Em São Paulo, Vinagre dá cadeia.
O
repórter de CartaCapital Piero Locatelli narra sua prisão por "porte de
vinagre", revela a violência contra detidas e lamenta que
não-jornalistas não tiveram a mesma sorte e seguiram presos
Eu
comprei uma garrafa de plástico de 750ml de vinagre por menos de dois
reais nesta quinta-feira 13. Fui a um mercado no caminho para a
manifestação contra o reajuste das passagens, que iria cobrir para o
site da revista.
Explico o porquê.
Acompanhei
o primeiro protesto de perto na semana anterior. Na avenida Paulista,
tive contato com bombas de gás lacrimogêneo. No dia seguinte, pela
manhã, tinha a impressão de que havia passado um ralador em meu nariz e
em meus olhos.
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Devemos agora tirar uma licença porte de vinagre? |
No
segundo protesto, na última sexta-feira 7, manifestantes que seguiam
pacificamente foram recebidos com mais bombas na zona oeste da cidade.
No meio do ato, uma pessoa só com os olhos de fora espirrou vinagre na
minha camiseta, dizendo para eu respirar e me cuidar.
Foi
quando descobri que o vinagre atenua os efeitos do gás lacrimogêneo. O
exemplo da manifestante desconhecida me fez ser mais precavido desta
vez. Nesta quinta-feira, desembarquei do ônibus em frente ao metrô
Anhangabaú. Ao chegar, vi dois estudantes sendo presos. Perguntei ao
policial o que eles portavam. Ele falou em “artefatos”, sem especificar.
Os presos responderam que era vinagre.
Eu
não sabia que o mesmo iria acontecer comigo logo em seguida. No viaduto
do Chá, a caminho da Praça do Patriarca, para onde os estudantes haviam
sido levados, me deparei com jovens sendo revistados. Liguei a câmera
do celular para filmá-los, quando gravei o seguinte diálogo:
SD PM Leandro Silva: Tira a sua [mochila] também.
Eu: Eu sou jornalista, amigo. Você quer a minha identificação?
SD PM Leandro Silva: Não, não. Não precisa não.
Piero: Tem vinagre aqui dentro. Tem algum problema?
SD PM Leandro Silva: Tem. Vinagre tem.
Piero: Por quê?
SD PM Leandro Silva: Pode ir lá [ser revistado]
Em
seguida, minha mochila foi aberta enquanto eu continuava filmando (como
é possível ver no vídeo) e pedia para pessoas próximas fazerem o mesmo.
Questionei algumas vezes qual lei, norma ou portaria proibiria o porte
de vinagre, mas não obtive resposta.
No
caminho, tive a oportunidade de ligar para uma amiga, também
jornalista, que estava indo ao ato. Disse a ela que estava sendo levado à
praça do Patriarca.
Em
seguida, continuei gravando. Foi este meu último diálogo com os
policiais antes de ser colocado contra a parede de uma loja fechada na
praça:
SD PM Pondé: Tá gravando aí, irmão?
Piero: Tô. Sou jornalista, amigo.
Cap. PM. Toledo: Vinagre... Pode ficar ali com a mão para trás.
Piero: Como é que é? Eu estou sendo preso? É isso?
Cap.
PM. Toledo: Pega e fica ali com a mão pra trás! Coloca a mão pra trás
aí! Mão pra trás! Mão pra trás e pega a sua bolsa! Mão pra trás!
Fiquei
com a cara colada contra a parede. Enquanto isso, meu gravador
permaneceu ligado em meu bolso. Este é um dos diálogos captados:
Policial homem não identificado pela reportagem: Encosta na parede! (2x) Mão pra trás! Coloca a mão pra trás! Mão pra trás!
Mulher: Para de me agredir. (2x) Você é homem.
Policial homem não identificado pela reportagem: Cala a boca! (3x)
Mulher: Para de me agredir. Eu não fiz nada (3x)
Policial homem não identificado pela reportagem: Quer uma policial feminina pra te agredir? Tá com spray!
Mulher: Eu não tô com spray! (2x)
Homem (policial?): Cala a sua boca! (3x)
Na sequência, a mesma mulher detida fala baixo com uma colega:
Mulher detida 1: O que ele fez com você?
Mulher detida 2: Ele me bateu com o cassetete.
Mulher detida 1: Onde?
Mulher detida 2: Em tudo. Na minha barriga, nas minhas costas.
(....)
Mulher
detida 2: Ele me bateu, ele me agrediu, eu não fiz nada. Eu tava
respeitando ele (2x). Ele tem que me respeitar. Eu sou uma cidadã.
Mulher detida 1: Calma. Calma. Calma. Ele não vai te respeitar porque ele tá passando dos limites. Isso é abuso de poder. Calma.
Logo
após ter sido colocado contra a parede, estive ao lado de um fotógrafo,
conhecido de outras pautas. Ele percebeu os flashes na parede em que
nos escorávamos, disse que havia fotógrafos atrás de nós.
Eu
tentei virar para ver se havia conhecidos. Não via ninguém e era
recebido com gritos de policiais que me mandavam olhar para frente
novamente e “não arranjar problema”.
Na
terceira vez que virei, vi ao longe outro colega. Gritei o nome dele e
fui colocado novamente contra a parede. Esses jornalistas se comunicaram
novamente comigo por duas vezes. Na primeira, gritaram para eu virar e
tirar uma foto. Na segunda, que haviam conseguido um advogado para mim.
Fui
jogado em um ônibus da Polícia. Tentei perguntar por que eu havia sido
preso e para onde eu estava sendo levado. Mais uma vez, não obtive
resposta.
Dentro
do veículo, policiais diziam que, caso houvesse pedras, era para seguir
dirigindo. As ruas eram abertas por batedores, algumas motos que
seguiam à frente.
Ao
meu lado estava uma menina, pré-vestibulanda, que me perguntou
cochichando porque estavam tirando fotos de mim no ônibus. Eu expliquei
que era jornalista e aqueles eram amigos. Ela disse que “ao menos eu ia
poder escrever sobre o que aconteceu, os outros não poderiam fazer o
mesmo”. Falei que estávamos presos pelo mesmo motivo.
O
ônibus da polícia seguiu por um caminho longo até o 78º DP, nos
Jardins. Fomos colocados em fila para a revista. Pedi para colocar a
blusa e um policial negou, dizendo que dali a pouco ia “ficar quente”.
Em
seguida, finalmente explicaram porque estávamos ali. A delegada dizia
que não estávamos presos, estávamos “sob averiguação”. Eu não sei a
diferença. Tinham me levado para um departamento policial à força e não
me diziam o motivo. Os meus documentos tinham sido retidos pela polícia.
Iriam
fazer um Boletim de Ocorrência para todos os presentes. Segundo
disseram os policiais, todos os outros (cerca de quarenta pessoas, nas
minhas contas) haviam sido levados por conta do vinagre. A exceção era
um que havia sido pego com entorpecentes.
Uma
vez dentro da Polícia Civil, fui bem tratado. Vários policiais me
perguntavam o que eu estava fazendo com um vinagre na mão. Eu tentava
explicar e eles, incrédulos, não sabiam que o problema era justamente
uma garrafa de vinagre. Cerca de duas horas após ser detido, fui
liberado com a chegada de advogados. Deixaram que eu levasse o vinagre.
O
fato de eu ser jornalista amenizou os problemas causados pela ação da
polícia. A delegada chegou a me perguntar por que eu não havia me
identificado como jornalista à Polícia Civil. A minha redação me
disponibilizou um advogado e tentou contatar quem fosse possível.
Meus
amigos e outros colegas foram solícitos, mostrando o meu caso em redes
sociais. A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo)
fez um comunicado falando da minha prisão, que foi reproduzido pelos
maiores veículos do País.
Sou
grato a todos eles por terem me ajudado. Só lamento que as histórias de
todos os outros não tiveram a mesma conclusão. Ir e vir com garrafas de
vinagre deveria ser um direito de todo cidadão.
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Crédito: Foto postada no Facebook. |
Continuando a saga dos "MacGayvers", digo, perigosos "homens bombas vinagreiros".
Mais de 30 pessoas foram detidas entre as 16h e 17h por “porte de vinagre”
em São Paulo nesta quinta (13) e de acordo com o responsável pela ação,
o tenente-coronel da Polícia Militar Ben-Hur Junqueira, o tempero
representa uma série de riscos em grandes aglomerações de pessoas e pode
dar origem a uma bomba, mas não explicou como chegou a essa conclusão.
“Estão fazendo mistura de vinagre com outras substâncias, o que pode vir
a dar origem a um objeto que pode virar até uma bomba”, disse ele a um
jornalista do Portal R7.
Ainda
segundo ele, não há incoerência em deter pessoas com “perfil de
manifestante” e que portassem objetos considerados “suspeitos e incomuns
de serem portados”. Ele alegou ainda que para saber se era vinagre,
dependeria de uma análise técnica mais apurada. “Não tenho condições de
pegar uma garrafa e saber que é vinagre. Pode ter cheiro e cor de
vinagre, mas só quem vai dizer com certeza o que é isso é o IC
(Instituto de Criminalística). É preventivo o que estamos fazendo”,
disse.
O
vinagre é usado para diminuir os efeitos do gás lacrimogêneo, mas o
tenente coronel contesta. “Isso até hoje não foi comprovado [efeito do
vinagre sobre o gás lacrimogênio]. A polícia não tem até hoje a
confirmação de que o vinagre quebra o efeito químico das substâncias que
nós usamos. Mas como vou saber que é vinagre? Parece vinagre, mas...”,
disse.
Além disso, já
que está em voga uma discussão tão importante em torno do produto,
reproduzimos abaixo um texto de João Peres, para o site Rede Brasil
Atual, que explica tudo sobre as variedades à disposição para cortar o
efeito do gás lacrimogêneo e ressaltando que, “independente do tipo de
vinagre escolhido, importante é ser preso com estilo”. Acreditamos que o texto está no tom exato que o tema merece.
Vai à manifestação de segunda? Saiba qual vinagre faz seu tipo
Por
João Peres, da Rede Brasil Atual – Como vinagre virou clichê nas
manifestações contra o aumento das tarifas de transporte público em São
Paulo, é hora de se diferenciar. Afinal, você não quer que seus amigos
te vejam sendo preso com um produto básico, que todo mundo anda usando
por aí, né? Resolvemos seu problema com um guia dos melhores modelos
para serem usados no próximo ato, marcado para segunda-feira, às 17h, no
Largo da Batata, zona oeste da capital.
Antes
de definir qual tipo melhor se adequa a suas necessidades é preciso
escolher o lugar da compra. Surpreende-se quem acha que mercadinhos de
bairro estão por fora das novas tendências. Há uma boa variedade,
embora, claro, produtos mais refinados costumem ficar de fora.
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Crédito: Foto postada no Facebook. |
A melhor
pedida são os hipermercados, que oferecem opções para todos os gostos,
ainda que empórios e até mesmo padarias um pouco melhor equipadas possam
dar conta e oferecer produtos muito refinados.
A
bibliografia disponível sobre o uso do vinagre não acumulou evidências
sobre a cepa que melhor protege olhos e narinas. Então, se estiver
apertado, não hesite em apelar ao vinagre de álcool, que sai por menos
de R$ 2.
Não é preciso ficar com complexo de gente comum: customize a
embalagem usando canetas, cola e pedaços de tecido – pode combinar com
as roupas, fazendo uma garrafa no estilo da tribo urbana com a qual você
se identifica.
Se
o orçamento estiver um pouco mais folgado, mas não o suficiente para
ser chique, apele aos clássicos de vinho. O de vinho tinho tem notas
ácidas, perfeitas para combinar com os tons obtidos pelo gás
lacrimogêneo. Mas as notas doces do vinagre de vinho branco conferem
status, sem dúvida, e demonstram bom gosto.
Nos últimos anos
multplicaram-se os produtos disponíveis usando o branco, e os preços vão
de R$ 2,5 a R$ 15. Produzir em casa é a melhor saída para quem quer um
produto ecologicamente correto: deixe o resto de vinho alguns dias fora
da geladeira, e pronto, tem-se um resultado de qualidade.
Os
vinagres de maçã, também com tons adocicados, têm a vantagem de que as
sobras do protesto podem ser aproveitadas em receitas salgadas diversas.
Com a salada de repolho, por exemplo, fica perfeito, e melhor se for
acompanhada de um kebab – a região da Paulista tem várias casas árabes,
ou seja, convença os amigos a levar o protesto para lá.
Quem
gosta de desfrutar novos sabores pode provar o vinagre de kiwi, que,
segundo o fabricante, destaca o sabor das frutas tradicionais, além de
preservar aminoácidos, vitaminas, sais minerais e capacidade
anti-oxidante – aqui, de novo, a bibliografia médica falha, e não se
responde se a interação gás lacrimogêneo-vinagre provoca efeitos
positivos para a pele.
Esta variedade cumpre ainda os princípios da
sustentabilidade, produzida unicamente a partir de kiwis orgânicos. Este
é outro daqueles que devem ser preservados após o fim da manifestação
porque ajuda a eliminar toxinas e contribui para o equilíbrio do
metabolismo, dois fatores fundamentais no day after.
Outra
variedade com propriedades terapêuticas é o vinagre de mel. Se tiver
tempo de comprar um artesanal, melhor, porque realça a característica de
combate à hipertensão. Além do baixo valor calórico, importante se você
não quer ficar para trás na hora da marcha, o produto combate os
radicais livres, retardando o envelhecimento.
A versão industrializada,
embora de menor sabor, sai mais em conta, em torno de R$ 12, e pode ser
utilizada para fazer uma calda de maracujá para acompanhar peixes de
sabor forte, como salmão.
Finalmente
é hora de falar do supra-sumo em termos de vinagre para manifestação. O
balsâmico confere graça, estilo e um caráter diferenciado a quem o
porta. Quer todo mundo te invejando? Vai de balsâmico. É bem verdade que
a textura mais espessa pode cortar um pouco do efeito anti-gás, mas
vale a pena, né? Você paga um pouquinho mais e tem um produto exclusivo,
ou quase isso.
Os nacionais não são ruins, mas nada se compara aos Di
Modena, originais, com uvas produzidas nos ares vulcânicos. Se não está
com dinheiro para pagar, escolha um restaurante de estilo, leve um
potinho e vá em frente: o importante é ser feliz.