Luis Nassif em seu Advivo
20.Nov.2012 - O produto notícia sempre explorou a escandalização como um de seus
maiores fatores de venda. Não se trata propriamente de serviço público,
mas de uma operação comercial que visa vender mais, atrair mais
leitores/espectadores e, em alguns casos, pressionar anunciantes ou
tomar partido em disputas empresariais ou políticas.
Em algumas oportunidades, o escândalo é um fator de aprimoramento
público, forçando a uma maior transparência dos poderes públicos e
privados. Mas, mesmo nesses casos, trata-se de um subproduto. O foco do
escândalo noticioso é fundamentalmente de caráter comercial.
Como um produto jornalístico, o escândalo é tratado como marketing,
da mesma forma que qualquer produto de consumo. E os ingredientes
centrais desse marketing são a ampliação de verdadeira dimensão do
escândalo, o “esquentamento” da denúncia, como se diz no jargão
jornalístico.
Em geral, tende-se a analisar a imprensa apenas como contraponto ao Estado, como representante da opinião pública.
Ora, no universo da opinião pública há um sem-número de personagens: o
Estado, os grandes interesses econômicos, os partidos políticos, os
demais poderes da República e, principalmente, o cidadão, o indivíduo,
frágil, vulnerável em relação aos poderes maiores.
É para este cidadão que deveria se voltar a olhar da Justiça. No
entanto, sua única forma de defesa, hoje em dia, são as redes sociais,
jamais o Judiciário.
Na semana retrasada, o programa Fantástico anunciou uma matéria
bombástica contra a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Falava-se em desvio de dinheiro, lançavam-se suspeitas de enriquecimento
ilícito e por aí afora.
Das redes sociais veio o alerta de que estariam cometendo um
“assassinato de reputação”. A matéria foi suspensa e transferida para
domingo passado, agora com um cuidado jornalístico maior.
E aí se entra em um dos muitos recursos de manipulação de escândalos
utilizados atemporalmente pela mídia: a confusão intencional entre
problemas administrativos e desvio de recursos. Ou o
superdimensionamento de pequenas infrações, tratadas como se fossem
grandes crimes contra a ordem pública.
De acordo com o site do Fantástico, há quatro anos a UFRJ começou a
ser investigada pelo Ministério Público Federal (MPF) – que
provavelmente encaminhou ao programa o inquérito – e pela Advocacia
Geral da União (AGU).
Tirando toda a retórica, o caso fica resumido a isto:
1. A UFRJ firmou convênio com o Banco do Brasil que, em troca
da administração das contas, pagaria uma quantia anual à instituição. De
2005 a 2009. Segundo o MPF, deveria ter havido licitação. Mas era um
banco público e uma instituição pública.
2. O dinheiro foi repassado para uma fundação e não para o
orçamento da universidade, e não foi incluído no Sistema Integrado de
Administração Financeira do Governo Federal (Siafi). Aí se tem uma
irregularidade administrativa, sim.
Mas, na própria matéria,
especialistas atestam que quase todas as universidades procedem assim,
para não cair no emaranhado burocrático da administração pública. De
dois anos para cá mudou a legislação. A matéria reconhece que o contrato
com o BB é anterior. Sem escândalo.
O contrato com o BB envolveu a quantia de R$43.520.000 em cinco anos.
Não se discute o trabalho do MPF, mas o tratamento jornalístico dado ao
episódio.
Os “escândalos” - Identificaram-se, concretamente, as seguintes irregularidades:
1. Um professor utilizou notas frias para justificar despesas (R$10.083,00).
2. Outro professor recebeu por meio de uma empresa dele a quantia de R$27 mil.
3. Contratação de uma empresa para fornecer agendas para a UFRJ (R$27 mil).
4. A concessão de dois restaurantes.
5. O pagamento de R$264 mil a uma empresa que fornecia coquetéis e lanches.
“Esquentando” o escândalo - A nota da UFRJ mostra que a empresa que emitiu a nota não havia
desaparecido, mas apenas mudando de endereço. O reitor recebeu o
Fantástico e apresentou um balanço do que foi feito com o dinheiro do
BB: seminários, congressos e recepções, na manutenção e reformas de
prédios, na construção de restaurantes. Em vez de focar nas obras que
foram realizadas com os recursos, deu-se destaque para as que não foram.
O vazamento do MPF - O Fantástico recebeu o inquérito antes dos indiciados. Com isso,
ficou com o poder de julgar e condenar sete pessoas perante dezenas de
milhões de telespectadores. As ressalvas às denúncias só foram
entendidas por um diminuto número de espectadores, que sabem diferenciar
problemas administrativos de malversação graúda de dinheiro. Mesmo com
os cuidados da reportagem, perante a opinião pública estão todos
condenados.
O papel do CNJ – 1 - E aí se entra nessa escandalosa iniciativa do ministro Ayres Britto,
de criar uma comissão permanente, no âmbito do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), para garantir a grande mídia contra as ações propostas
pelas vítimas. A comissão será composta por integrantes do poder
judiciário e por representantes de órgãos de mídia. Não se cogitou
sequer de defensores das vítimas de pequenos e grandes crimes.
O papel do CNJ – 2 - Quando ministro do STF, Ayres Britto, a pretexto de acabar com a Lei de Imprensa,
deixou um vácuo jurídico que prejudicou fundamentalmente o direito de
resposta. Agiu exclusivamente com o propósito de agradar a mídia,
principalmente depois que espocaram denúncias sobre o uso do seu nome
por seu próprio genro, em ações que passavam pelo STF e pelo TSE
(Tribunal Superior Eleitoral). Coincidentemente, as denúncias sumiram do
noticiário.
O cidadão desprotegido - Tem-se, agora, o ensaio de uma briga de gigantes. De um lado,
Congresso Nacional, partidos políticos; de outro, o Executivo; na
terceira ponta, MPF, STF e mídia. E onde fica o cidadão comum? Em nenhum
momento, Ayres Britto – ou o próprio STF – pensou no cidadão comum.
Este continua à mercê de um Judiciário que entende a mídia com olhos do
governante norte-americano do século 18. Muitos assassinatos ainda serão
cometidos.
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