Matéria replicada do Blog do sakamoto.
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A virgindade de meninas indígenas em São Gabriel da Cachoeira, no
Amazonas, pode ser comprada por um homem branco por R$ 20,00, roupas ou
bombons.
A Folha de S.Paulo, deste domingo (4), traz importante reportagem de Kátia Brasil
sobre o drama, que vem sendo apurado pela polícia há um ano, mas não
prendeu ninguém até agora.
Entre os acusados, empresários locais e
militares. Até ameaças de morte foram feitas para que tudo fique em
silêncio.
A reportagem traz depoimentos das vítimas. Uma, de 12 anos, conta que
teve a virgindade “vendida” para um ex-vereador, casado e com filhos.
“Ele me levou para o quarto e tirou minha roupa. Foi a primeira vez,
fiquei triste.” Outra meninas de 12 anos afirma que foi obrigada na
primeira vez: “ele me deu R$ 30,00 e uma caixa com chocolates”.
Que a pedofilia encontra no Brasil um terreno fértil com muitos
seguidores, isso é sabido.
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Imaginem o que seria desta nossa sociedade
patriarcal e machista sem as revistas e sites que transformam mulheres
de 18 anos em meninas de 12? Afinal de contas, se tem peito e bunda, se
tem corpo de mulher, está pronta para o sexo, não é mesmo? E se está
pronta para o sexo, por que não ganhar uns trocados para ajudar no
orçamento familiar? Antes trabalhar do que ficar zanzando na rua, né?
Lembrei-me de histórias que presenciei. Passando o município
maranhense de Estreito, cruzando-se a ponte sobre o rio Tocantins e
entrando no estado homônimo, há um posto de combustível.
Entre bombas de
combustível e caminhões estacionados, meninas ofereciam programas.
Entravam na boleia por menos de R$ 30,00, deixando a inocência do lado
de fora. Já, em Eldorado dos Carajás, no Pará, me levaram a bordéis onde
se podia encontrar por um preço barato “putas com idade de vaca velha”.
Ou seja, 12 anos.
Retomo aqui um debate já travado tempos atrás neste espaço. Pois essa
discussão não é sobre o direito da mulher ao seu corpo (que deveria ser
inquestionável e protegido contra qualquer tipo de idiotice), mas
defender que crianças e adolescentes não sejam abocanhados pelo mercado
do sexo. Não estou tratando de sexo dos adolescentes, mas sim o seu uso
comercial.
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Muito menos a legalidade da prostituição. Estamos falando de
meninas de 12 anos que podem ter sido empurradas para essa condição por
pressão da situação social ou econômica da família, mas também sofreram
influência externa sobre sua sexualidade – da TV, dos amigos, de
vizinhos, de músicas, de ofertas irrecusáveis de bens materiais ou
dinheiro, que atiçaram desejos ou fantasias sobre si mesmas e o mundo.
Exploração sexual de crianças e adolescentes não é novidade. E nem é
vinculada apenas a uma classe social: há denúncias e mais denúncias de
políticos e empresários que alugam barcos e hotéis para consumir as
crianças que compraram. Ou festas regadas a uísque nas grandes cidades.
Mas é ruim quando a gente se depara novamente com isso. Ver meninas que
deveriam estar estudando para uma prova de sexta série vender seus
corpos e encararem isso como parte da vida dá um misto de raiva e
sensação de impotência.
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A ocupação violenta da região amazônica durante a última ditadura
militar foi realizada sob a justificativa de integrar o país e
desenvolver o interior.
Ajudou a enriquecer alguns poucos, trouxe outros
milhares que perseguiam um sonho de vida melhor e viu milhões serem
explorados em fazendas, carvoarias, bordéis, fábricas, garimpos,
mineradoras do seu entorno – sejam migrantes, sejam moradores nativos.
Nessa fronteira agrícola, convive a riqueza, que manda suas filhas
estudarem no exterior, e a pobreza, que empurra as suas filhas para os
postos de combustível nas madrugadas quentes.
Apenas um bagre em coma não sabe que um dos principais impactos da
instalação de grandes obras de engenharia na região amazônica tem sido o
aumento dos casos de exploração sexual de crianças e adolescentes. Mas
quem se importa com a dignidade de algumas pessoas quando estamos
falando de megawatts e estradas, ou seja, da grandeza de um país?
Os
recursos investidos em programas de prevenção para garantir qualidade de
vida ou monitorar as condições de crianças e adolescentes são sempre
reduzidos diante do que é disponibilizado para o “progresso”. E,
considerando os envolvidos nas denúncias, o Estado não é ausente. Em
alguns casos, ele participa do crime.
Um dia um fazendeiro português com terras no Mato Grosso disse a
Pedro Casaldáliga, símbolo da luta pelos direitos do campo no Brasil,
para justificar a exploração: “Dom Pedro, o senhor é europeu, o senhor
sabe. As calçadas de Roma foram feitas por escravos. O progresso tem seu
preço”.
Desculpem mesmo, não é moralismo. Mas não dá para ler uma matéria
como a que trata da situação em São Gabriel da Cachoeira e não ter a
sensação de falência de um país.
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