Tribunal Superior Eleitoral tratou do aplicativo em reunião nesta semana,
dias antes do segundo turno.
A reportagem é de Rodolfo
Borges, publicado por El País, 19-10-2018.
"Não tem como uma empresa
trabalhar com o WhatsApp sem infringir uma regra do TSE [Tribunal
Superior Eleitoral]", diz Osmar Lazarini, diretor da Agência
Trampo, especializada em marketing digital.
Lazarini, cuja
empresa participou de cinco campanhas neste ano, diz que nunca disparou uma
mensagem em massa pelo aplicativo. Segundo ele, o TSE deixava
claro que o envio de mensagens para milhares de usuários ao mesmo tempo era
proibido, mas as regras acabaram ficando tão abrangentes que liberaram o
disparo de mensagens para celulares válidos — aqueles cujos números foram
adquiridos de forma legal.
Parece ter sido essa a porta usada
por empresários apoiadores de Jair Bolsonaro para turbinar
ilegalmente a campanha digital do candidato de extrema direita, segundo uma
reportagem da Folha de S.Paulo. De acordo com o jornal, houve a
compra de pacotes massivos de mensagem anti-PT para favorecer o
candidato do PSL.
Mesmo se não for comprovado que a campanha do capitão reformado tem ligação
direta com a operação (ele disse que "não controla" os apoiadores), a
prática de apoio financeiro de empresas a postulantes na eleição é crime porque
está vedada pela lei eleitoral.
A
reportagem da Folha e seus possíveis desdobramentos, como o
eventual avanço da ação de impugnação contra Bolsonaro movida
pelo PT, acrescentam um capítulo importante na nebulosa legislação
sobre propaganda de campanha virtual aliada à falta de preparo das autoridades
para lidar com tanto com as ferramentas como com as mentiras disseminadas por
elas. Trata-se de uma problemática que já tinha colocado os holofotes sobre o
papel do duopólio dos gigantes de tecnologia Facebook (dono
do WhatsApp) e Google nas campanhas no Brasil, mas
que está longe de se restringir às disputas eleitorais locais.
Do escândalo do uso abusivo de dados
pela Cambridge Analytica via Facebook nas eleições dos EUA à
investigação da influência russa nas conversas políticas por lá, ainda não está
totalmente claro o alcance e o tamanho do impacto das plataformas, quer usadas
legal ou ilegalmente, nos sistemas democráticos. Em todo o mundo, autoridades
ainda debatem como regular as redes sociais e esbarram em questões técnicas, no
modelo de negócios praticamente monopólico das empresas envolvidas e no debate
a respeito sobre de que forma o monitoramento pode ser feito sem limitar a
liberdade de expressão. Enquanto não se descobrem soluções factíveis, os
escândalos se sucedem e a nuvem de suspeitas cresce.
Já os controladores do WhatsApp repetiam
mensagens protocolares de que a ferramenta havia reduzido a escala de
disseminação de mensagens.
Quatro
meses sem reuniões
Foi só na última terça-feira, a 12
dias do segundo turno, que o TSE se reuniu com dois
representantes do WhatsApp para discutir a utilização do
aplicativo na campanha. Um dos membros do Conselho Consultivo sobre Internet
e Eleições do TSE que participou da reunião disse ao EL PAÍS
que os dois executivos, que participaram por videoconferência, reconheceram a
gravidade dos problemas e garantiram ter banido centenas de milhares de contas
durante o primeiro turno.
A mensagem foi reforçada pela empresa nesta
quinta-feira por meio de nota após a publicação da reportagem da Folha e
está em consonância com a campanha do Facebook, que criou uma
"sala de guerra" para monitorar as eleições no Brasil e
nos Estados Unidos.
O Conselho Consultivo do TSE,
composto por representantes da Justiça eleitoral, do Governo Federal,
do Exército e da sociedade civil,
ficou quatro meses sem se reunir entre o dia 4 de junho e a semana passada — um
hiato que ocorreu durante a troca de comando do ministro Luiz Fux pela
ministra Rosa Weber na presidência da Corte. Para
esta sexta-feira, o tribunal anuncia uma entrevista coletiva junto com
representantes do Governo federal "para tratar das medidas institucionais
adotadas para responder aos questionamentos levantados no
primeiro turno das Eleições 2018".
Na última reunião do Conselho
Consultivo do TSE, o WhatsApp recebeu uma série de
sugestões para tentar evitar o risco de que seja usado para espalhar
desinformação. Entre as propostas estão reduzir de 20 para 5 o número de
reencaminhamentos de mensagem, uma medida já adotada na Índia, e diminuir de
9.999 para 499 o teto de grupos que podem
ser criados por cada usuário. Mas a mecânica das empresas que oferecem envio de
mensagens em massa não se submete a esses limites.
Em novembro de 2015, Alessandro
Santana, CEO da agência Atmosfera Publicidade, descreveu ao site Infomoney como o sistema funcionava:
"Compramos linhas de telefone comuns e disparamos através de um software.
As mensagens chegam com o nome do cliente e a taxa de aceitação é impressionante:
95% da mensagens são abertas". Procurado pela reportagem nesta quinta-feira,
Santana disse que deixou de usar o sistema logo depois de conceder a entrevista
em que era apresentado como "responsável pela criação do conceito de WhatsApp
Marketing no Brasil". "Para mim, não deu certo.
Naquela época, já tinha alguns concorrentes, mas não demos continuidade",
diz. Hoje, Santana diz não acreditar que os disparos de fato
funcionem. "Eu acho que ninguém dispara nada. Não conheço ninguém que
recebeu, acho que é mentira. Antes de o Facebook comprar o WhatsApp,
até funcionava. Começou a ter um bloqueio maior, eles têm um nível de segurança
muito forte", diz.
O fato é que o serviço de WhatsApp marketing é
fartamente anunciado por agências de propaganda na Internet.
"O WhatsApp Marketing é uma revolução no Marketing Direto
de relacionamento com o cliente final", diz o site da Bulk
Services. "Você pode enviar imagens com textos mais elaborados e até
mesmo vídeos em anexo, tendo um impacto maior na conversão em suas campanhas de
ativação. Empresas de todo porte tem (sic) usado esse canal com um retorno
positivo. É um dos aplicativos mais utilizados no Brasil e no mundo, com 120
milhões de brasileiros ativos atualmente", diz a empresa, que também
oferece "listas segmentadas" por "Sexo, Idade, Cargo, Estado,
Cidade, Bairro, Renda, Classe Social e muito mais", e acrescenta:
"Além disso, temos base tanto para pessoa física quanto para pessoa
jurídica".
Na nota divulgada nesta quinta-feira,
o WhatsApp diz que tem "tecnologia de ponta para detecção
de spam que identifica contas com comportamento anormal ou automatizado, para
que não possam ser usadas para espalhar spam ou desinformação”. O problema é
que não é possível auditar a ferramenta, na qual, segundo reportagem recente
do The New York Times baseada num estudo de uma empresa
israelense, é possível até se falsear o autor de uma mensagem enviada. "O
crime compensa".
O WhatsApp não tem ferramenta de rastreio. Não
adianta passar uma portaria para pedir a entrega de dados para saber quem
começou a passar a mensagem. O Facebook [dono do WhatsApp] não
vai entregar. Esses mecanismos precisam ser criados", diz Osmar
Lazarini, da Agência Trampo. Segundo ele, é possível comprar
pacotes para enviar 1 milhão de mensagens por valores entre 35.000 e 85.000
reais.
Dados pessoais como os números de
telefone e endereços de e-mail são captados por robôs disparados por softwares
criados para coletar informações, e sua utilização vai além do WhatsApp. Em
meio ao obscuro terreno virtual, os boatos prosperam. Lazarini ouviu
dizer que um candidato ao Senado usou um crawler, um software que
faz varreduras por informações, para se cadastrar em 800 grupos de Facebook.
“Enviamos mais de 140 propostas de marketing político digital neste ano.
Convertemos apenas cinco campanhas e, mesmo assim, parciais. Tenho receio de
que a nossa baixa conversão foi porque deixamos explícito que trabalhamos
dentro das regras do TSE”, diz o diretor da Agência Trampo.
Falta de rigidez nas regras e de meios para auditar mensagens geram
desconfiança sobre influência indevida.