quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

PEC Nº 287/2016 – A emenda do retrocesso e da exclusão social (por Luiz Gustavo Capitani)

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Construída à luz do discurso de iminente insustentabilidade do regime previdenciário, a Proposta de Emenda à Constituição Federal de nº 287/2016 – cuja tramitação pode ser acompanhada através do site da Câmara dos Deputados – promove profunda modificação na Seguridade Social, consistindo na quebra do paradigma de evolução protetiva instaurado com a Constituição Cidadã de 1988.
O termo Seguridade Social foi incorporado à Constituição Federal de 1988, através do art. 194, para designar o conjunto de ações de iniciativa dos Poderes Públicos, as quais se dividem em três grandes esferas de atuação, quais sejam, saúde, assistência e previdência social, no intuito de reforçar a obrigação estatal e de toda a sociedade, na conjugação de esforços para alcançar melhoria nas condições sociais à luz de um princípio de solidariedade.
Da análise dos principais pontos objetos da reforma, fica claro o intuito de atingir não apenas a progressiva melhoria das condições sociais relativas à previdência social, como também a evolução da assistência social, ambas políticas públicas de redistribuição de renda e inclusão social, que consequentemente formam importante pilar de sustentação da economia em diversos municípios do País.
Ainda que exista importante controvérsia sobre a existência de déficit em razão da forma de sua apuração1, mesmo à luz dos dados disponibilizados pelo Governo Federal2 é possível identificar que, entre 2009 e 2015, o Regime Geral de Previdência Social urbano apresentou superávit. Naturalmente, o regime rural, que foi reforçado pelo caráter solidário da Constituição Federal de 1988, não possui a mesma aptidão contributiva diante de suas peculiaridades, mas deve ser suportado como determina o texto constitucional por toda a sociedade.
O esvaziamento de direitos sociais, especialmente no caso de direitos fundamentais como os tangenciados na reforma, configura vedado retrocesso social e, consequentemente, desafia a infringência a garantias constitucionais3, especialmente diante de medidas adotadas que sejam manifestamente irrazoáveis4, aspectos que devem nortear a apreciação de proposta tão impactante na sociedade.
Tendo isso em mente, dentre as alterações propostas, destaco algumas relativas ao Regime Geral que revelam uma intenção de grave modificação do quadro protetivo adotado pela Constituição Federal de 1988.
A proposta extingue a aposentadoria por tempo de contribuição sem limite mínimo de idade, igualando as regras para homens, mulheres, trabalhadores urbanos e rurais, professores ou não, na esteira de uma importação seletiva de critérios internacionais, onde se opta por realidades sociais bastante distintas das vivenciadas em nosso país.
A desigualdade nas condições de trabalho, que em muitos casos comprometem gravemente a saúde e capacidade física dos segurados, aliada ao agravamento dos requisitos para obtenção da aposentadoria, fatalmente determinará um aumento na procura por benefícios por incapacidade. Aliás, nesses casos, assim como ocorre nos dias atuais, a tendência é que o trabalhador já debilitado tenha de enfrentar batalhas judiciais para a concessão do benefício, com o risco de ficar sem rendimentos às vésperas da aposentadoria até que se defina a questão.
Embora a existência de idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição já fosse superada pela legislação previdenciária há décadas, o tema foi enfrentado quando dos debates que iriam culminar com o advento da Emenda Constitucional nº 20/98, onde foi rejeitado. À época, foi fixada em 53 anos para o homem, e 48 anos para a mulher, apenas em relação às aposentadorias por tempo proporcionais, já não mais existentes.
Desde a reforma de 1998, o texto constitucional remete à legislação ordinária a adoção de critérios para concessão e cálculo dos benefícios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. Nesse sentido, a própria medida reformista deve ater-se mais a esses critérios, os quais seguramente foram observados em 1998. A propósito, fato que chama a atenção é que, entre 1998 e 2015, as tábuas de mortalidade divulgadas pelo IBGE5 demonstram que, aos 65 (sessenta e cinco) anos, a evolução neste período da expectativa de sobrevida foi de 16,46 para 18,6 anos. Em paralelo, agora se amplia o tempo de contribuição de 35 anos para 49 anos, e exige-se a idade mínima de 65 anos, a qual será elevada automaticamente com o passar dos anos, conforme se eleve a expectativa de sobrevida.
Com efeito, a proposta prevê uma ampliação demasiada no tempo de contribuição necessário para que seja paga a aposentadoria integral, alcançada a idade mínima de 65 anos, o benefício corresponderá a 51%, acrescido de 1% por ano de contribuição, sendo o mínimo exigido de 25 anos. Disso resulta que o segurado somente fará jus à aposentadoria integral com 49 anos de tempo de contribuição comprovados!
No que toca à alteração da aposentadoria por idade, amplia-se em 10 anos a contribuição necessária, ou seja, de 15 anos (no qual receberia 85% da média) passa a ser exigido 25 anos, ou seja, cerca de 67% a mais de tempo de contribuição, para obtenção de uma aposentadoria equivalente a 76% da média. Isso sem contar a brutal ampliação de tempo de contribuição e idade no caso de aposentadorias como a dos professores, mulheres e trabalhadores rurais.
Em tempos de convívio com a regra 95/85, causa perplexidade a nova regra cuja soma para aposentadoria integral é 114 (para homem e mulher), e que somente deixará de ser aplicada aos que já tenham completos os 50 anos de idade, se homem, ou 45 anos, se mulher, quando da promulgação da reforma.
Nesse ponto, a proposta traz novamente um retrocesso quando estabelece, no caso da aposentadoria por invalidez, caráter distintivo que assegura 100% da média apenas no caso dos benefícios decorrentes de acidentes do trabalho, independentemente do tempo de contribuição. Nesse sentido, estariam de fora, e dessa forma inclusos na regra geral, os demais benefícios por incapacidade: sejam eles em razão de doença (grave ou não) e decorrentes de acidente de qualquer natureza.
Em resumo: com essa proposta o Brasil estaria reduzindo a proteção social ao risco invalidez, promovendo exclusão social. Nem se diga que a redução no benefício não representa prejuízo à proteção social. Esta se dá através da prestação pecuniária, sua redução substancial equivale ao esvaziamento da eficácia na proteção.
A proposta mantém a existência de aposentadorias especiais (para trabalhos sob condições que prejudiquem a saúde e ao segurado com deficiência), contudo, não é mais possível a conversão do tempo especial em comum e, embora remetido à disciplina por lei específica posterior, não deixou o texto reformista de estabelecer igualmente uma idade mínima, cuja redução em relação à regra geral não poderá ser maior do que 10 anos no requisito idade, e 5 anos no requisito tempo de contribuição. Em suma: a aposentadoria especial, que tem justificativa suficiente para ser concedida antecipadamente, na melhor das hipóteses, seria obtida aos 55 anos de idade, sendo que, no conjunto das prestações previdenciárias pagas atualmente, representam um percentual muito pequeno do total de benefícios concedidos.
Coerentemente com a finalidade de permitir um benefício antecipado, até agora, as prestações especiais asseguram benefícios com renda mensal mais elevada, por exemplo, através da exclusão do fator previdenciário no cálculo. No que toca à sistemática de cálculo, a reforma deixa de lado a fórmula adotada em 1998, que remetia a definição dos cálculos à legislação ordinária, para disciplinar no texto constitucional o método de apuração dos benefícios, o que torna mais difícil as adequações posteriores.
Isso se agrava, no caso, visto que a ausência de disciplina específica quanto a critério diferenciado para as aposentadorias especiais, poderá acarretar em aplicação da regra geral que, sem dúvida, esvaziará a finalidade protetiva do benefício. Enfim, não bastasse a dificuldade em obter o benefício, a opção por disciplinar genericamente o cálculo no texto constitucional, abre espaço para maiores danos ao trabalhador, compensando-se a vantagem em obter a aposentadoria antecipadamente com uma redução substancial no seu valor.
No que toca ao benefício de pensão por morte, prestação que já havia sofrido modificação recente, o impacto da proposta é bastante elevado: o benefício deixa de ser integral. Sendo apenas um dependente, o benefício será de 60% da aposentadoria paga ao segurado (ou daquela que teria direito se fosse aposentado por invalidez). Não bastasse isso, a proposta exclui a garantia de recebimento do piso equivalente ao valor de um salário mínimo, modificações que afetarão as pensões concedidas imediatamente após a entrada em vigor da reforma. Assim, basta que um aposentado, que hoje receba um salário mínimo, venha a óbito após a aprovação da PEC, se deixar apenas um dependente, o benefício resultante seria equivalente a 60% do salário mínimo.
Por outro lado, esse benefício somente será recebido se o dependente não estiver aposentado por qualquer razão. Com efeito, a proposta determina não ser mais acumulável a pensão por morte com a aposentadoria do dependente, devendo este optar pelo benefício mais vantajoso.
É relevante recordar que a pensão por morte é benefício destinado a cobrir risco social representado pela falta do segurado responsável pelo auxílio no sustento da família, sendo vertida contribuição destinada a esse custeio. Tornar o seu valor ínfimo – ainda mais se calculada sob as novas regras da aposentadoria – e tornar impossível sua acumulação com a aposentadoria, representa o esvaziamento da proteção social assegurada constitucionalmente.
Relativamente aos trabalhadores rurais, dentre outros aspectos, uma grande ruptura com o regime vigente, e comprobatória da total discrepância do projeto com a realidade social brasileira, repousa na exigência de que cada integrante do núcleo familiar rural – cônjuges e filhos – contribua individualmente para que possa ter o reconhecimento do seu tempo de contribuição. O estabelecimento da exigência contributiva do segurado especial, além de não ser suficiente para elevar substancialmente a arrecadação, terá maior eficácia de exclusão ao acesso a benefícios previdenciários.
Complementando o quadro de exclusão social, a proposta traz ainda reforma da assistência social, de modo a eliminar a garantia de pagamento de um salário mínimo àqueles que necessitam, agora sim remetendo a apuração do benefício à legislação ordinária, e ampliando o requisito etário para 70 anos, que se dará gradualmente e com previsão de elevação automática quando da elevação da expectativa de vida após 10 anos.
Oportuno é recordar que o salário mínimo nacional, como estabelece nossa Constituição Federal, representa o patamar mínimo necessário para o atendimento das necessidades básicas da família como alimentação, moradia, educação, saúde, cujo atual valor de R$ 880,00 é notoriamente7insuficiente para tanto.
Como é de praxe nas reformas previdenciárias, há previsão de regras transitórias, por sinal, nada inclusivas e pouco razoáveis, já que se está excluindo a aposentadoria por tempo de contribuição de quem ainda não completou a idade de transição (50 para o homem e 45 para a mulher). A inadequação do critério fica evidente com um simples exemplo: supondo que um segurado homem possua 34 anos de tempo de contribuição e 49 anos de idade na data da vigência da reforma, em que pese faltasse apenas 1 ano para se aposentar, terá de trabalhar mais 16 anos para obtenção de um benefício.
Por oportuno, cabe referir que o art. 6º da PEC não deixa de fora os detentores de mandato eletivo de uma regra de transição, embora um pouco diferente das demais, na qual prevê que a modificação introduzida no art. 40, § 13 da CF/88 se aplica de imediato aos titulares de novos mandatos eletivos que forem diplomados após a promulgação desta Emenda, remetendo a eventual disciplina das regras transitórias para legislação própria.
No que toca à exclusão dos militares da reforma, ponto bastante criticado em razão da contribuição ao déficit, os quais seriam atingidos por uma reforma específica e futura, sem modificação no texto constitucional, tal opção parece fragilizar os fundamentos da reforma. Em sendo tão relevante o argumento de déficit, a ponto de chamar à reforma benefícios mínimos como os assistenciais, nada mais adequado e oportuno que promover o debate conjunto.
Enfim, fica bastante evidente que não se trata de uma reforma que visa simplesmente readequar as contas da Previdência Social (embora traga em seu bojo o reconhecimento implícito de que as contas são da Seguridade Social), mas uma reforma do espírito protetivo, inclusivo e solidário fomentado pela Constituição Cidadã.
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 Luiz Gustavo Capitani é advogado.
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3  ARE nº 745.745 AgR/MG.
4  ADI nº 2.667-MC/DF.
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