Mais um fim de ano. Tempo de balanços, de reavaliar metas, de planejar o
futuro. Sobretudo, tempo de refletir sobre o que se fez e o que se
deixou de fazer no campo das comunicações.
Ao contrário do rotineiro, e para evitar a repetição do já escrito ao longo do ano, arrisco um balanço seletivo de 2011.
Sem qualquer ordem de relevância e sem pretender ser exaustivo,
registro dez pontos que, numa perspectiva histórica, podem ser
considerados como avanço no sentido da garantia democrática de que mais
vozes participem e sejam ouvidas no debate público.
Dez avanços
1.Relatório do special rapporteur para a
“promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão” do
Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, tornado público no dia 3
de junho, reconhece o acesso à internet como um direito humano (ver,
neste Observatório, “Na pauta da igreja e da ONU”).
Os últimos dados sobre a internet no Brasil indicam, segundo a agência F/Nazca, que somos 81,3 milhões de internautas (a partir de 12 anos). Para o Ibope/Nielsen,
somos 78 milhões (a partir de 16 anos – setembro/2011). De acordo com a
Fecomércio-RJ/Ipsos, o percentual de brasileiros conectados aumentou de
27% para 48%, entre 2007 e 2011 (ver aqui).
Neste contexto, um projeto de lei para definir regras sobre direitos,
deveres e princípios para o uso da internet (marco civil) foi enviado
pela Presidência da República ao Congresso Nacional em agosto (ver aqui).
2.O crescimento e fortalecimento dos movimentos
pró-criação dos conselhos estaduais de comunicação social (CCS) em
vários estados da federação (ver “Onde estamos e para onde vamos”).
A pioneira Bahia elegeu os representantes da sociedade civil para o
CCS-BA – 10 entidades do segmento empresarial e 10 do movimento social –
que tomam posse no dia 12 de dezembro, juntamente com os 7 membros
indicados pelo governo do estado.
No Rio Grande do Sul, o pleno do Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social (CDES) aprovou, no dia 1º de dezembro, a recomendação ao
governador do estado de criação do CCS-RS. Agora será formado um grupo
de trabalho composto por membros do CDES e da Casa Civil para elaborar o
projeto de lei a ser encaminhado a Assembleia Legislativa.
3.A realização do II Encontro Nacional de Blogueiros
Progressistas, em Brasília, em junho; e do I Encontro Internacional de
Blogueiros, em Foz do Iguaçu, PR, em outubro. Os dois encontros
sinalizam a consolidação da organização dos blogueiros progressistas no
Brasil e o início de uma articulação internacional.
4.A construção e divulgação da “Plataforma para um
novo Marco Regulatório das Comunicações no Brasil”, em outubro. O texto
que contem as 20 propostas prioritárias, resulta de um trabalho
histórico que convergiu na realização da I Conferência Nacional de
Comunicação (Confecom) e foi inicialmente sistematizado no seminário
“Marco Regulatório – Propostas para uma Comunicação Democrática”,
realizadopelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e
outras entidades nacionais e regionais, no Rio de Janeiro, em maio (ver aqui).
5. A continuidade das atividades quase heroicas de entidades como a Rede de Educação Cidadã (Recid) e o Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) promovendoa comunicação popular e sindical.
A Recid é uma articulação de atores sociais, entidades
e movimentos populares, vinculada à Secretaria Geral da Presidência da
República, que desenvolve um trabalho junto a grupos vulneráveis
econômica e socialmente (indígenas, negros, jovens, LGBT, mulheres e
outros), totalmente à margem da grande mídia. Um exemplo das atividades
da RECID foi a realização da IV Ciranda de Educação Popular, em maio
(ver “Direito à comunicação: o Fórum e a Ciranda”).
Já o NPC dedica-se à assessoria de comunicação – do jornal impresso à
internet, da oratória ao uso do rádio e do vídeo – e oferece, por
exemplo, cursos ligados a comunicação sindical e popular e a história
dos trabalhadores.
6.Os inúmeros observatórios de mídia, ligados ou não à Rede Nacional de Observatórios da Imprensa (Renoi),
que surgem e se consolidam em vários estados brasileiros, mobilizando
grupos de jovens voluntários que trabalham pelo direito à comunicação.
Um exemplo: o Observatório da Mídia Paraibana,
um projeto de ensino, pesquisa e extensão, criado em 2010, por
iniciativa de estudantes da Universidade Federal da Paraíba, com o
objetivo de analisar a mídia do estado.
7.O processo de consolidação da Empresa Brasil de
Comunicação (EBC) que completou o mandado de sua primeira diretoria e
inicia uma nova gestão ampliando a construção e a presença de um sistema
público de comunicação no território nacional. Registre-se a
continuidade importante de programas como o pioneiro Observatório da Imprensa na TV e o Ver TV,
janelas solitárias para a discussão da grande mídia na televisão
brasileira, comandados, respectivamente, pelos jornalistas Alberto Dines
e Lalo Leal Filho.
8.A criação da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e pelo Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom),
em abril. A Frentecom, composta por 194 parlamentares e mais de uma
centena de organizações da sociedade civil e coordenada pela deputada
Luiza Erundina (PSB-SP) e pelo deputado Emiliano José (PT-BA), tem como
objetivo acompanhar os debates sobre direito à comunicação e liberdade
de expressão no Estado brasileiro, especialmente na Comissão de Ciência e
Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados e no
Ministério das Comunicações.
9.A disponibilização do cadastro dos concessionários
de radiodifusão do Ministério das Comunicações (Dados de Outorga) cujo
acesso voltou a ser permitido, a partir de 30 de maio, em relação às entidades por localidadee aos sócios e diretores por entidade.
10.A atitude corajosa de membros do Judiciário que, na
contramão de instâncias superiores, enfrentam o poder da grande mídia
nas suas respectivas áreas de atuação. Dois exemplos ocorridos em
outubro: a entrevista do presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul(Ajuris) e a Ação Civil Pública do Ministério Público da Paraíba,
que pede suspensão de programa por exibição de cenas de estupro de
menor, cassação da concessão da TV Correio (repetidora da TV Record) e
pagamento de indenização de R$ 500 mil à menor, pelo uso indevido da
imagem, violação da privacidade e danos morais, além de danos morais à
coletividade, no valor de R$ 5 milhões.
“Finalidade sem fim”
Tomo emprestado um pouco da sabedoria e do otimismo do professor Antonio Cândido, em admirável entrevista publicada no jornal Brasil de Fato, em julho. Explicando sua opção socialista, o professor recorre a Kant, via Bernstein, e afirma:
“O socialismo é uma finalidade sem fim. Você tem que agir todos os dias
como se fosse possível chegar ao paraíso, mas você não chegará. Mas se
não fizer essa luta, você cai no inferno.”
A regulação da mídia para a democratização da comunicação parece constituir uma dessas “finalidades sem fim” em nosso país.
Feliz 2012.
***
[Venício A. Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011]
Matéria copiada: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed672_os_avancos_de_2011
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