Por Yago Sales
Da Ponte Jornalismo
“Eles tentaram fugir e morreram amontoados” e “Meu filho está aí”. As frases são de familiares desnorteados após horas de espera no auditório do 7° Batalhão da Polícia Militar de Goiânia, capital de Goiás. Na manhã desta sexta-feira (25/5), um incêndio no alojamento dentro do Batalhão que era usado para abrigar jovens infratores matou nove dos 11 adolescentes que ali viviam. O Governo do Estado, comandado pelo governador José Eliton (PSDB), acusou os próprios mortos de serem os culpados pelo fogo.
Os parentes saiam aos prantos depois de aguardarem a leitura dos nomes de adolescentes que conseguiram sobreviver. Porém, apenas um foi socorrido ao Hospital de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira e sobreviveu. Nove morreram: Daniel de Freitas Batista, Douglas Matheus Pantoja, Elias Santos Bonfim, Elizeu Araujo de Castro, Gabriel Sena da Silva, Jhony Barbosa Cardoso, Lucas Oliveira de Araujo, Lucas Rangel Lopes, Wallace Feliciano Martins. O sobrevivente teve 90% do corpo queimado e está internado em estado grave no Hospital Otávio Lages. Outro adolescente não estava no momento das chamas.
O incêndio teve início às 11h30, quando um colchão teria sido incendiado por dois jovens que saíam do pátio. Na tentativa de evitar que a fumaça preta invadisse o alojamento 1, os garotos colocaram um dos colchões de concreto na grade. E o fogo passou para dentro. O espaço tem seis camas de concreto e mais cinco colchões amontoados no chão insalubre.
Em nota oficial, José Eliton culpou as próprias vítimas pelo incêndio. “O Governo de Goiás informa que o incêndio em um alojamento do centro que abriga menores infratores no 7º Batalhão da Polícia Militar foi provocado pelos próprios internos”, explicou. “As providências para combater o fogo foram tomadas de imediato e evitaram um dano ainda maior. Todas as forças policiais já estão mobilizadas para apurar as causas do incêndio”, continuou a voz oficial.
A internação dos jovens viola o Sinase (Sistema Nacional de Medida Socioeducativa) e o ECA (Estatuto da Criança e Adolescentes) desde 2013, quando o então governador Marconi Perillo (PSDB) assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) para a transferência dos adolescentes à alojamentos nos batalhões da PM. Agora, a gestão de Zé Eliton justificativa princípio de rebelião e nega haver superlotação.
Membros da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Defensoria Pública e a alta cúpula da Segurança Pública do Estado de Goiás constataram o limite extrapolado de jovens ali internados. Conselheiros tutelares foram vetados da visita e o presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, Eduardo Mota, foi expulso por militares ao questionar a falta de transparência por parte do Comando do 7° Batalhão durante uma reunião. “Eles me expulsaram porque eu falava para familiares que eles tinham direito de saber tudo”, disse, depois de levado para fora do espaço por um oficial. “Não pode estar vinculada com uma unidade militar e nem sistema prisional”, enfatizou.
Espaço insalubre
Conforme apurado pela reportagem com funcionários, o cheiro de urina e fezes se misturam à escuridão. Sem janelas no alojamento, os meninos precisavam pedir a um educador para dar descarga na privada ou pedir água em garrafas de dois litros.
A unidade, segundo informações de dois educadores que pediram anonimato, já chegou a ter 117 adolescentes em janeiro deste ano – o limite do espaço é para abrigar até 50. Para suportar a demanda, alojamentos para seis jovens tinham pelo menos 16. “A gente chegou a denunciar, mas logo fomos perseguidos e transferidos”, contou um educador.
Dados exclusivos obtidos pela Ponte dão conta de que, dos 80 adolescentes internados no momento da tragédia, 23 são internações provisórias e 57 definitivas. Todos os que morreram são de internação definitiva e não deveriam estar ali. Os jovens vêm diversos municípios goianos.
“No alojamento tem mais rato e barata do que meninos. A situação é muito difícil. Os jovens que dormem debaixo das camas são os que mais sofrem. Imagina o frio, ou o calor. O medo. Eles vivem num caos interior”, disse, ao telefone, pedindo até pelo amor de Deus, uma funcionária.
Desespero das famílias
Com as primeiras informações divulgadas em emissoras de televisão, familiares chegavam às pressas e eram encaminhadas ao auditório do Batalhão. Primeiro eram falados os nomes dos jovens que sobreviveram, o que aliviava parte das mães aos prantos. Elas saiam tranquilizadas em meio ao desespero, mas algumas aguardavam do lado de fora.
“Meu filho queria muito ir para o alojamento 1. Lá tinha uma amigo do mesmo bairro. Mas Deus não deixou”, contou a mãe, mostrando a fotografia do filho. “Vou ficar aqui para abraçar a mãe desse menino que morreu”. Amparado no ombro do advogado Alysson Demetri, a mãe de um dos adolescentes mal conseguia respirar. O irmão mais novo do jovem que morreu, indignado com o assédio da imprensa, xingava.
Dimitri, antes de colocar mãe e filho caçula nos bancos de trás do carro, disse à Ponte que o “governador sabe que lá não tem estrutura para atender adolescente”. Ele ainda não conseguiu respostas para uma pergunta que o Estado não responde. “Como que eles conseguiram entrar com fósforo ou isqueiro, que teria ocasionado? A vistoria lá é rígida. Essa é uma pergunta que ainda não foi respondida. As mães passam por revistas rigorosas”, conta.
O advogado ainda lembra que a OAB entrou com ação civil pública e nada foi resolvido. “Com a dor dos familiares pode ser que eles resolvam”, acredita o advogado que acompanha a família nos preparativos para o velório de um filho, sob custódia do Estado, devolvido à mãe em um caixão.