quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Brasil, o País das injustiças socioambientais nas tragédias anunciadas.

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Brasil, o País das injustiças socioambientais nas tragédias anunciadas

Por que não aprendemos com o rompimento da barragem da SAMARCO/Vale/BHP Billiton em Mariana e não adotamos medidas preventivas para evitar o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho?
Por Anderson Kazuo Nakano/Jornal GGN
 Foto Sputnik Brasil
No Brasil, quando acontece alguma tragédia impactante que mobiliza todos os meios de comunicação e comove a opinião pública nacional e internacional, é comum ouvir a frase "é uma tragédia anunciada"! Uma vez ocorrida a tragédia, essa frase passa a ser repetida e propagada tanto nas denúncias quanto nas matérias e noticiários elaborados pelos profissionais do jornalismo, bem como nos comentários de especialistas convocados para dar as suas declarações que são inseridas em reportagens transmitidas pelos jornais, rádios, computadores, telefones celulares e televisões.
Isso ocorre em praticamente todos os verões, com suas temporadas de intensas pancadas de chuvas, como aquele verão fatídico de 2011 que arrasou bairros inteiros de diferentes cidades da região serrana do estado do Rio de Janeiro. Nessas temporadas, as tragédias anunciadas são os deslizamentos de terras, rochas e vegetações das encostas de morros que arrastam casas, móveis e pessoas de baixa renda levadas pela desigualdade e injustiça social a viver em áreas de risco que estão previamente mapeadas e são bastante conhecidas pelos técnicos e autoridades dos governos locais. 
As recorrências anuais daqueles deslizamentos não causam mais nenhuma surpresa nas pessoas e mostram a inexistência total de medidas, práticas e culturas preventivas que são solenemente ignoradas diante dos inegáveis riscos de perdas materiais e de vidas humanas que acabam soterradas em meio aos entulhos. Nota-se esse mesmo desprezo e ignorância em relação à prevenção também nas áreas urbanas inundáveis mapeadas e conhecidas, como as da cidade do Rio de Janeiro e de São Paulo que se encontram atualmente impactadas pelos transbordamentos de rios e córregos e pelos acúmulos de águas das chuvas ocorridas dias atrás.
As tragédias anunciadas ganham notoriedade também nos casos de incêndios que ocorrem recorrentemente nas favelas das grandes cidades, sempre com a gritante falta de informações e explicações a respeito das suas causas. No primeiro semestre de 2018, com o incêndio e desabamento do prédio Wilton Paes de Almeida que se localizava no centro de São Paulo, teve-se mais um exemplo de tragédia anunciada que quase se repetiu na chamada ocupação Prestes Maia, também localizada no centro paulistano. Se a tragédia anunciada não se repetiu nesse prédio ocupado precariamente por membros de movimentos de luta por moradia, ocorreu dias atrás no Centro de Treinamento do Flamengo no Rio de Janeiro.
Com os rompimentos recentes da barragem do Fundão da SAMARCO/Vale/BHP Billiton, em 2015, e da barragem do Córrego do Feijão da Vale, em 2019, ambas no estado de Minas Gerais, voltamos a ouvir aquela frase trágica que evidencia, no Brasil, a falta de prevenção frente a evidências e avisos prévios das tragédias anunciadas emitidos por vozes técnicas e políticas que alertam insistentemente para perigos iminentes. Não será nenhuma surpresa se a classificação como tragédia anunciada retornar, no futuro, para se referir a algum caso de desabamento de alguma ponte ou algum viaduto da cidade de São Paulo que já estão emitindo sinais claros de desgastes estruturais e de rompimento iminente detectados em avaliações técnicas registrados em laudos amplamente divulgados.
Por que não aprendemos com o rompimento da barragem da SAMARCO/Vale/BHP Billiton em Mariana e não adotamos medidas preventivas para evitar o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho?
Segundo reportagem de Fred Melo Paiva e Rodrigo Martins publicada na Revista Carta Capital, após o crime da SAMARCO/Vale/BHP Billiton, "No fim de 2015, imediatamente depois do crime da Samarco em Mariana, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais criou uma comissão para estudar e propor medidas de monitoramento da mineração no estado, o que resultou em três projetos de lei. Apenas um foi aprovado. Os outros dois tramitam a passos de tartaruga, justamente os que endurecem as regras de segurança das barragens, criam políticas públicas para proteger os atingidos pelos colapsos e vetam a construção dessas estruturas através do método de 'alteamento a montante' - o mais barato e perigoso" (Carta Capital, Ano XXIV, nº 1040, 6 de fevereiro de 2019, p. 20-21).
Ainda de acordo com a reportagem citada, em Brasília foi instalada uma Comissão Externa na Câmara dos Deputados cujos 16 membros propuseram três projetos de lei. "Um deles aumenta em até 100 vezes as multas para crimes ambientais. O outro equipara os rejeitos da mineração àqueles tratados de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Um terceiro torna obrigatório o Plano de Ação de Emergência". Segundo aqueles jornalistas, "Nenhum saiu do papel". As propostas apresentadas no Senado Federal para endurecer a Política Nacional de Segurança das Barragens tiveram as gavetas e as prateleiras como destino certo e líquido (Carta Capital, Ano XXIV, nº 1040, 6 de fevereiro de 2019, p. 22).
Aqueles fatos mostram com contundência que, no Brasil, recusamos gerir as causas das tragédias e preferimos gerir as consequências dessas tragédias. Essa inversão antiética prioriza os lucros econômicos em detrimento de vidas humanas, dos ecossistemas e das biodiversidades.
No caso do rompimento da barragem do Córrego do Feijão da Vale, a recusa em relação à gestão preventiva das causas dessa tragédia anunciada reflete o desprezo que a lógica corporativa-empresarial, dominada pela lógica globalizada das finanças, tem pelas vidas humanas e pelo meio ambiente locais. Esse desprezo contrasta com a prioridade dada aos esforços voltados para a redução dos custos de produção e para a obtenção de lucros e ganhos financeiros.
Na carta divulgada pelo Movimento Águas e Serras de Casa Branca ("Nossa Terra Sangra, Nosso Povo Chora, Nossa Luta Continua"), surgido em 2010, "na comunidade de Jangada, vizinha do complexo minerário Paraopebas e do Córrego do Feijão", mostra com clareza cristalina o desprezo pela gestão preventiva e participativa na eliminação e redução das causas de tragédias anunciadas. Esse desprezo aparece na desonestidade e na recusa da Vale em dialogar com a sociedade civil que vive nas áreas impactadas por suas atividades. Naquela carta lê-se que o Movimento Águas e Serras de Casa Branca exigiu, "na ocasião da votação da renovação da licença de operação da mina de Córrego do Feijão, que a companhia se relacionasse com a população diretamente atingida para informar suas atividades e pretensões no território e considerar a opinião dos moradores a respeito".
Aquela exigência deu origem ao "Fórum de Relacionamento com as Comunidades da Jangada/Casa Branca e Córrego do Feijão". Depois de "um ano e maio de reuniões bimestrais nas dependências da Vale S.A.", os membros do Movimento abandonaram "o espaço devido às regras e métodos definidos pela empresa, à omissão e à manipulação de informações". Segundo a carta, os membros daquele Movimento não podiam "fotografar, filmar e (...) ter acesso às apresentações ali realizadas pelo corpo técnico da mineradora. Além disso, as atas não refletiam tudo o que havia sido debatido". Os membros do Movimento Águas e Serras de Casa Branca chegaram a levar, sem sucesso, suas denúncias para assembleias anuais de acionistas da Vale realizadas no Rio de Janeiro.
Além de "enrolar" os membros da sociedade civil organizada preocupados com sua segurança e com o futuro dos seus territórios, a Vale também atua junto a diferentes órgãos e instâncias governamentais a fim de evitar a adoção de medidas preventivas capazes de evitar as causas de tragédias anunciadas provocadas por suas atividades, visando obter vantagens indevidas. É de conhecimento público o trânsito de pessoas entre cargos de direção na Vale e em órgãos governamentais responsáveis pela regulação das atividades da mineração. Essas pessoas atuam e influenciam a elaboração, instituição e implementação das normas que regulam as atividades da mineração no país, bem como os aparatos e procedimentos de fiscalização na aplicação dessas normas. Além da "porta giratória" entre a Vale e diferentes instâncias governamentais, há lobbies constantes em favor dos interesses privados dessa empresa.
Ainda em relação ao mesmo crime presente no rompimento da barragem do Córrego do Feijão da Vale, a preferência pela gestão das consequências dessa tragédia anunciada (em detrimento da prevenção das suas causas), além de refletir aquele desprezo pelas vidas humanas e pelo meio ambiente mencionado no parágrafo anterior, reflete também a injustiça presente na disseminação dos riscos e perigos gerados pela busca gananciosa por lucros e ganhos financeiros destinados aos executivos e acionistas da Vale. Trata-se de uma injustiça porque, após a ocorrência da tragédia anunciada, as vítimas acabam lidando individualmente com boa parte das consequências, muitas vezes por conta própria, com o auxílio inexistente e insuficiente tanto da Vale quanto do poder público.
A preferência pela gestão emergencial das consequências da tragédia anunciada reflete também a certeza de impunidade dos responsáveis da Vale e do governo por aquela tragédia, bem como a garantia de redução e minimização das perdas e prejuízos provocados pelo pagamento de multas, indenizações e pela realização de ações compensatórias relativas às consequências dessa tragédia.
As "Observações Preliminares da Missão da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale em Brumadinho", realizada entre 29 de janeiro e 5 de fevereiro de 2019, mostram a veracidade dessas afirmações. Essa Articulação reúne, desde 2009, grupos do "Brasil, Argentina, Chile, Peru, Canadá, Moçambique, com o objetivo central de contribuir no fortalecimento das comunidades em rede, promovendo estratégias de enfrentamento aos danos ambientais e às violações de direitos humanos relacionados à indústria extrativa da mineração, sobretudo decorrentes da atuação da Vale em diversos Estados do Brasil e em outras partes do mundo". O Movimento Águas e Serras de Casa Branca mencionado antes participa daquela Articulação.
Após a ocorrência da tragédia anunciada, aquelas "Observações Preliminares da Missão da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale em Brumadinho" denunciam o controle e manipulação da Vale sobre as informações, os canais de informações, os postos de atendimento, os movimentos sociais, as associações comunitárias, os meios de comunicação, equipes de atendimento de órgãos públicos, voluntários, demandas sociais, dentre outros elementos. Denunciam também a desassistência por parte da Vale em relação às condições de alojamento e de moradia das vítimas atingidas pela tragédia anunciada, bem como a falta de transparência em relação a planos emergenciais e laudos técnicos. As Observações Preliminares também levantam suspeição em relação às doações em dinheiro para as famílias. Essas doações foram feitas pela Vale mediante assinatura de um suspeito termo de doação que não foi disponibilizado publicamente.
Essas denúncias e suspeições dão motivos para preocupações e suspeitas em relação às responsabilizações criminais que devem recair com a carga devida sobre a Vale e autoridades públicas culpadas pelos crimes envolvidos na tragédia anunciada. Tais preocupações e suspeitas se estendem para possíveis injustiças socioambientais no pagamento de multas, indenizações e realização de ações compensatórias. Essas suspeitas não são nem um pouco infundadas se pensarmos na maneira como foram tratadas as consequências socioambientais do rompimento recente da barragem do Fundão da SAMARCO/Vale/BHP Billiton.
Um país de tragédias anunciadas não é somente o país que despreza e ignora a prevenção. É também o país que não aprende com as tragédias ocorridas ao longo de sua história e, por isso mesmo, é um país que está condenado a repetir eternamente tais tragédias. Isso vale também para as tragédias eleitorais.
[1] Professor do Instituto das Cidades da Universidade Federal de São Paulo (IC-Unifesp).


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

VITÓRIA DO MEARIM - Ação do MPMA leva a suspensão de obra irregular em ferrovia.


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Atendendo a pedido da Promotoria de Justiça de Vitória do Mearim, feito em 5 de dezembro de 2018, a Justiça determinou, em 13 de fevereiro, a imediata suspensão da construção de um muro às margens da Estrada de Ferro Carajás, que está sendo erguido pela Vale S.A. 

Em caso de descumprimento da liminar, a empresa estará sujeita ao pagamento de multa diária de R$ 5 mil.

Em setembro do ano passado o Ministério Público do Maranhão tomou conhecimento da construção de um muro, em volta da duplicação da Estrada de Ferro Carajás, entre os quilômetros 158 e 162 da ferrovia. A obra estaria causando uma série de transtornos às comunidades locais, em especial dos povoados Caçoada e Acoque.

Com o muro, os moradores ficaram sem poder transitar de um lado para o outro da estrada de ferro, prejudicando o acesso a serviços como fornecimento de água e educação, além do cultivo agrícola e a atividades de pecuária.

Questionada, a Vale S.A. forneceu as licenças necessárias para a realização da duplicação da estrada de ferro, mas não relativos à construção do muro entre os quilômetros 158 e 162. Também não foram fornecidos documentos acerca dos laudos ambientais estaduais e federais, estudos sociais e ambientais a serem realizados antes da construção. Além disso, a obra fere a legislação municipal pois não tem Alvará de Construção nem Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV).

Em outubro do ano passado, a Promotoria encaminhou uma Recomendação à Prefeitura de Vitória do Mearim, para que a obra fosse embargada. “Infelizmente, em que pese a obra ter sido embargada pelo Município, chegou ao conhecimento desta Promotoria que a referida obra não foi paralisada até a presente data”, observa a promotora de justiça Karina Freitas Chaves, autora da ação.

Redação: Rodrigo Freitas (CCOM-MPMA)

Ford fecha fábrica em São Bernardo dos Campos. Cadê a mídia otimista?


Por Altamiro Borges

A multinacional estadunidense Ford anunciou nesta terça-feira (19) que fechará a sua fábrica em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. A abrupta decisão faz parte do projeto da empresa de encerrar a produção de caminhões nas unidades instaladas na América do Sul. 

A previsão é de que até o final do ano a "reestruturação" resultará na demissão de 2,7 mil metalúrgicos  além do corte nos empregos indiretos das firmas que fornecem peças e prestam serviços. Com certeza, a mídia burguesa  nutrida com milhões em publicidade  tentará abrandar o impacto do fechamento da fábrica. Até porque seus colunistas de aluguel vinham jurando que a economia, sob o comando do rentista Paulo Guedes com o seu plano ultraliberal e entreguista, já estava em plena retomada. Baita recuperação!

Recentemente, outra multinacional ianque, a GM, também ameaçou abandonar a produção no Brasil. Há vários fatores que explicam essa possível fuga, como a prolongada crise da economia capitalista no mundo, o aparente esgotamento do modelo de negócios das montadoras de veículos e  na hipótese mais sacana  a tentativa de chantagear o frágil governo de Jair Bolsonaro, obtendo vantagens como o corte de direitos dos trabalhadores e outros subsídios. 

No comunicado lacônico divulgado à imprensa, a empresa apenas disse que o fechamento da unidade visa recompor a lucratividade, "com um modelo de negócios ágil, compacto e eficiente, fortalecendo a sua oferta de produtos e parcerias globais. A Ford prevê o impacto de aproximadamente US$ 460 milhões em despesas não recorrentes como consequência dessa ação".

Para se contrapor à multinacional, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista está em plena mobilização. Conforme relata o jornalista Vitor Nuzzi, da Rede Brasil Atual, "com a notícia do fechamento, os trabalhadores na Ford decidiram não voltar à fábrica amanhã (20), nem na quinta-feira... O presidente do sindicato, Wagner Santana, o Wagnão, conta que a reunião com a direção da empresa não foi propriamente uma negociação, mas um comunicado. 'Não houve nem um processo de conversa. Foi lacônico', descreveu. Segundo ele, a direção da Ford informou que dali a 40 minutos comunicaria a imprensa sobre sua decisão, surpreendendo os representantes dos trabalhadores". 

Ainda segundo a reportagem, os trabalhadores também avaliam que "a montadora pode estar tentando 'chantagear' os metalúrgicos, anunciando o fechamento para conseguir uma maior flexibilização de direitos. Vários lembraram do ocorrido recentemente na General Motors em São José dos Campos, interior paulista, onde um acordo foi aprovado em troca de garantia de investimentos naquela fábrica. 'Se for vantagem, não vai funcionar', diz Wagnão. 'Também há limites para as condições às quais temos de nos submeter no trabalho. 

Estamos abertos à negociação. Vamos insistir na reversão dessa decisão', afirma o dirigente. Ele também pretende conversar com representantes dos governos. 'Vamos buscar todas as instâncias. Não temos preconceito. Para nós, os trabalhadores estão acima dos interesses políticos'".

Citando cálculos da Anfavea, a associação nacional dos fabricantes de veículos, Wagnão lembra que a decisão do fechamento da fábrica pode atingir até 27 mil pessoas, considerando, além da Ford, toda a cadeia produtiva. "O anúncio acontece exatamente 100 anos depois que a diretoria da Ford Motor Company, nos EUA, aprovou a criação de uma filial brasileira. Foi a primeira fabricante de automóveis instalada no país. Em 1967, a montadora produziu seu primeiro veículo brasileiro, o Galaxie. Naquele mesmo ano, a Ford assumiu o controle da Willys-Overland e passou a operar na unidade do bairro do Taboão, em São Bernardo, que produz o modelo Fiesta, além de caminhões. A empresa também tem unidades em Camaçari (BA), onde é fabricado o Ka, e em Taubaté (SP), que produz motores".

sábado, 16 de fevereiro de 2019

Salvador-BA. Chacina do Cabula: PGR recorre de decisão que negou federalização do caso.


Raquel Dodge diz que indeferimento do pedido viola garantia do cumprimento de tratados internacionais de direitos humanos.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recorreu, nesta sexta-feira (15), da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que negou a federalização das investigações do caso conhecido como Chacina do Cabula. O episódio foi resultado de operação conduzida por nove policiais militares, divididos em três guarnições, que acabou com o saldo de 12 pessoas mortas e seis gravemente feridas. Todas as vítimas com idade entre 15 e 28 anos. O recurso foi no Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) 10, ajuizado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em junho de 2016, após a Justiça Estadual ter absolvido sumariamente vários policiais militares acusados de envolvimento na chacina. 

Raquel Dodge afirma que o STJ reconheceu a gravíssima violação de direitos humanos e o risco de responsabilização internacional para o Brasil se o caso não for devidamente investigado. Apesar disso, o tribunal entendeu que os fatores que demonstravam a incapacidade das autoridades estaduais em dar resposta efetiva e isenta ao ocorrido foram reduzidos com a anulação da sentença estadual de absolvição, quando já em curso o IDC. No entanto, para a PGR, o fato não é suficiente para afastar o risco de inefetividade do trabalho apuratório/julgador no âmbito estadual.

Na opinião de Raquel Dodge, a chacina do Cabula preenche os requisitos constitucionais e jurisprudenciais para se recomendar e para que seja autorizado o deslocamento de competência, tal como requerido na peça inicial, mesmo após a anulação da sentença absolutória. Ela aponta que a investigação dos fatos foi conduzida com indícios reais de parcialidade, cita declarações das autoridades estaduais, à época da chacina, e divergências entre o Ministério Público do Estado da Bahia e a Polícia Civil. 

Diante dos fatos, a PGR entende que negar o pedido de federalização da investigação do caso “viola o próprio preceito constitucional, que prevê o instituto como garantidor do cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos”. Segundo ela, o indeferimento da federalização mantém o contexto de grave violação dos direitos humanos, devido à falta de isenção necessária para que seja feita investigação séria e comprometida dos fatos. A procuradora-geral destaca que o pedido inicial de deslocamento de competência fez demonstração minuciosa dos acontecimentos, que sujeitam o Brasil à possibilidade de responsabilização internacional. 

Além disso, há elevado risco de inefetividade do aparato estadual para a apuração do ocorrido. “É importante revisitar os fundamentos fáticos que embasam o presente incidente de deslocamento, a comprovar, ao final, que falta ao Estado da Bahia a isenção necessária para dar continuidade ao processo”, sustenta. De acordo com Raquel Dodge, a investigação policial seguiu o entendimento de que a atuação da PM seria resposta à injusta agressão sofrida pelos policiais, antes da ação, e que não houve espaço para outra atitude que não a do confronto e do exercício da legítima defesa. “Desenhou-se desde o início das apurações, quadro que deu bastante destaque aos supostos antecedentes criminais das vítimas – inexistentes, como depois confirmado – e à periculosidade da região, reconhecidamente zona de consumo e tráfico de drogas”, pontua Raquel Dodge. 

Repercussão geral – A admissibilidade do recurso será analisada pelo STJ que, se entender cabível, o encaminhará para o Supremo Tribunal Federal (STF) para julgamento de mérito. No recurso, a PGR apresenta preliminar de repercussão geral a ser analisada pelo STF. “O tema é especialmente sensível por envolver a normatização protetiva de direitos humanos nacional e internacional, com possíveis reflexos sobre a distribuição constitucional de competências”, salienta a PGR.


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terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Mineração: reflexão necessária.

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                                  Mineração: reflexão necessária 

Não é mais possível admitir o rompimento de barragens de rejeitos em Minas Gerais. Duas grandes catástrofes já fazem parte da tragédia nacional e se tornaram os maiores crimes ambientais da história do Estado, do país e até do mundo. Nesses dois crimes registramos centenas de mortes e incalculáveis prejuízos sociais, econômicos e ambientais. Além do trauma que nunca será superado, temos a aniquilação de córregos, rios e de toda uma cadeia que se estruturava à sua volta, que vai desde a vida humana, fauna e flora, o abastecimento de água, atividades econômicas como a pesca, pequenas lavouras, turismo, patrimônio histórico e a própria atividade mineradora. Os prejuízos não caberiam em nenhum relatório, pois são incomensuráveis e incalculáveis, em todos os víeis: social, econômico, ambiental, humano e cultural. 
 
A mineração representa a principal atividade econômica do Estado de Minas Gerais. A AMIG – Associação dos Municípios Mineradores do Estado de Minas Gerais vem cobrando, há vários anos, um novo modelo de exercício da atividade mineradora que leve em conta a sustentabilidade, a segurança e o futuro econômico dessa atividade que é finita. Esse é o grande desafio que assola a maior parte das cidades mineradas de nosso Estado. A quase totalidade desses municípios se tornaram dependentes da extração minerária e muitos não sobreviveriam sem a arrecadação tributária advinda da mineração. 
 
Não podemos mais aceitar que o interesse econômico das mineradoras se sobreponha a segurança da população e a efetiva viabilidade ambiental exigida em qualquer empreendimento dessa natureza. É inadmissível que órgãos ambientais licenciem empreendimentos e renovem licenças considerando métodos ultrapassados e obsoletos, proibidos em outros países, a exemplo do método de alteamento de barragens de contenção de rejeitos à montante. A permanência de barragens à montante já deveria, desde o crime de Mariana, em 2015, ser completamente extinta em todo território nacional, dando destino sustentável e social para todo o seu rejeito. 
 
É necessário o imediato aperfeiçoamento da Legislação, aliada a uma fiscalização rígida e isenta, com estrutura técnica e acompanhamento efetivo in loco. O sucateamento do DNPM - Departamento Nacional de Produção Minerária - ao longo de décadas culmina hoje em uma Agência Nacional de Mineração, carente de estrutura técnica, física e de recursos humanos, incapaz de fiscalizar, promover e assegurar que a mineração seja exercida no interesse nacional, como determina a artigo 176 da Constituição Federal. 
A reincidência de um crime ambiental e humano ocorrido na mina da Vale, no município de Brumadinho, merece profunda reflexão acerca da atividade minerária que queremos para Minas Gerais e o Brasil. 
  
José Fernando Aparecido de Oliveira é prefeito de Conceição do Mato Dentro, presidente da Associação das Cidades Históricas e Diretor-Jurídico da AMIG.

 

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Governo Bolsonaro quer trazer de volta os manicômios no Brasil.

Nota técnica é alvo de críticas por abrir precedentes para o retorno de uma lógica manicomial que privilegia a internação e abstinência, enquanto coloca em segundo plano política de redução de danos.

Cena do filme Bicho de Sete Cabeças que mostra a violência de hospitais psiquiátricos | Foto: reprodução.
O Ministério da Saúde divulgou uma nota técnica nesta quarta-feira (6/2) propondo novas diretrizes de políticas nacionais de saúde mental e de drogas. As mudanças provocaram alvoroço em especialistas na área e, especialmente, em que trabalha na ponta, com o usuário desse tipo de serviço. O texto de 32 páginas ataca diretamente demandas da luta antimanicomial, que existe no Brasil há mais de 30 anos, e que começou para combater as violações de direitos humanos nos hospitais psiquiátricos denunciadas após os anos 1970. Além disso, adota um discurso que reforça a guerra às drogas e, consequentemente, a criminalização do usuário de drogas, bastante amparada pelo racismo estrutural.
Em linhas gerais, a nota abre diversos precedentes para o retorno de terapêuticas usadas amplamente no passado como a convulsoterapia [o uso terapêutico de choques em casos extremos, onde o paciente não atende a comandos de maneira consciente] – com um verniz de modernidade – bem como aponta a abstinência como melhor tratamento do que a redução de danos para o caso de dependentes químicos. Além disso, estimula a relação dos chamados CAPS (Centros de Atenção Psicossocial, que recebe pessoas em situação de vulnerabilidade para atendimento médico e psicológico, o inclui usuários de drogas, moradores de rua, etc), que trabalham com a lógica da redução de danos, com hospitais psiquiátricos e o fortalecimento das comunidades terapêuticas.
A redução de danos trabalha com a lógica de dar possibilidade de autoconhecimento ao dependente químico, que retoma a dignidade, podendo controlar sua própria vida para ter uma relação mais saudável com a droga. Ou seja, o foco é o usuário e não a droga. É uma abordagem mais ampla e humanizada que, em alguns casos pode incluir e passar pela internação, mas não ter isso como meio principal. Na redução de danos, o usuário não tem uma postura passiva como em um caso de internação e medicalização. Ele é também ator da própria recuperação.
Para a psicóloga Rita Almeida, que trabalha na rede de saúde mental do SUS (Sistema Único de Saúde) desde 1995 e é conselheira do CRP-MG (Conselho Regional de Psicologia) em Juiz de Fora, a suposta relação harmônica entre essas lógicas é uma falácia. “O que ficou óbvio na nota é o que a gente chama de mudança de lógica. E ela é um gatilho desencadeador de tudo aquilo que a gente vem tentando desconstruir ao longo dos anos. Quando a nota diz que é possível que o hospital psiquiátrico, os CAPS, a comunidade terapêutica convivam harmonicamente, ela diz o seguinte: a lógica manicomial vai voltar. Porque a gente sabe que na queda de braço de uma lógica que exclui, que prende, que é centrada na abstinência, para outra que trabalha com a redução de danos, que lida com as diferenças de forma mais democrática, quem vai ganhar? Ainda mais no Brasil de hoje, nesse atual momento. Qual o modo de eu lidar com aquilo que me incomoda? Eu prendo. É a mesma logica do cárcere. Eu isolo, eu faço aquilo ficar do jeito que eu quero, eu formato, essa é a lógica prevalente”, explica.
O filme “Bicho de Sete Cabeças”, de Laís Bodanzky, de 2001, mostra com exatidão o risco dos hospitais psiquiátricos e o uso como terapia antidrogas. No filme, o personagem Neto, vivido pelo ator Rodrigo Santoro, é flagrado com um cigarro de maconha e mandado pelos pais para um manicômio, onde passa por uma série de violações: toma choques elétricos, medicações fortíssimas e é obrigada a conviver como em uma prisão com outras pessoas que têm doenças mentais das mais diversas. O final do filme, sem querer dar spoiler (contar o que será visto), é com um jovem com a condição psicológica devastada e que, aí sim, adquire doenças psiquiátricas. A história é baseada em fatos reais, narrando história contada no livro “Canto dos Malditos”, de Austregésilo Carrano Bueno, no qual relata sua experiência nos hospitais psiquiátricos nos quais foi tratado por usar maconha e medicamentos de uso restrito.
Rita demonstra especial preocupação com o conceito amplamente defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) desde a campanha e depois, durante o discurso de posse, de acabar com as ideologias. “O novo governo trabalha com essa ideia que a gente precisa desideologizar a politica, ou seja, que a politica ideológica seria nociva. E a luta antimanicomial é uma das apontadas como sendo ideológica. Só que não existe nenhuma política que não seja ideológica. A questão é a quem ela serve: se é uma ideologia que serve a quem está no poder, no caso os ditos normais, quando se discute a luta antimanicomial, ou se ela é uma ideologia que serve à diferença, à loucura, às minorias, aos oprimido, aos massacrados. Aos que estão oprimidos naquela mesma política dos ditos. E essa política antimanicomial, obviamente, se sustenta a partir da perspectiva do  louco, da loucura, da diferença, daqueles que viveram aprisionados e que passaram toda uma vida torturados. A gente sabe bem o que foi a história do manicômio no Brasil”, explica a psicóloga, que é cuidadosa ao dizer que são suposições, já que não é possível mensurar o real impacto.
No livro “O holocausto brasileiro”, Daniela Arbex retrata um pouco dos horrores sofridos pelos passageiros do “trem de doido” que eram mandados para Barbacena, em Minas Gerais, e, em muitos casos, nunca mais voltavam para o convívio social: ou porque terminavam de enlouquecer ou porque eram exterminados após sessões de tortura.
A outra questão bastante sensível contida na nota é um possível estímulo ao crescimento das comunidades terapêuticas como principal forma de tratamento contra a adicção. Em junho do ano passado, o Conselho Federal de Psicologia divulgou um relatório sobre as violações encontradas em inspeções nessas comunidades, em sua maioria ligadas a instituições religiosas. Vinte e oito estabelecimentos das cinco regiões do Brasil foram vistoriados em outubro de 2017 em ação conjunta do MPF (Ministério Público Federal), do Conselho Federal de Psicologia e do MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura) e entre as violações identificadas estão: privação de liberdade, trabalhos forçados e internação de adolescentes e castigos físicos.
Segundo Rita Almeida, é justamente essa construção da lógica hospitalar, centrada na figura do médico e na medicalização, além dos pactos do governo Bolsonaro com grupos religiosos, principalmente neopentecostais, que criam um terreno bastante favorável para que a internação e a lógica da abstinência passem a ser justificativas para uma cura. “Sem medo de errar, cerca de 90% ou mais das comunidades terapêuticas estão vinculadas a entidades religiosas e estão centradas na abstinência e salvação. Nada mais ideológico que isso: imaginar que Jesus será o grande salvador. Todo esse processo abre precedente isolamento, castigo físico, cerceamento de liberdade”.
Sobre o uso da palavra “convulsoterapia” na nota, Rita prefere, mais uma vez, focar na discussão central, que, para ela, é o conceito de tudo isso. “Não é a terapêutica em si [uso de choques, anestesia], mas quando eu abro o precedente para que aquilo faça parte de uma lógica de política publica, eu abro a possibilidade para que seja usado de novo e como era usado antigamente. Quando se dava choque nos anos 1970, a lógica que se usava era a terapêutica. Ninguém dava choque para torturar, dizia que era terapia. Mas a gente sabe que diante de uma lógica de aprisionamento, de exclusão, o choque pode passar a ser usado como medida punitiva”, analisa a psicóloga com ampla experiência no trabalho de redução de danos.
Para Nathalia Oliveira, integrante da Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas, coordenadora da Iniciativa Negra por Uma Nova Política de Drogas  e preside o COMUDA -SP (Conselho Municipal de Política de Álcool e Drogas de São Paulo), o texto técnico se baseia em uma nota do Conad (Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas) do ano passado, que apontava na direção da abstinência.
“Esse objetivo da abstinência não é possível porque não existe uma sociedade que não faça uso de drogas. Até porque, às vezes, o uso abusivo de drogas está relacionado a outros transtornos de fundo. É tipo enxugar gelo, porque você gasta dinheiro para deixar pessoas abstinentes, só que esquece que outras pessoas vão fazer uso. É preciso admitir que existe um comportamento na sociedade. As pessoas vão fazer uso de drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas. Qual é a abstinência que estamos falando? Um mundo sem álcool, por exemplo?”, afirma.
Outro ponto bastante problemático é a questão da guerra às drogas. “Eles se colocam contrários à legalização das drogas, o que é uma corrente de contramão ao que o mundo está fazendo. Vários países estão legalizando a cannabis para uso da indústria, medicinal ou recreativo. Então, de novo, de que droga estamos falando? Tem drogas totalmente liberadas no país”, explica Nathália, que reforça a necessidade de trabalhar na redução de danos.
“[A forma colocada na nota] Realmente bane uma lógica de redução de danos, porque você esta colocando uma exigência ao usuário que é muito difícil que é a abstinência. É um tratamento de alta exigência para pessoas que estão com problemas complexos relacionado a droga. Além do mais, a abstinência não garante que ela não vá ter outros transtornos de ordem mental”, afirma.
Para Nathália Oliveira, é preciso entender o que está além da nota técnica, que é uma visão de mundo a partir do novo governo. “O pacote anticrimes do Moro, por exemplo, é uma lógica que está errada. Ele fala em combate ao crime organizado focando no criminoso. E aí quando se fala em droga, você quer combater o usuário, o pequeno criminoso e pequeno usuário, que se confundem na cena de uso. Isso tudo só segue a lógica da segregação no Brasil, da pobreza e do racismo estrutural”, finaliza.
Link. https://ponte.org/governo-bolsonaro-quer-de-volta-os-manicomios-no-brasil/

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Suicídio de policiais em SP aumenta 73% de 2017 para 2018, segundo Ouvidoria.


Relatório mostra que 71 profissionais se mataram nos últimos dois anos; voluntária de rede de prevenção do suicídio alerta: ‘há um ser humano dentro da farda’. PM's acompanham enterro de um colega em São Paulo, no ano passado | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo.


Quatro policiais se mataram por mês em São Paulo no ano passado. Dados do relatório da Ouvidoria das Polícias do estado mostram que houve 71 casos de suicídio em dois anos. Mais grave: houve crescimento de 73% nas ocorrências, com 20 ocorrências ao longo de 2017 e 51 registros em 2018.

As mortes englobam casos das polícias Civil e Militar. O levantamento, baseado em dados das corregedorias das corporações, aponta que 10 policiais civis se mataram em 2017, mesmo número de ocorrências no ano seguinte, totalizando 20 mortos. Enquanto isso, a quantidade de PMs que cometeram suicídio mais do que dobrou nesse intervalo, saltando de 16 para 35, totalizando 51 vítimas.

Os suicídios somados em 2017 com 2018 superam os homicídios de policiais civis, com 14 no período, apenas 30% menos do que os 20 suicídios nesse intervalo. Quanto aos PMs, 41 integrantes da corporação morreram assassinados somente em 2018, seis casos a mais do que as 35 vítimas de suicídio.

A quantidade de ocorrências preocupa o ouvidor das polícias de São Paulo, Benedito Mariano. “É muito alto o índice de suicídio na polícia de São Paulo. A Ouvidoria entende que a questão deve ser encarada como prioridade na SSP (Secretaria da Segurança Pública e no Comando das polícias”, diz o profissional.

Responsável pelo levantamento, Mariano apresentou ao secretário da pasta, o general João Camilo Pires de Campos, uma proposta para criar grupo voltado ao atendimento de policiais. Segundo o ouvidor, o atendimento deve ser feito por profissionais fora das polícias, o que possibilitaria identificar os motivos que levaram aos agentes de segurança a cometerem suicídio. Conhecidos os gatilhos, a ação seguinte é criar uma política de prevenção.

“Possivelmente não é uma única motivação. E evidente que precisa ter uma análise urgente. É bom que se diga que esse aumento na PM, a maioria não foi em serviço, foi na folga ou na reserva (aposentados). Pelo meu conhecimento, é o maior número na história da Polícia Militar de SP. Já a Civil, nunca tivemos dados no últimos anos de 10 policiais que se mataram em um ano”, diz, detalhando que a maior parte dos PMs é de baixa patente, os chamados praças (cabo, soldado, sargentos e sub-tenentes) – as demais patentes (tenentes, capitães, majores e coronéis) se enquadram como oficiais.

Mariano afirma que “sentiu na reunião com o general João Camilo que ele ficou muito preocupado com esta questão do suicídio, disse que vai reunir as polícias e discutirá para colocar como prioridade a questão”. O ouvidor sustenta que o acompanhamento feito atualmente na PM é insuficiente e na Civil não há suporte.

Questionada pela Ponte sobre o número de suicídios de policiais, a SSP rebateu o comandante da Ouvidoria. Segundo a pasta, há sim auxílio específico para casos de problemas psicológicos e detalha quais ações são feitas em caso de integrantes com diagnósticos.

“O Sistema de Saúde Mental da PM disponibiliza aos policiais serviços de atendimentos psicossociais realizados por psicólogos e assistentes sociais do CAPS (Centro de Atenção Psicológica e Social), sediado na Capital, bem como nas unidades policiais que possuem NAPS (Núcleos de Atenção Psicossocial). Já a Polícia Civil possui uma Divisão de Prevenção e Apoio Assistencial, onde psicólogos e assistentes sociais ficam disponíveis para atendimento. Os casos de suspeita de problemas psiquiátricos/psicológicos são encaminhados ao DPME (Departamento de Perícias Médicas do Estado) para avaliação”, explica a SSP.

‘Tese de super-humano aumenta fragilidade’
Quem trabalha na prevenção de suicídio explica que diversos fatores influenciam na decisão da pessoa em se matar. Contudo, não é uma ação que acontece da noite para o dia, há um acúmulo de situações dentro da pessoa que dispara o gatilho.

“Caso ela não dimensione e não trabalhe essas turbulências, dores e angústias, elas vão se avolumando dentro dela”, explica Elaine Macedo, voluntária do CVV* (Centro de Valorização da Vida). “Há um tipo de caso que é o contágio: a pessoa não está bem, ela vai para um ambiente que afeta ou, então, tem pessoas que não estão bem, isso influencia. Se uma pessoa cogita esta prática e outra pessoa morre por suicídio, isso alimenta a dor e o sofrimento”, complementa.

A profissional explica que fatores externos, como ambientes tóxicos, crises na sociedade e até mesmo bullying têm poder de influenciar a pessoa a cometer suicídio. Quanto aos profissionais da segurança, ela exemplifica casos extremos, como o rompimento da barragem em Brumadinho, em Minas Gerais, as enchentes no Rio de Janeiro e ataques recorrentes de facções criminosas no Ceará.

“O militar está nas três situações: age em brumadinho no socorro das vítimas, atua no Rio com o desastre e está em Fortaleza nas regiões com confronto. Existe a pessoa militar e existe a pessoa por trás da farda”, aponta Elaine. “Fora daquele papel tem um ser humano com fragilidades, angústias e dores. Por muitas vezes, a sociedade espera que ele seja um super-humano forte o tempo todo. Quanto mais se exige dessa pessoa ter autossuficiência, mais as fragilidades a atingem”, emenda.

A solução para o problema, segundo a voluntária, é justamente fazer um acompanhamento psicológico e terapêutico adequado. Fortalecer vínculos, como os familiares, de amizade dentro e fora do trabalho, são outros pontos positivos. “Às vezes, os fatos nos contam que uma brincadeiras hostil, ambientes competitivos, são grandes impulsos para fomentar as dores da pessoa e gerar desequilíbrio. Se não há acompanhamento e cuidado emocional, psicológico, as coisas vão se avolumando”, justifica.

*O atendimento do CVV é gratuito pelo telefone 188 e também on-line pelo portal do CVV.