Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo. Enterro-PM-Juliane-dos-Santos-Duarte. |
Negra, lésbica, periférica e dona de ‘uma alegria
contagiante’, Juliane dos Santos Duarte foi enterrada na Grande SP; amiga conta
que ser policial era o grande sonho da vida dela.
Seis rosas brancas estavam enfileiradas à frente do
porta-retrato, colocado no caixão lacrado. A foto mostrava um sorriso sincero
de ponta a ponta do rosto negro, de cabelos curtos, brinco na orelha e uma
camiseta cinza. A expressão era uma das marcas da PM Juliane dos Santos Duarte.
Aos 27 anos, ela morreu após desaparecer de um bar em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, e seu corpo
ser encontrado quatro dias depois. Centenas de pessoas, entre familiares, amigos, vizinhos, curiosos e policiais acompanharam o enterro.
Juliane era negra, lésbica, moradora da periferia
de São Bernardo do Campo – onde foi enterrada na tarde desta terça-feira (7/8),
no Cemitério Municipal Vila Euclides. Para ela, não existia tempo ruim. Segundo
amigos, colegas de trabalho e quem conviveu com a jovem, seu astral era
contagiante. Apesar do jeito tímido e ser mais retraída, fazia questão de ver
quem estava à sua volta feliz. Assim como ela sempre estava, conforme quem a
conheceu.
“O sorriso dela iluminava por onde passava, sempre
estava feliz. Era um sorriso largo, lindo. As pessoas a conheciam pela
felicidades da Ju. Não à toa muita gente a chamava de sorriso”, conta Laisla
Carvalho, de 24 anos, ex-namorada da policial. Elas namoraram por seis meses em
2008 e voltaram a se falar em abril deste ano.
Desde aquela época, Juliane já tinha traçado um
sonho de vida: ser PM. Passou pela GCM (Guarda Civil Metropolitana) de São
Bernardo do Campo e conseguiu entrar na corporação em 2016. No reencontro com
Laisla, fez questão de compartilhar a conquista. “Ela me falou: olha, consegui
chegar à PM. Era o sonho dela ser polícia, proteger o próximo. Foi um sonho que
a levou da gente”, disse.
A alegria do dia a dia era contagiante no grupo de
amigas. A soldado costumava dançar sertanejo, andava de skate e tocava
instrumentos, entre eles violão, bongo e triângulo. Era comum se reunir para
tocar um som em casa, jogar vídeo-game e comer.
“Ela era animada demais! Nos conhecemos ainda na adolescência, morávamos perto uma da outra. Quando nos juntávamos, ela não gostava de lanche, tinha que ser prato feito, comida, senão nem gostava”, conta Renata Fernandes, 29 anos, amiga que formava um trio extremamente unido junto de Juliane e Carla, outra vizinha.
Foto escolhida pela família para ficar em cima do caixão | Foto: Arquivo pessoal. |
“Ela era animada demais! Nos conhecemos ainda na adolescência, morávamos perto uma da outra. Quando nos juntávamos, ela não gostava de lanche, tinha que ser prato feito, comida, senão nem gostava”, conta Renata Fernandes, 29 anos, amiga que formava um trio extremamente unido junto de Juliane e Carla, outra vizinha.
Juliane era lésbica e costumava vestir roupas
estereotipicamente masculinas. Segundo amigas próximas, nunca pediu para ser
tratada como “ele”, uma referência de se identificar como um homem trans.
“Nunca fez questão de ser ‘ele’, era ‘ela’. A Ju era lésbica, não queria ser
tratada como homem, apesar de vestir roupas mais masculinas”, conta Renata.
Sonho de ser ‘polícia’
Caixão de Juliane permaneceu fechado do início do velório até o sepultamento | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo. |
Renata foi quem aproximou Juliane da PM e tornou o
sonho realidade. Ela trabalhava como estagiária no CPAM 1, na Vergueiro, região
centrão de São Paulo, e incentivou a amiga. Juliana seguiu os rumos e virou
soldado, trabalhando na 2ª Cia do 3º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar
Metropolitano), com base na Vila Guarani, zona sul de SP. Renata não seguiu,
mas tenta fazer concursos para voltar à PM.
Segundo quem convivia com ela no dia a dia, mesmo
que de modo afastado, a mesma alegria e emprenho eram vistos. “Estava sempre
animada”, comentou uma cabo da 2ª Cia, durante o velório. O tenente-coronel
Márcio Necho da Silva, comandante da área, definiu Juliane como uma “policial
exemplar”.
“A Juliane era um destaque positivo dentro da
equipe que trabalhava. Uma policial educada, solícita, companheira, prestativa,
sempre ativa. O comportamento dela era exemplar”, declarou o tenente-coronal,
explicando que ela estava há um ano no 3º BPM/M.
Cerca de 100 policiais acompanharam a cerimônia de
velório e enterro de Juliana. Estavam presentes representantes da Polícia
Militar (Rota, Tropa de Choque, Corregedoria, Rocan, Gate, Coe, do canil), da
Polícia Civil, Polícia Rodoviária e GCMs de São Paulo e São Bernardo estiveram
presentes na cerimônia.
Entidades de direitos humanos lamentam tragédia
Grupos internacionais de direitos humanos
classificaram como uma “tragédia” a morte de Juliane, sobretudo por ser
decorrente da função que ela exercia. As entidades lamentaram o crime e
cobraram respostas das autoridades e punição dos autores.
“Este crime mostra a vulnerabilidade dos
policiais no Brasil fora do serviço, são centenas de mortes por ano”, avalia
César Munoz, pesquisador da Human Rights Watch Brasil. “Encaramos como uma
tragédia, pedimos às autoridades o máximo esforço para achar os culpados da
morte e punir. É fundamental ter um esforço muito maior de proteger os
policiais de folga”, continua.
Enterro aconteceu por volta de 16h desta terça-feira (7/8) | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo |
O ponto de vista é compartilhado por Samira Bueno,
diretora do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). “Os policiais são
vítimas preferenciais do crime organizado e várias facções utilizam o homicídio
de policiais como mecanismo de ascensão na facção. Não é a toa que 70% dos
policiais assassinados no Brasil morrem fora de serviço”, pontua.
Segundo Samira, esta lógica evidencia uma política
de segurança de lógica “super repressiva, militarizada e do enfrentamento”.
“Isso vitima gente de ambos os lados e não sai da lógica de vingança”, analisa.
Para o advogado Ariel de Castro Alves, conselheiro
do Condepe (Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana), a morte de Juliane
é um ataque ao “estado de direito” e “contra todos que defendem a legalidade, a
Justiça e os Direitos Humano”.
“Como defensores de direitos humanos, defendemos
principalmente o direito à vida, e lutamos contra qualquer forma de violência,
injustiça e discriminação. O desaparecimento e a morte da PM Juliane faz parte
de um contexto de crescente violência urbana e insegurança pública”, argumenta,
tendo raciocínio acompanhado por Bruno Langeani, coordenador do Instituto Sou
da Paz.
“É um caso muito grave. Não é um homicídio
qualquer, ela foi morta em razão da função de PM, um crime que precisa ser
tratado como uma agressão ao Estado”, sustenta Langeani, que critica a ofensiva
do crime. “Caso tenhamos uma região em que criminosos se sentem à vontade de
sequestrar uma pessoa, é um indicador de quão forte esse domínio do crime
organizado está”, pondera.
Procurado através se sua assessoria de imprensa, o
governador do estado de São Paulo, Márcio França (PSB), não comentou sobre a
morte da policial. Ele não esteve presente no enterro em São Bernardo do Campo.
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Foto:
Arthur Stabile/Ponte Jornalismo.
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