Por Luciano Martins Costa em 17/10/2013 na edição 768.
Observatório da Imprensa |
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 17/10/2013.
O leitor ou leitora que escrutinar o noticiário de quinta-feira (17/10)
poderá achar um pouco confusa a descrição das ações do Estado, no Rio e
em São Paulo, contra manifestantes acusados de promover depredações a
atacar policiais.
Em São Paulo, dos 60 detidos após as manifestações violentas ocorridas
na noite de terça-feira, 59 foram soltos por falta de provas e apenas um
foi indiciado, por porte de maconha. No Rio, metade dos 190 detidos
continuava presa e 27 haviam sido autuados pela nova Lei de Crime
Organizado.
A diferença no comportamento das autoridades nos dois Estados, assim
como a abordagem da imprensa, dificulta a compreensão do que se passa
nas ruas.
Basicamente, o governo paulista demonstra estar fazendo um
esforço para identificar os adeptos da tática conhecida como “Black
Bloc”, para compreender suas motivações e seus objetivos. Já o governo
do Rio parece mais preocupado em conter a onda de violência, na
tentativa de amenizar o estrago que o fenômeno poderá provocar em suas
pretensões eleitorais do próximo ano.
O sistema de inteligência da polícia paulista registrou cerca de 400
suspeitos de protagonizar atos de vandalismo e está estudando seus
perfis para tentar identificar lideranças e separar os diferentes grupos
que se organizam e se desfazem continuamente durante as manifestações.
Os especialistas reunidos numa espécie de conselho procuram montar um
quebra-cabeças em busca de um sentido para o comportamento desses
jovens, considerando, de antemão, que eles precisam ter algo mais em
comum do que o simples impulso da destruição para organizar suas ações
aparentemente espontâneas, que, no entanto, revelam uma característica
de sofisticada mobilidade e eficiência.
Pelo que se pode depreender das reportagens, a estratégia do governo de
São Paulo é usar essas informações para tomar medidas práticas, como
obrigar os reincidentes a se apresentar a uma autoridade policial no
horário dos protestos.
O modelo é semelhante àquele que é aplicado
contra os integrantes de torcidas organizadas de futebol que se envolvem
continuamente em conflitos nos estádios.
Mistura explosiva - Pressionado por uma campanha avassaladora que promoveu até mesmo o
bloqueio da rua onde mora, o governador do Rio, Sergio Cabral, é movido
pela urgência: se quiser sobreviver politicamente, ele não pode chegar
ao fim do ano sitiado pelos manifestantes.
As palavras de ordem dos primeiros protestos eram contra o custo e a má
qualidade dos transportes públicos, depois evoluíram para a exigência
de investigação sobre o desaparecimento do pedreiro Amarildo Alves de
Souza e atualmente têm como estopim as reivindicações salariais dos
professores do Estado. No entanto, o alvo pessoal dos manifestantes
segue sendo o governador Cabral.
A perspectiva de eleições no horizonte próximo instiga à urgência e
limita a disposição das autoridades para entender a natureza desse
fenômeno. Afinal, o que move centenas, eventualmente milhares, de jovens
a arriscar sua integridade física e seu futuro por uma pauta de
demandas difusa e quase irreconhecível?
Pesquisadores reconhecidos pela imprensa apresentam teses eventualmente
conflitantes, mas no geral há certo consenso em que o conjunto
denominado genericamente de “Black Bloc” tem como objetivo chamar a
atenção para o distanciamento entre o Estado e o cidadão. Segundo essa
tese predominante, baseada em entrevistas selecionadas no calor dos
protestos, há um mosaico de racionalidade por trás das atitudes
destrutivas desses manifestantes.
No entanto, seria aconselhável que os pesquisadores e jornalistas
tivessem algum cuidado ao analisar declarações feitas aos gritos, no
meio do tumulto, por jovens bombados pela adrenalina do momento.
Da mesma forma que ninguém vai considerar que o pacato pai de família
que se manifesta nas arquibancadas contra o juiz de futebol acredite
mesmo que a mãe do árbitro seja necessariamente uma prostituta, não se
pode interpretar linearmente o que diz um manifestante enquanto se
desvia de uma bomba de efeito moral e acende seu “coquetel molotov”.
Esse é talvez o maior desafio para se compreender o momento por que
passam as maiores cidades do País: encontrar um terreno sólido no campo
da racionalidade para entender o comportamento aparentemente irracional.
Há uma enorme dose de concessão nas análises de acadêmicos e
jornalistas sobre a natureza dessa violência. A mistura de
universitários, mendigos, meninos abandonados e delinquentes
profissionais no confronto com policiais viciados na arbitrariedade
compõe uma receita explosiva.
Quem poderia desejar um desfecho trágico para esse enredo?
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