sexta-feira, 22 de julho de 2011

Para entender o silêncio de Dilma

Dilma Rousseff completa 200 dias no Planalto envolta no mesmo silêncio que caracterizou seu governo até agora. Nenhum pronunciamento contundente, nenhuma entrevista franca, nenhuma frase de efeito para marcar a data.
Tal qual aconteceu nos 100 dias, ou mesmo nas viagens e crises deste início de mandato, a presidenta faz das suas poucas palavras, em solenidades e aparições públicas, um não-evento.
Como não está afônica, o silêncio de Dilma poderia ser timidez, mas isso a campanha eleitoral do ano passado já desmentiu. Também poderia ser simplesmente por ela não gostar de falar, mas quem já foi recebido em audiência sabe que Dilma valoriza a dialética e adora um bom debate. Também não existe a possibilidade, dada à natureza do cargo, de que tamanho resguardo seria por não ter o que dizer.

Fica evidente, portanto, que a presidenta não deseja tornar públicos seus pensamentos. Dilma pouco fala porque a sinceridade, agora, não ajudaria no bom andamento dos trabalhos. Ao contrário de seus dois antecessores imediatos, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, cuja eloqüência pública ajudava-os a minimizar crises, Dilma resta em silêncio para não alimentá-las.

Seu maior foco de problemas é a relação com o Congresso. Premida pela necessidade de um esforço fiscal para evitar a disparada da inflação, a presidenta cortou o orçamento onde dava para cortar. Por crença e por coerência política, ela não iria, nem irá, reduzir o tamanho do Estado, privatizando e promovendo uma reforma administrativa. Por imposição do calendário, ela não tem como cortar recursos para as obras da Copa do Mundo de 2014 e nem é razoável sucatear ainda mais a infra-estrutura de um país ainda carente de obras que mal saíram do papel. Politicamente, o governo já aumentou os impostos possíveis, como o IOF sobre gastos em dólar no cartão de crédito.

Restou a Dilma abrandar o aumento real do salário mínimo, o que contrariou o populismo da base governista. E também segurar a bilionária verba das emendas parlamentares, abrindo o flanco para as mais explícitas chantagens políticas desde as concessões do governo José Sarney para obter o quinto ano de mandato na Constituinte de 1988.

Logo após a vitória na eleição, ela anunciou em conversas com os políticos que preservaria a coalizão e aceitaria indicações dos partidos aos cargos do novo governo, desde que os indicados tivessem qualificação técnica e boa reputação. Os partidos foram avisados que quem não seguisse a cartilha não obteria a nomeação. E que em casos de desvio posterior, políticos e apadrinhados teriam de se explicar à Polícia Federal e à Justiça. Foram os partidos, portanto, que decidiram testar Dilma e não a presidenta que quis se impor a eles.

Em duas ocasiões fundamentais, o PT reacendeu a chama das disputas internas e reivindicou independência do Planalto (coisa que nunca fez contra Lula porque trabalhou sob Lula): a escolha do presidente da Câmara dos Deputados e a eleição do novo presidente do partido. Os líderes tradicionais do PMDB excluíram das negociações com o governo alguns colegas recém-eleitos e que Dilma gostaria de ter como interlocutores seus dentro do partido aliado.

Essa política de muito apetite e pouca renovação foi uma aposta de todos os aliados do governo, quando a presidenta tinha sinalizado para que fizessem justamente o contrário. Se Dilma não os atendeu é porque eles não souberam ouvi-la ou não quiseram acreditar na presidenta. Se ela manifestar isso publicamente, criará ainda mais problemas.

O silêncio de Dilma é forçoso também na mudança de viés econômico. Se Lula teve condições de adotar medidas clássicas de elevação dos juros e corte de despesas públicas e responsabilizar a “herança maldita”, Dilma não pode creditar o ajuste de agora a eventuais excessos da política anticíclica do governo anterior. Os fatores inflacionários não estão ligados apenas ao aquecimento da economia no ano eleitoral de 2010 e o que resta à presidenta nesse primeiro momento é usar um mal menor, como a sobrevalorização do real, para combater um mal maior, a escalada inflacionária.

Depois de uma campanha presidencial que demonizou a privatização, o silêncio é bom conselheiro para um governo que vai realizar concessões privadas para expansão dos aeroportos e que aguarda capital privado para tocar o projeto de trem-bala, além de várias parcerias público-privadas para as obras que vão preparar o Brasil para receber a Copa do Mundo em 2014.

O país precisa de todos os capitais possíveis, estatal e privado, nacional e estrangeiro, para desafogar o gargalo da infra-estrutura e melhorar a competitividade da sua economia. Diante da queda de braço que os políticos decidiram travar com o governo, mesmo algo facilmente consensual, como esse esforço coletivo para melhorar estradas, portos e aeroportos, parece se tornar objeto de chantagem política. Nessas condições, enfrentar publicamente a classe política corresponde a retardar a agenda de modernização que Dilma deseja fazer no seu governo. Ceder aos políticos, no entanto, é comprometer a força da política de combate à inflação. Esse é o impasse que silencia a presidenta.

Autor: Luciano Suassuna


quinta-feira, 21 de julho de 2011- Política 

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