a sociedade e com os próprios Estados-Membros da OEA [Organização dos Estados Americanos] – especialmente com os Poderes Judiciários nacionais – para fortalecer e estruturar a corte como um tribunal de nível superior. Cada julgamento da Corte Interamericana estabelece um precedente de interpretação da Convenção Americana de Direitos Humanos, e a maioria dos países adota essas decisões como normas legais equivalentes às suas constituições. Por isso, o diálogo é importante para que as interpretações da Corte Interamericana sejam aplicadas cotidianamente por todas as autoridades dos Três Poderes nacionais.

Agência Brasil – Até recentemente, quase metade dos recursos financeiros da corte vinha de doações de países europeus? Esta situação persiste?

Roberto Caldas - Continua. Entendemos que essa situação deve ser aperfeiçoada. A cooperação internacional com países europeus ou de outros continentes deveria ser apenas para aperfeiçoarmos alguns serviços e projetos, e não como acontece hoje, ser de fundamental importância para o funcionamento da corte. Qualquer déficit orçamentário deveria ser suprido pelos próprios Estados-Membros. Vamos nos esforçar para que os Estados garantam recursos fixos ordinários a fim de que não fiquemos dependendo de cooperação internacional ou renovação de convênios, o que não é desejável para a independência e o funcionamento normal do tribunal.

Agência Brasil – E qual a expectativa orçamentária para 2016?

Roberto Caldas – A partir das doações dos estados, a Organização dos Estados Americanos deve nos repassar cerca de US$ 2.7 milhões. Além disso, algo em torno de US$ 3 milhões normalmente vêm da cooperação internacional. Nossa preocupação é que esse valor tende a diminuir, já que os países europeus estão redirecionando seus recursos para enfrentar os reflexos da onda migratória com que toda a Europa está lidando. Esse também é um grande desafio. É importante que os estados americanos passem a dar o aporte necessário para que a corte, que já opera com orçamento abaixo do necessário, não deixe de realizar serviços fundamentais. Grande parte dos nossos serviços é prestada por voluntários, o que está longe do ideal. Podemos ter que diminuir o número de sessões de julgamento, o que resultaria em atraso na apreciação de processos, entre outros problemas.

Agência Brasil – Quantas denúncias anuais, em média, a Comissão Interamericana recebe, quantas ela encaminha para o julgamento da Corte e quantas efetivamente são julgadas?

Roberto Caldas – A Corte tem recebido da Comissão Interamericana, em média, cerca de 20 novos casos contenciosos por ano. Eles são apresentados pela Comissão de julgamos, todos eles. É preciso observar que a Corte é mais importante pela qualidade de suas sentenças do que pela quantidade, já que cada decisão estabelece um precedente a ser seguido por todos os Estados e não só pelo que é citado no processo. Eu não saberia dizer agora o número exato, mas a comissão recebe em torno de 2 mil denúncias anuais. Logo, é diminuto o número de casos que chegam à Corte.

Agência Brasil – É necessário e possível tornar esse trâmite mais amplo e célere?

Roberto Caldas – Não há demora na corte. Sempre podemos aperfeiçoar os trâmites, mas hoje, na corte, os casos são apreciados entre 18 e 24 meses, em média, o que é uma duração bastante razoável. Já na comissão, realmente, há uma certa demora, com alguns casos ultrapassando 20 anos para serem analisados e remetidos para julgamento da corte. A comissão já está enfrentando esse problema com vigor. Além disso, nos últimos anos, incrementamos bastante o diálogo entre os dois órgãos.

Agência Brasil – Qual a implicação das normas internacionais que o Brasil ratificou, como a Convenção Americana dos Direitos Humanos, para as leis brasileiras? Um país sofre algum tipo de sanção quando infringe esses tratados?

Roberto Caldas – Após serem ratificadas por qualquer país, as normas internacionais passam a ter o mesmo vigor, o mesmo peso das leis locais do país. A Convenção Americana, também conhecida como Pacto de San José, traz princípios fundamentais para a proteção e promoção dos direitos humanos. Por isso, normalmente, equipara-se às constituições nacionais. No Brasil, o patamar hierárquico da convenção continua em debate no STF [Supremo Tribunal Federal], que discute se ela está em grau constitucional ou infraconstitucional. De qualquer forma, ela é de vigência obrigatória, e todos os operadores de Justiça têm obrigação de aplicá-la. Sua não aplicação pode levar um país que a tenha ratificado a ser condenado na Corte Interamericana.

Agência Brasil – Os operadores da Justiça (juízes, servidores, procuradores e advogados) brasileiros estão familiarizados com os preceitos gerais dos direitos humanos, com os mecanismos internacionais de proteção e com as decisões da Corte Interamericana?

Roberto Caldas – Há um déficit imenso. Uma pesquisa de 2008 revelou que a utilização de decisões da corte e da Convenção Americana de Direitos Humanos é mínima. Várias gerações foram formadas sem estudar direitos humanos e direitos internacionais. A minha própria geração, durante a graduação, na maioria dos casos não teve nada sobre isso na faculdade. Estávamos vindo de um período autoritário, durante o qual proibiu-se o ensino dessas e de outras matérias. Isso torna ainda mais importante a presença do Brasil na Corte Interamericana. Para chamar a atenção para o tema, multiplicar o conhecimento sobre o sistema e, assim, chegarmos ao patamar desejado. Já houve uma melhoria, mas notamos que a comunidade jurídica brasileira ainda conhece pouco o sistema americano de promoção de direitos humanos.

Agência Brasil - O simples fato de a comissão interamericana apreciar uma denúncia e, não havendo acordo, considerar que as informações apresentadas pelos denunciantes são suficientes para que a corte julgue os fatos, é suficiente para arranhar a imagem de um país?

Roberto Caldas – Esta é uma consideração que pode ter múltiplas facetas. Alguns entendem que sim, que o país está sendo exposto, colocado no banco dos réus, sob a luz dos holofotes. Outros entendem que isso é uma sequência natural e lógica. Claro que quando se trata de um fato repetido, que já tem precedente, a comissão interamericana age de forma mais vigorosa. Aí sim, o embaraço é inegável.

Agência Brasil - Uma das primeiras denúncias que a corte vai julgar em seu mandato envolve o Brasil. Trata-se do caso da Fazenda Brasil Verde, que envolve o suposto trabalho escravo em uma fazenda particular do Pará, entre os anos 1980 e 2000. Esse julgamento, independentemente da sentença final, também prejudica a imagem do Brasil, hoje apontado internacionalmente como referência no combate ao trabalho escravo?

Roberto Caldas – Não deveríamos distinguir as obrigações estabelecidas por Estados-Membros das [obrigações] externas. A Convenção Americana de Direitos Humanos, por exemplo, deve ser obrigatoriamente aplicada pelos países que a ratificaram, caso do Brasil, e os Poderes Judiciários Nacionais têm que lidar com esse dispositivo, garantindo que ele seja cumprido. O fato de uma denúncia de eventual desrespeito à convenção chegar à corte pode resultar em um redirecionamento ou criação de determinadas políticas públicas, a obrigação de observar o que estabelece o pacto internacional. Sobre o caso específico da denúncia contra o Estado brasileiro, por minha nacionalidade, eu não participarei desse julgamento. Logo, só me resta esperar pela decisão dos meus colegas juízes.

Agência Brasil– Quantas denúncias contra o Estado brasileiro estão pendentes de julgamento na corte? Há expectativa de que o número de casos remetidos à corte pela comissão interamericana aumente nos próximos anos?

Roberto Caldas – É natural que quanto mais um sistema se torna conhecido, mais ele é acessado. É crível, portanto, que aumente o número de denúncias feitas à comissão interamericana e, consequentemente, de casos remetidos à corte. Isso não quer dizer que está aumentando o grau de violações aos direitos humanos, mas sim que o sistema internacional está sendo mais acessado em busca de respostas às violações. Isso já ocorreu com outros países e acredito que aconteça também com o Brasil. Hoje, na corte, temos apenas dois casos pendentes de julgamento. Na comissão, no entanto, há vários. Só em 2015 foram apresentadas cerca de 100 novas denúncias.

Agência Brasil - Então a expectativa é de que o número de julgamentos em geral aumente?

Roberto Caldas – Sim. E acredito que também passaremos a julgar mais casos relativos aos chamados direitos sociais, como o direito à vida, à saúde, à educação ou ao trabalho. Temas extremamente relevantes para os países da América, já que o continente é marcado por uma distribuição de renda precária e pela desigualdade social. É possível que, dada a nova composição da corte, passemos a julgar essas questões como violações aos direitos humanos, segundo uma tendência de que o desrespeito a esses direitos também pode ser judicializado.

Agência Brasil – Em 2010 o senhor atuou como juiz nomeado no julgamento de episódios ocorridos durante a chamada Guerrilha do Araguaia. A corte condenou o Estado brasileiro a investigar os fatos, determinar o paradeiro dos desaparecidos, julgar e punir os responsáveis. Na ocasião, o senhor afirmou que os Poderes Públicos dos países que aceitaram a Convenção Americana de Direitos Humanos devem respeitá-la, inclusive adequando suas leis às decisões da corte. Para o senhor, os “crimes de desaparecimento forçado, execução sumária extrajudicial e de tortura, perpetrados sistematicamente pelo Estado brasileiro para reprimir a Guerrilha do Araguaia, são exemplos acabados de crimes de lesa-humanidade, e seu julgamento não pode ser impedido pela passagem do tempo ou por dispositivos normativos, como a Lei da Anistia”. Na condição de presidente da corte, o que o senhor diz sobre esse episódio? O Brasil deve julgar e punir os agentes do Estado que, durante a ditadura civil-militar sequestraram, torturaram, mataram e, em muitos casos, desapareceram com os corpos de oponentes do regime e, em alguns casos, de pessoas que não tinham ligações com a luta armada?

Roberto Caldas – Em relação à guerrilha, essa foi a sentença da corte, e é nossa opinião, lavrada sobre a jurisprudência anterior. A sentença deve ser integralmente cumprida, e esperamos que a interpretação do tribunal seja devidamente aplicada pelo Brasil. Lógico que cada país tem seu ritmo, mas já estamos vendo que a decisão começa a ser observada por algumas instâncias do Judiciário. Acreditamos que o Supremo Tribunal Federal também o fará quando chegar a hora.

Agência Brasil – Os Estados Unidos resistem a ratificar a Convenção Americana dos Direitos Humanos, mas, ainda assim, a sede da comissão interamericana fica em Washington. O senhor é favorável à transferência da entidade para outro país que reconheça a validade do tratado internacional?

Roberto Caldas - Esta é uma questão política que compete aos estados discutir e diz respeito à comissão. É um tema aberto à discussão, mas não me cabe, como presidente da corte, emitir minha opinião sobre o tema.

Edição: Stênio Ribeiro
Leia mais: Juiz brasileiro assume presidência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2016-02/juiz-brasileiro-assume-presidencia-da-corte-interamericana-de.


domingo, 14 de fevereiro de 2016

A Sumitomo Chemical fabricante do Pyriproxyfen rebate suspeitas de que o larvicida cause microcefalia.

Kelly Oliveira – Repórter da Agência Brasil

O laboratório fabricante do larvicida  Pyriproxyfen rebateu a suspeita de que produto pode causar microcefalia. Em nota, a Sumitomo Chemical disse que não há base científica que comprove danos à saúde provocados pelo larvicida.

A empresa diz que o Pyriproxyfen é aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso em campanhas de saúde pública, como “inseticida-larvicida, controlando vetores de doenças, dentre os quais mosquitos Aedes Aegypti, Culex quinquefasciatus e mosca doméstica”.

“O produto é registrado desde 2004 e o Governo brasileiro o vem utilizando como inseticida-larvicida no combate ao Aedes Aegypti. Pyriproxyfen é registrado  também para o combate do Aedes aegypti em países como Turquia, Arábia Saudita, Dinamarca, França, Grécia, Holanda, Espanha. Na América Latina, República Dominicana e Colômbia vêm utilizando o produto desde 2010”, acrescenta a empresa.

Ontem (13), no Dia Nacional de Mobilização contra o Mosquito Aedes Aegypti, o Governo do Rio Grande do Sul anunciou a suspensão do uso do larvicida, apontado em nota técnica da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), como possível causador de microcefalia.

O produto é utilizado em caixas d’água para eliminar larvas do mosquito vetor da dengue, da febre chikungunya e do vírus Zika. “A suspeita é suficiente para nos fazer decidir pela suspensão do uso. Nós não podemos correr esse risco”, disse o secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, João Gabbardo dos Reis.

Em nota, o Ministério da Saúde disse que só usa larvicidas recomendados pela OMS. A pasta ressalta que alguns locais onde o Pyriproxyfen não é usado também registraram casos de microcefalia.

“Ao contrário da relação entre o vírus Zika e a microcefalia, que teve sua confirmação atestada em exames que apontaram a presença do vírus em amostras de sangue, tecidos e no líquido amniótico, a associação entre o uso de Pyriproxifen e a microcefalia não possui nenhum embasamento científico”, disse a nota.

A pasta ressalta que o Rio Grande do Sul tem autonomia para utilizar o produto adquirido e distribuído pelo Ministério da Saúde ou desenvolver estratégias alternativas.

Edição: Beto Coura.

Sergipe. MPEduc: Ministério Público convoca prefeitos sergipanos que ainda não assinaram Compromisso pela Educação.

Omissão em participar do compromisso implicará em investigações cíveis e criminais contra as prefeituras.
O Ministério Público Federal em Sergipe (MPF/SE) e o Ministério Público do Estado de Sergipe (MP-SE) convocaram os catorze prefeitos de Sergipe que ainda não firmaram o Compromisso pela Educação para assinarem o documento nesta segunda, 15 de fevereiro. As assinaturas acontecerão em reunião na sede do MPF/SE (Av. Beira Mar, 13 de julho, Aracaju), a partir das 10h.

O Compromisso Pela Educação é um acordo proposto pelo MPF e o MP-SE no âmbito do projeto Ministério Público Pela Educação (MPEduc) e lista diversos pontos de melhoria para a educação no Estado. Sessenta e um municípios sergipanos já fazem parte da iniciativa.

De acordo com o ofício enviado a esses prefeitos, essa é a última oportunidade para assinar o compromisso, apresentado aos gestores públicos em dezembro de 2015. Por meio do documento, os prefeitos foram informados de que “a ausência de pactuação implicará a remessa do caso, município por município, para as áreas de improbidade administrativa e criminal, para que apurem a omissão dos gestores públicos diante da situação constatada, nas escolas públicas, pelas vistorias conjuntas realizadas pelo MPF e MP/SE”.

Compromisso – O documento apresentado engloba os oito aspectos tratados no MPEduc: estrutura física, processo pedagógico, inclusão, alimentação escolar, transporte escolar, programas do governo federal e funcionamento dos dois principais conselhos sociais que atuam na análise de prestação de contas de verbas direcionadas para a educação.

“Mais um passo importante foi dado pelo MPEduc em Sergipe. Com o compromisso dos gestores municipais esperamos que em breve a população possa sentir as melhorias na educação pública”, ressalta o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão e da Cidadã, Ramiro Rockenbach.

MPEduc – O projeto Ministério Público pela Educação - MPEduc, que é de âmbito nacional, foi lançado em Sergipe em 2 de julho. O principal objetivo é estabelecer o direito à educação básica de qualidade. 

Para alcançar a meta, o MPEduc prevê diversas etapas entre coleta de informações, realização de audiências públicas, visitas às escolas, entre outras. Maiores esclarecimentos na página www.mpeduc.mp.br.

Veja a íntegra do ofício enviado aos prefeitos.

Veja aqui o termo de compromisso a ser firmado.

Confira a lista de municípios que ainda não assinaram o Compromisso pela Educação:

Municípios: Aquidabã; Aracaju; Estância; Macambira; Maruim; Nossa Senhora das Dores; Pedra Mole; Porto da Folha; Poço Redondo; Santa Luzia do Itanhy; Santana do São Francisco; Santo Amaro das Brotas; São Francisco; e Tobias Barreto.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Governo do Rio Grande do Sul suspende uso de larvicida Pyriproxyfen no combate ao mosquito Aedes.

Daniel Isaia – Repórter da Agência Brasil

No Dia Nacional de Mobilização contra o Mosquito Aedes Aegypti em Porto Alegre, o secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, João Gabbardo dos Reis, anunciou que suspendeu o uso do larvicida Pyriproxyfen, apontado em nota técnica da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), como possível causador de microcefalia. 

O produto é utilizado em caixas d’água para eliminar larvas do mosquito vetor da dengue, da febre chikungunya e do vírus Zika. “A suspeita é suficiente para nos fazer decidir pela suspensão do uso. Nós não podemos correr esse risco”, disse Gabbardo.

O mutirão na capital gaúcha começou às 8h30 da manhã de hoje (13). com solenidade de abertura na Gerência Distrital de Saúde do Partenon, na zona leste da cidade, com a participação  do prefeito José Fortunati, do governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, e do ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga.

O ministro lembrou de seu passado como prefeito de Manaus e governador do Amazonas, onde doenças como a dengue são endêmicas: “Já enfrentei esse mosquito e sei da união que é necessária para vencer essa situação.” A ação conjunta das esferas municipal, estadual e federal também também foi destacada nos discursos de Sartori e Fortunati, que lembraram do esforço recente contra os danos causados pelo forte temporal do dia 29 de janeiro.

Durante a manhã, 1.550 militares do Exército e 150 funcionários de saúde do município e do estado visitaram cerca de 40 mil domicílios de onze bairros porto-alegrenses. As casas que estavam fechadas vão ser visitadas novamente à tarde. Na ação de hoje, os agentes apenas conversaram com a população para reforçar os cuidados contra o Aedes aegypti e orientar sobre como denunciar possíveis focos do inseto. A partir do dia 15, as visitas terão objetivo de localizar e eliminar os locais onde o mosquito se reproduz.

O aposentado Lucídio Garbinato teve dengue hemorrágica há três anos, e contou que escapou da morte por um "detalhe”. Ele e a esposa foram receptivos e conversaram durante vários minutos com os militares que os visitaram hoje de manhã. “Achei maravilhosa a convocação do Exército para essa tarefa. Os militares são muito disciplinados, e essa disciplina é o que está faltando pra gente combater esse mosquito”, afirmou Garbinato.

Nos condomínios, os agentes conversaram com os síndicos e pediram para que as orientações fossem repassadas aos demais moradores. Gilberto Aguilar, síndico de um prédio no Partenon, contou que está sempre em contato com os condôminos e com os vizinhos para eliminar os focos e impedir que o Aedes aegypti se prolifere nas redondezas: “Eu já fazia isso há bastante tempo pelo medo da dengue. Agora, com a zika e a chikungunya, esses cuidados foram redobrados”.

Os agentes que participam do mutirão afirmaram que foram bem recebidos pela população. Elaine Riegel, funcionária da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, contou que vários moradores a chamaram para entrar e conferir os cuidados que eles tomaram contra o inseto. A experiência da manhã de hoje foi suficiente para convencê-la de que as pessoas estão mobilizadas: “Se todo mundo continuar ajudando e se organizando dentro do seu espaço, a gente vai vencer esse mosquito”.

Edição: Maria Claudia
Lei mais: 
1 - Médicos brasileiros e argentinos suspeitam que o piriproxileno, inseticida de mosquito, seja a causa da microcefalia. http://maranauta.blogspot.com.br/2016/02/medicos-brasileiros-e-argentinos.html.


Médicos brasileiros e argentinos suspeitam que o piriproxileno, inseticida de mosquito, seja a causa da microcefalia.


Com a relação proposta entre o vírus da zika e o surto de microcefalia no Brasil em recém-nascidos parecendo cada vez mais tênue, médicos latino-americanos estão propondo uma outra causa possível: o piriproxifeno, pesticida usado no Brasil desde 2014 para deter o desenvolvimento da larva do mosquito em tanques de água potável. Poderá a “cura” ser, na realidade, o veneno?
A reportagem é de Claire Robinson, publicada por GMWatch - The Ecologist, 10-02-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
As más-formações detectadas em milhares de crianças em mulheres grávidas que vivem em regiões onde o Estado brasileiro adicionou o piriproxifeno à água potável não são coincidências, muito embora o Ministério da Saúde ponha a culpa diretamente no vírus da zika.
A opinião da Organização Mundial da Saúde de que o surto de microcefalia na região Nordeste do país é causado pelos vírus da zika foi, até o momento, pouco questionada. 
O ministro da Saúde brasileiro, Marcelo Castro, chegou a dizer que tem “100% de certeza” de que há uma ligação entre zika e microcefalia, um defeito de nascimento em que os bebês nascem com cabeças pequenas.
Essa visão é amplamente apoiada pela comunidade médica internacional, incluindo o influente Center for Disease Control, dos EUA. Mas não há fortes evidências desta relação. Em vez disso, existe uma mistura de indícios e provas circunstanciais.
Um dos estudos científicos centrais, feito por A. S. Oliveira Melo et al. e publicado na revista Ultrasound in Obstetrics & Gynecology, encontrou o vírus da zika nos fluídos amnióticos que afetaram bebês e suas mães. Mas somente duas mulheres foram examinadas, um número demasiado pequeno para estabelecer uma ligação estatisticamente significativa.
O jornal The New York Times também informou, em 3 de fevereiro, o resultado das análises feito pelo Ministério da Saúde do Brasil: “Dos casos examinados até agora, 404 foram confirmados como tendo microcefalia. Somente 17 deles testaram positivo para o vírus da zika. Mas o governo e muitos pesquisadores dizem que o número pode ser amplamente irrelevante, porque os testes feitos encontrariam a presença do vírus em somente uma minúscula porcentagem de casos”.
E, no último fim de semana, o indicador mais poderoso de que a microcefalia pode ter uma outra causa foi anunciada pelo presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, segundo reportagem do Washington Post. Autoridades colombianas de saúde pública até agora diagnosticaram, segundo Santos, 3.177 mulheres grávidas com o vírus da zika, mas em nenhum caso se observou microcefalia no feto.
Médicos argentinos: é o inseticida.

Agora, um novo relatório foi publicado pela organização médica argentina Physicians in the Crop-Sprayed Towns –PCST (na sigla em inglês), que não apenas desafia a teoria de que a epidemia do vírus da zika no Brasil seja a causa do aumento de microcefalia em recém-nascidos, mas propõe uma explicação alternativa.
Segundo a PCST, o Ministério não conseguiu reconhecer que, na região onde vivem mais pessoas doentes, um larvicida químico que produz más-formações em mosquitos foi adicionado no fornecimento de água potável em 2014.
Este pesticida, o piriproxifeno, é fabricado pela Sumitomo Chemical, um “parceiro estratégico” japonês da Monsanto – empresa que estes médicos aprenderam a desconfiar devido ao grande volume de pesticidas dela pulverizados em terras agrícolas na Argentina.
piriproxifeno é um inibidor de crescimento da larva do mosquito, que altera o processo de desenvolvimento desde a larva, passando pelo estágio da pupa até a fase adulta, assim gerando más-formações em mosquitos em desenvolvimento e matando ou incapacitando-os. O produto age como um hormônio juvenil de inseto, ou juvenoide, e tem o efeito de inibir o desenvolvimento das características do inseto adulto (por exemplo, asas e genitália externa madura) e o desenvolvimento reprodutivo.
O produto químico tem índices de risco relativamente baixos, possuindo uma baixa toxidade aguda. Testes feitos pela Sumitomo realizados em uma variedade de animais descobriu que ele não era um teratógeno (não causava defeitos de nascimento) nos mamíferos testados. No entanto, não se pode tomar essa conclusão como um indicador confiável dos seus efeitos nos seres humanos – especialmente diante das evidências em contrário.
PCST comentou: “As más-formações detectadas em milhares de crianças de mãe grávidas que vivem em regiões onde o Estado brasileiro adicionou o piriproxifeno à água potável não são coincidências, muito embora o Ministério da Saúde coloque a culpa por este dano diretamente no vírus da zika”.
Eles também notaram que o zika tem sido tradicionalmente tomado como uma doença benigna que nunca antes esteve associada com defeitos de nascimento, mesmo em áreas onde ele infecta 75% da população.
Médicos brasileiros também suspeitam do piriproxifeno.
piriproxifeno é uma introdução relativamente nova ao meio ambiente brasileiro; o aumento da microcefalia é um fenômeno relativamente novo. O larvicida parece, portanto, um fator causativo plausível na microcefalia – muito mais do que mosquitos geneticamente modificados, os quais alguns têm culpado pela epidemia do zika e, consequentemente, pelos defeitos de nascimento.
O relatório do PCST, que também aborda a epidemia da febre da dengue no Brasil, concorda com os achados de um outro relatório sobre o surto do zika, este produzido por médicos brasileiros e pela organização de pesquisadores em saúde, Abrasco.
Abrasco igualmente identifica o piriproxifeno como uma causa possível da microcefalia. Ela condena a estratégia do controle químico dos mosquitos portadores do zika, o que, dizem, está contaminando o meio ambiente bem como as pessoas e não está diminuindo o número de mosquitos.
Em vez disso, a Abrasco sugere que essa estratégia está, na realidade, orientada por interesses comerciais da indústria química, que, dizem, encontra-se profundamente inserida nos ministérios de Saúde latino-americanos, bem como na Organização Mundial da Saúde e na Organização Pan-Americana de Saúde.
A Abrasco identifica a empresa inglesa de insetos geneticamente modificados Oxitec como parte de um lobby corporativo que tem distorcido os fatos sobre o vírus da zika a fim de atender os seus próprios interesses. A Oxitec vende mosquitos geneticamente modificados para a esterilidade e os coloca no mercado como um produto de combate à doença – estratégia condenada pelos médicos argentinos como um “fracasso total, exceto para a empresa que fornece os mosquitos”.
Tanto os médicos brasileiros e argentinos quanto as associações de pesquisadores concordam que a pobreza é um fator-chave que está sendo negligenciado na epidemia em curso. A Abrasco condenou o governo brasileiro por sua “ocultação deliberada” das causas econômicas e sociais: “Na Argentina e em todo o continente, as populações mais pobres com menos acesso ao saneamento e à água potável sofrem mais com este surto epidêmico”. A PCST concorda, afirmando: “A base do progresso da doença encontra-se na desigualdade e na pobreza”.
A Abrasco acrescenta que a doença está estreitamente ligada à degradação ambiental: inundações causadas pelo desmatamento e o uso massivo de herbicidas em plantações de soja (geneticamente modificadas) tolerantes a herbicida. Em suma, “os impactos de indústrias extrativas”.
A noção de que a degradação ambiental pode ser um fator na difusão do zika encontra sustentação na visão de Dino MartinsPh.D. Martins, que é entomologista queniano, diz que “a explosão dos mosquitos em áreas urbanas, que está levando adiante a crise do vírus da zika” é causada por uma “falta de diversidade natural que, do contrário, manteria as populações de mosquito sob controle e também pela proliferação de resíduos e a falta de locais para o despejo em algumas áreas que fornecem um habitat artificial para os mosquitos se reproduzirem”.
Ações de base comunitária
Os médicos argentinos acreditam que a melhor defesa contra o zika são “ações de base comunitária”. Um exemplo de tais ações acontece em El Salvador.
Um dos locais favoritos para a reprodução dos mosquitos portadores da doença são contêineres de armazenamento de água parada, ou caixas d’água. Os salvadorenhos começaram a manter peixes nesses ambientes; os peixes comem a larva do mosquito. Assim, a dengue se foi juntamente com o mosquito que transmite a doença. Até agora, não há nenhum caso de infecção do vírus da zika.
Programas simples porém eficazes como esse correm o perigo de serem negligenciados no Brasil em favor de programas de pulverização de pesticidas e da soltura de mosquitos geneticamente modificados, iniciativas apoiadas por empresas. 
A prática de pulverização ainda não foi comprovada, e os mosquitos geneticamente modificados podem estar causando prejuízos muito mais graves do que os mosquitos que estão sendo visados.

Vida de um sem-terra vale R$ 140 mil, diz Justiça gaúcha.

Publicado em 10 de fevereiro de 2016. 
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Foto - Elton Brum da Silva
Quanto vale a vida de um sem-terra assassinado? Para uma Câmara do TJRS, uma ninharia.
“A morte do Elton Brum da Silva não foi considerada suficiente para encher o poço das lágrimas e do grande sofrimento dos seus familiares e companheiras/os”, escreve Jacques Alfonsin.
10 de fevereiro de 2016 15h46
A companheira, a filha e o pai do agricultor Elton Brum da Silva, assassinado pelas costas por um policial militar, durante a execução judicial de um mandado de reintegração de posse, no dia 21 de agosto de 2009, em São Gabriel, ajuizaram uma ação de indenização contra o Estado do Rio Grande do Sul, com base na responsabilidade civil deste, prevista em lei, pelas ações dos seus servidores públicos.
A sentença reconheceu o direito em causa e condenou o Estado a pagar uma indenização por dano moral sofrido por essas pessoas, no valor de R$100.000,00 para cada uma.
Para a filha, o mesmo julgado reconheceu o direito de ela receber uma pensão de um salário mínimo regional.
No dia 29 de janeiro passado, a 9ª Câmara cível do Tribunal de Justiça do RS, reformou a sentença, e o fez em reexame necessário (processo nº 70067526939), já que nem as/os familiares do Elton, nem o Estado vencido na ação, interpuseram qualquer recurso contrário à dita sentença.
Sublinhe-se isso: nem o Estado vencido recorreu da referida sentença.
Por unanimidade, mesmo assim, com parecer favorável do Ministério Público atuante naquele processo, a Câmara entendeu que o valor da indenização por dano moral deve ser fixado em “R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), para cada uma das autoras (companheira e filha do falecido), e R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para o pai da vítima, diante das particularidades do caso em concreto, especialmente à condição econômica das partes, a extensão do dano, a punição ao ofensor e a busca do caráter pedagógico da indenização.
Para o pensionamento da filha menor “fixar a quantia de um salário mínimo nacional, reduzido o percentual de 1/3, levando-se em conta que se presume que 1/3 dos rendimentos seria utilizado para a própria manutenção do falecido.”
Não faltaram argumentos de muito peso em favor dessa drástica redução, lembranças doutrinárias e acórdãos até de Tribunais sustentando  “legalmente” que, em casos tais, deve-se evitar um tal “locupletamento”, garantindo-se esse “caráter pedagógico da indenização”.
O julgado todo, se for minimamente considerada a causa pela qual o Elton foi assassinado, escandaliza, cria uma indignação mais do que justificada nos familiares do Elton e a quem quer que seja dotado de um sentimento mesmo rudimentar de justiça.
Não se lê uma palavra sequer, no acórdão da 9ª Câmara Cível, referindo, por exemplo, o fato de o país testemunhar com muita e triste frequência, decisões judiciais determinando desapossamento de terra, terminarem como aquela que acabou com a vida do Elton.
Também ali não se lê nada sobre o fato notório de a vida desse pobre jovem agricultor ter sido interrompida pelo criminoso atraso dos Poderes Públicos em efetivar a reforma agrária, a que têm direito milhões de pobres sem-terra do Brasil, desde que o latifúndio aqui se implantou matando índias/os, quilombolas, grilando terras, desrespeitando posses centenárias, comprando registros, manipulando leis, corrempendo funcionários, montando CPIS em favor de seus privilégios, manipulando a mídia, enganando o povo, cercando e humilhando gente pobre sem defesa e apoio.
Algum/a das/os nossas/os leitoras/es recorda ter havido nesses casos  o reconhecimento administrativo ou judicial do locupletamento ilícito, esse sim, dessa barbárie covarde dever indenizar os danos patrimoniais e morais que ela causou, causa e continuará causando às/aos sem-terra e ao país?
Alguém tem alguma notícia de os Tribunais brasileiros recomendarem educação “pedagógica” para dar um fim nessa injustiça historicamente repetida?
Pelo contrário, o que mais se ouve é o louvor do mérito desbravador dos bandeirantes no passado, feito à custa de milhares de Eltons, agora imitado por uma determinação judicial de que o próprio dano moral por eles/as sofridos com a morte de um parente “não exagere” na mensuração do valor dessa tragédia e, mais, isso sirva de lição para elas/es e outras/os vítimas da mesma injustiça social pela qual continuem morrendo.
Com muito raras exceções, algum/a juiz/a se atreveu a reconhecer nessas violências a cumplicidade do Estado com a covardia inspiradora dessas violências, dessas agressões à dignidade humana, desses mandados próprios dos Estados de exceção, inconstitucionais não só por ferirem a letra dos direitos sociais de gente pobre que a obriga a ocupar terra para fazê-los valer, mas principalmente pela desumanidade própria das suas execuções, uma delas responsável por esse assassinato.
A morte do Elton não foi considerada suficiente para encher o poço das lágrimas e do grande sofrimento dos seus familiares e companheiras/os.
A Nona Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendeu de direito e de justiça lhes acrescentar não só a diminuição dos valores com que a sentença mal e mal tentara compensar o que nenhum dinheiro é capaz de pagar, como ainda advertiu-os de que, assim o fazendo, contribui com a educação deles e de todas/os quantas/os brasileiras/os, na sua mesma condição reivindicatória, ousarem, no futuro, se socorrer do Judiciário para “fazer lucro” (?!) em cima da morte de um parente.
Um verdadeiro despropósito. É de se imaginar a vibração e o entusiasmo das/os inimigos das/os sem terra e da reforma agrária com esse julgamento: “Bem feito! Aí está mais um julgado, como muitos outros, forrados por doutas opiniões doutrinárias, para empoderar mais ainda o domínio crescente que temos sobre administradores públicos, leis e tribunais.”
Como outros antecedentes jurisprudenciais, com pretensão “docente” como esse, pode-se fazer uma idéia precisa das razões pelas quais as garantias devidas aos direitos humanos fundamentais sociais valem tão pouco como o valor aqui julgado justo para quem confiou no Judiciário, pretendendo ver  minimamente reparada a morte desse agricultor.
A poderosa influência das/os inimigas da reforma agrária — pretenda ou não o acórdão desse reexame necessário — vai tirar o maior proveito desse julgamento.
Vai-se locupletar ilicitamente com a reforma da sentença, baseada na circunstância de o valor da indenização devida pelo Estado, por força de um assassinato como o sofrido pelo Elton, é tão insignificante que uma Câmara de Tribunal de Justiça corta fundo os valores da indenização devida aos seus familiares e ainda justifica essa  redução pelo razão de, mantidos os  valores fixados na sentença, eles acabarem lucrando com isso.
Não se sabe se, na 9ª Câmara Cível do TJRS, alguém tinha conhecimento de que o sangue do Elton fecundou a terra de onde o mesmo Poder Judiciário determinou a sua saída, assim provocando a sua morte e provando o injusto e infeliz propósito dela.
A famosa Fazenda Southall de São Gabriel, por trágica ironia do seu destino, é hoje um assentamento de agricultoras/es com direito a reforma agrária, testemunhando não ter sido em vão a sua morte se somado a tantas/os outras/os sem-terra assassinados por defenderem esse direito.
Não serve de nenhum consolo para os familiares do Elton esse martírio, mas ele comprova, por mais uma trágica vez, quão diferentes são   as garantias devidas aos direitos humanos fundamentais sociais quando comparadas com os patrimoniais.
A rapidez com que o mandado judicial de reintegração de posse acabou por assassiná-lo, levou-o para o túmulo no dia seguinte ao da sua morte, acompanhado por multidão de sem-terras, movimentos sociais, entidades de defesa dos direitos humanos e apoiadoras/es do MST.
Já o processo crime que apura a responsabilidade do policial militar que o matou, não tem a mesma pressa. Há quase seis anos vai tramitando ao ritmo do desinteresse habitual e costumeiro com que o Poder Judiciário caminha, honrosas exceções a parte.
Daqui a pouco prescreve e o nosso chamado Estado de direito dá por cumprida mais uma das suas injustas atuações.
Como a história ensina, a esperança de esse cortejo fúnebre ter seu fim não morre no coração de quem, como Elton Brum da Silva, ressuscita em cada ocupação de terra usurpada pelo poder do latifúndio atestando ser ela mãe, fonte de vida comum, acessível a todas/os as/os suas/seus filhas/os, e não propriedade exclusiva de quem dela abusa, explora e mata  como matou o Elton.

* Jacques Távora Alfonsin é procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.
PS do Viomundo: Um conhecido jornalista costuma arrancar R$ 50 mil de indenização por danos morais em seus processos, na Justiça do Rio. Em resumo, três ações dele valem um sem-terra morto.