Texto de Jorge Américo e Douglas Belchior.
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As eleições municipais estão aí e se apresentam como uma oportunidade de aprendizado interdisciplinar. Em nenhum outro momento da vida nacional vemos tanta gente falar sobre o que não conhece. Os linguistas e semiéticos precisariam de ajuda dos matemáticos para contar quantas vezes a palavra “periferia” aparece na boca dos políticos.
Depois de quatro anos
seguidos de apedrejamentos e rebosteios a periferia deixa de ser a Geni da canção
do Chico para ser a dama mais cortejada da cidade.
Não há quem não a ame. Não há
quem não queira tomar o café da Dona Maria num copo de requeijão, tirar
uma selfie com o Seu Zé ou comer uma asinha de frango na laje com a rapaziada
ao som do Exaltasamba. Militares, empresários, delegados, médicos,
apresentadores de televisão, socialites, enfim, todo mundo quer estar nos braços
da periferia.
Na maioria dos discursos
eleitoreiros, a periferia é romantizada. É uma terra de bárbaros de bom coração
que precisa ser colonizada e domesticada por alguém que conheceu as coisas boas
da vida. A periferia precisa de alguém que leve o progresso, o conhecimento, a recreação,
o desporto, a água tratada, a segurança,
o pediatra, o xarope, o sinal de Wifi.
Os marqueteiros usam técnicas
hollywoodianas para tentar convencer os
eleitores de que quatro anos são suficientes para sanar todas as sequelas
geradas pelos 388 anos de escravidão e
outros 128 de exclusão, opressão e violência de toda espécie.
Na maioria dos discursos
eleitoreiros, a periferia é romantizada. É uma terra de bárbaros de bom coração
que precisa ser colonizada e domesticada por alguém que conheceu as coisas boas da vida.
Por outro lado, a cidade
dos ricos nunca aparece nas campanhas eleitorais, embora seja e continuará
sendo alvo das principais intervenções urbanísticas. Independentemente de quem
vencer as eleições.
As vias alargadas, iluminadas e arborizadas continuarão a
proporcionar mobilidade, segurança e ar fresco. Os parques públicos, teatros e
museus oferecerão boas opções de recreação. E se alguém tomar um tombo e ralar o joelho nas ciclovias,
uma rede formada pelos melhores hospitais do país estará pronta para prestar o
melhor atendimento.
O que mais angustia é o
desrespeito com as pessoas mais simples que abrem as portas com simpatia para
quem quer que seja. Bem treinados, os caçadores de voto deixam sua zona de
conforto e se exibem com desenvoltura diante das câmeras. Comem pastel na
feira, fazem caras e bocas quando ouvem histórias tristes, choram e até abraçam
os moradores da periferia.
Seria hilário imaginarmos
o contrário. Que rico abriria a porta de sua mansão nos jardins ou em sua
cobertura em Higienópolis, para um candidato negro nascido e criado na
periferia que quisesse apresentar seus projetos para uma cidade mais justa e
democrática?
Que rico serviria um
drinque para este candidato na beira da piscina, mostraria a cama onde dorme, a
mesa onde come, revelaria toda a sua intimidade?
Isso não acontece nos bairros
nobres porque somente a cidade dos pobres está em disputa e precisa ser salva.
No fundo, tamanha vontade de salvar a periferia esconde um desejo secreto de
ser salvo por ela.
Ora, ninguém se elege sem
os votos da periferia, que são maioria sem ser. Este é, portanto, o momento de
a periferia ser defendida como nunca por todas as vozes que sempre declararam
seu amor a ela, seja rimando, seja recitando, interpretando ou organizando luta
política na própria periferia.
A desavergonhada baixaria
da política torna legítima a posição de quem se cala para não dar ibope aos
partidos políticos pelos quais não simpatiza. Mas, por outro lado, é legítimo
também afirmar que a omissão, em tempos de golpe, é um voto de confiança na
gravata que sempre oprimiu e na farda que sempre matou.
Não. Não é tempo de omissões.
*Jorge Américo é
jornalista, poeta e educador popular.
*Douglas Belchior é professor de história e editor
de Blog.
Obs: Texto copiado do grupo culturas populares.
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