segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Indígenas pedem apoio do MPF em investigações do massacre contra a comunidade Akroá-Gamela.

Foto mostra lideranças indígenas, representantes do Cimi e do MPF sentados à mesa durante reunião
Foto: Leonardo Prado/Secom/PGR

Em 2017, ataque contra os índios de Viana, no Maranhão, deixou 20 feridos. Para o Conselho Indigenista, o inquérito da Polícia Federal trata os indígenas como criminosos, não como vítimas.
Indígenas da etnia Akroá-Gamela, do município de Viana, no Maranhão, pediram apoio à Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) para verificar a regularidade das investigações sobre o massacre contra a comunidade, ocorrido há mais de dois anos. Segundo as lideranças do grupo, o inquérito instaurado pela Polícia Federal apresenta graves irregularidades. O encontro, que também contou com representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), aconteceu nesta sexta-feira (23), na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília.
O conflito aconteceu em maio de 2017, após a retomada de terras pelos indígenas, quando 250 moradores da região atacaram um grupo Gamela com facões, pedaços de madeira e armas de fogo. Cerca de 20 índios foram feridos e dois deles tiveram as mãos amputadas. Segundo o Cimi, desde o início houve resistência por parte da polícia. “Foi muito difícil fazer o delegado escutar os indígenas. Ele afirmou que, no contato visual, não existia semelhança física com índios, e que não existe comunidade indígena constituída naquele território”, relatou representante do órgão.
O Conselho Indigenista ressaltou que os indígenas que tiveram as mãos amputadas no ataque não foram ouvidos no inquérito e que não houve perícia no local do crime. A partir daí, as peças que constituem o inquérito foram feitas de modo a criminalizar os indígenas, tratados como “supostos índios”. Por acreditar que a investigação está sendo conduzida de forma errada, o Cimi pediu à Justiça o trancamento do Inquérito Policial 0495/2017, que ainda não foi finalizado. O processo tramita na 1ª Vara Federal do Estado de Maranhão.
Para Antonio Bigonha, coordenador da 6CCR, o caso é gravíssimo, uma vez que, aparentemente, “existiu omissão e má condução por parte da Polícia Federal”. O subprocurador-geral da República informou que irá “realizar ação conjunta com a Câmara de Controle Externo da Atividade Policial para investigar a conduta dos policiais envolvidos no inquérito”.
Os indígenas afirmaram que o massacre foi arquitetado pelos moradores da cidade de Viana, que não reconhecem os direitos da comunidade indígena. Segundo eles, horas antes do ataque, houve um ato público no município, com a participação de um deputado federal maranhense. A chamada “Marcha da Paz”, anunciada inclusive por uma rádio local, incitou o ódio dos moradores. Em seu discurso, o parlamentar teria afirmado que o evento era para “gente ordeira, que nunca tinha visto um índio ali”.
Reconhecimento e segurança – Os indígenas relataram que, desde o início da retomada de suas terras tradicionais, em 2015, os Akroá-Gamela são alvo de ameaças de moradores, políticos e lideranças religiosas da região. Após o massacre, a violência e hostilidade contra os indígenas de Viana aumentaram. De acordo com o Cimi, o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos do Maranhão previu uma série de medidas protetivas e elaborou um plano de segurança, mas as medidas ainda não foram implementadas pelos órgãos envolvidos: Funai, Polícia Federal eSecretaria de Segurança Pública do Estado.
Os indígenas também demonstraram apreensão quanto ao reconhecimento das terras dos Akroá-Gamela por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai), solicitado em 2015, mas sem previsão de concretização. Em 2016, a Procuradoria Regional do Maranhão ajuizou ação civil em que requereu à Funai a adoção das providências necessárias para apresentação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) e das medidas para inserir os indígenas nos programas de serviços públicos específicos, especialmente de saúde. O coordenador da 6ª Câmara se comprometeu a acompanhar o cumprimento da decisão, favorável aos pedidos. “Enviaremos ofício para a Funai e para o Ministério da Justiça para que sejam vinculados os recursos necessários ao cumprimento da decisão nos autos da ação”, disse.
Bigonha asseverou ainda que a 6ª Câmara adotará medidas em relação à investigação do massacre e suas possíveis irregularidades, inclusive o envolvimento de agentes públicos. Além disso, afirmou que atuará junto aos órgãos responsáveis para garantir a segurança da população indígena na região.

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segunda-feira, 29 de julho de 2019

Chacina no Pará. Pelo menos 52 detentos são mortos em rebelião em Altamira.

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Informações ainda não confirmadas indicam que as duas facções envolvidas no confronto em Altamira, que resultou na morte de mais de 50 detentos, seriam o Comando Vermelho (CV) e e o Comando Classe A (CCA). http://
bit.ly/2GyAAWi.
Ao menos 52 detentos foram mortos nesta segunda-feira durante uma rebelião no Centro de Recuperação Regional de Altamira, no sudoeste do Pará, segundo informaram autoridades locais.
Nesta manhã, um grande tumulto tomou conta da instituição penitenciária devido a um confronto entre organizações criminosas, que teve início quando presos de um determinado grupo decidiram invadir a área de uma organização rival. Informações da Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará (Susipe) dão conta de que 16 vítimas teriam sido decapitadas. Outras morreram em razão de um incêndio iniciado pelos detentos.
O balanço atual não faz referência a nenhuma baixa entre agentes da segurança. Dois agentes penitenciários até chegaram a ser feitos de reféns, mas foram liberados. 
O massacre de hoje é o segundo maior do tipo neste ano de 2019, só perdendo para uma rebelião ocorrida há dois meses no estado do Amazonas, que resultou na morte de 55 pessoas.

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Associação questiona lei goiana que permite extrair amianto para exportação.



Segundo a ANPT, a lei estadual buscou impedir que o entendimento do STF sobre a proibição de extração do minério venha a atingir as operações da mina existente na cidade de Minaçu (GO).

A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6200) para questionar a Lei 20.514 do Estado de Goiás, do último dia 16 de julho, que autoriza em seu território a extração e o beneficiamento do amianto crisotila para exportação.
Lesividade
Na ação, a entidade afirma que a lei goiana afronta os direitos fundamentais à saúde, à proteção contra os riscos laborais e ao meio ambiente adequado, previstos na Constituição da República. Lembra que, no julgamento conjunto das ADIs 3937, 3470, 3357, 3356 e 4066 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 109, o STF declarou a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei federal 9.055/1995, que permitia a extração, o beneficiamento, o transporte, a industrialização e a exportação do amianto crisotila, e reconheceu a validade de leis estaduais de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco e de lei do Município de São Paulo que proíbem tais atividades econômicas em seus respectivos territórios. Na decisão, segundo a ANPT, o Supremo levou em consideração, entre outros pontos, o conhecimento científico consolidado há décadas a respeito da lesividade do amianto em todas as suas variedades e a inexistência de limites seguros para a exposição ao minério.
Minaçu
A intenção da Assembleia Legislativa de Goiás com a edição essa norma, resaslta a entidade, foi de permitir a continuidade da extração e do beneficiamento do amianto crisotila na cidade de Minaçu mesmo após a decisão do STF. A associação lembra, contudo, que a pretensão de continuidade do funcionamento da mina Cana Brava, localizada no município, está pendente de análise nos autos das ADIs 3406 e 3937, em sede de embargos de declaração. Segundo a ANPT, a iniciativa “configura não apenas imersão do Poder Legislativo na esfera do controle concentrado de constitucionalidade atribuído ao STF, como também nítida usurpação da prerrogativa concedida a este último de modular os efeitos das decisões proferidas em sede de controle de constitucionalidade, em evidente afronta ao princípio da separação de poderes”.
Pedidos
A entidade pede a concessão de liminar para suspender os efeitos da Lei estadual 20.514/2019 e, no mérito, sua declaração de inconstitucionalidade. O relator da ação é o ministro Alexandre de Moraes.
MB/AD.

domingo, 21 de julho de 2019

Governador sanciona lei que autoriza extração do amianto em Goiás.

Produção, venda e uso do produto, que é considerado cancerígeno, está proibida em todo país por decisão do STF.
Por Vitor Santana, G1 GO
O governador Ronaldo Caiado sancionou uma lei que autoriza a extração do amianto crisotila em Goiás. 
A produção, venda e uso de materiais com o produto está proibida em todo país pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pois ele representa risco à saúde.
A lei foi proposta pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador na quarta-feira (18). O amianto extraído servirá exclusivamente para a exportação, seguindo padrões internacionais de transporte.
O produto, usado na fabricação de caixas d’água e telhas, é considerado cancerígeno pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pode prejudicar o meio ambiente. Em Minaçu, no norte do estado, a mineradora que explorava o amianto na região está com as atividades paradas desde fevereiro. Em maio, todos os 400 funcionários foram demitidos.
Em nota, o governo disse que a lei tem efeitos imediatos “e não contém vício de iniciativa, visto que a decisão do Supremo não vincula o Legislativo, que é o autor do projeto de lei”. Além disso, explicou que a sanção atende o compromisso com a preservação dos empregos em Minaçu. Por fim, afirmou que ainda tenta, junto ao STF, uma alternativa à decisão.
O Supremo Tribunal de Justiça informou que “se a citada lei vier a ser questionada, o STF vai então decidir sobre sua constitucionalidade ou não”.
Por fim, a empresa Eternit, responsável pela extração de amianto em Minaçu, informou que não vai comentar a sanção da lei e que as atividades seguem suspensas.
Imagem: Extração de amianto em Minaçu está parada desde fevereiro — Foto: Reprodução/TV Anhanguera.

Pastoral Carcerária pede audiência à CIDH sobre massacre em Manaus.


à TorturaNotícias.

Diversas organizações sociais, dentre as quais a Pastoral Carcerária Nacional, protocolaram na última quinta-feira (11) um pedido de audiência temática à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), referente ao massacre ocorridos nos presídios privatizados em Manaus, que tiraram a vida de 55 pessoas presas.
O pedido aponta a negligência do Estado brasileiro em relação às mortes. “É importante pontuar que a narrativa construída pelas autoridades estatais de que as mortes foram inevitáveis ignora a omissão sistemática do Estado no que tange à sua responsabilidade pela garantia da integridade física e psíquica das pessoas aprisionadas”, diz o pedido.
Familiares ouvidas por uma equipe da Pastoral Carcerária Nacional que foram a Manaus após o massacre afirmaram que o Estado sabia que um massacre iria ocorrer, mas não fez nada.
“Eu culpo o Estado, porque eles não fizeram nada. Eles sabiam sim que ia acontecer massacre lá dentro (…) aconteceu de novo (…) só vive morrendo gente no presídio. Acontece muitas coisas lá dentro”, disse uma familiar.
“É difícil entender que o Estado está fazendo isso com a gente e a Umanizzare está assassinando a gente cada dia um pouquinho, nós e eles”, relatou outra familiar de pessoa presa.
As torturas e violações de direitos dos presos continuam, segundo outra familiar:
“Os nossos filhos são mal-tratados, todos os dias eles apanham, ficam no sol (…) tem gente com tuberculose, com pneumonia, várias doenças e todo mundo junto. Nossos filhos estão sendo humilhados, nossos filhos estão comendo comida estragada, cheia de caramujo, pelo de gato, nossos filhos estão sem água, eles tomam água do vaso sanitário, eles [agentes penitenciários] trancam todas as torneiras e eles tomam água só do vaso sanitário. Nossos filhos estão cheios de ferida, cheios de bactéria, a gente não pode entrar com um medicamento, que eles embargam, acham que a gente está entrando com droga. Como essa mãe, perdeu seu filho pelo Estado, ele estava guardado pelo Estado. E o que o Estado vai fazer por essa mãe?”
Não é crise, é projeto
Em 2017, após os massacres no sistema prisional ocorridos no Amazonas (56 mortes no Compaj, onde nesse ano os massacres se repetiram), Roraima e Rio Grande do Norte, o Estado Brasileiro foi chamado a uma audiência na CIDH. O projeto prisional denunciado naquele momento continua intacto, segundo o pedido enviado à Comissão.
“A manutenção da ‘crise’ – o tal estado de coisas inconstitucional – como forma de gestão vincula-se à ausência de uma política efetiva de enfrentamento à tortura. A falência dos instrumentos de prevenção e combate à tortura criados pelo Estado brasileiro expressa-se não só no fato de que as unidades prisionais de Manaus foram visitadas mais de uma vez pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e por outros atores de fiscalização, sendo que o acúmulo de relatórios e recomendações não teve o condão de impedir a produção de novas vítimas”, diz o documento.
O fato dos presídios serem administrados por empresas privadas, mais especificamente a Umanizzare, também é outro fator relatado no documento para a Comissão que agrava a situação do cárcere.
“A lucratividade sobre os corpos, isto é, a exploração comercial do sofrimento humano interfere nas políticas de segurança pública e na atuação de instituições policiais, legislativas e judiciais. Não por coincidência, o Estado do Amazonas possui um dos maiores índices de pessoas presas provisoriamente. Para empresas privadas, o que interessa é o aumento do encarceramento”.
As organizações solicitam, diante de todo esse cenário, que uma audiência temática na CIDH ocorra, que possa “viabilizar um espaço para escuta das denúncias de familiares e moradores da região sobre os fatos aqui denunciados, e a situação das unidades prisionais após o massacre”, com a presença do Estado brasileiro e de representantes da empresa administradora das unidades prisionais do Amazonas.

sábado, 20 de julho de 2019

As questões ambientais do novo Plano Diretor de São Luís.

Vereador Honorato Fernandes
Por Honorato Fernandes
Em nosso artigo desta semana daremos continuidade às questões importantes que temos que ficar atentos no que propõe a Prefeitura de São Luís no novo Plano Diretor, que será debatido na Câmara Municipal de São Luís, em agosto, na volta do recesso. Nesta semana, trato das questões ambientais, de forma mais específica, que estão em jogo na adaptação do Plano Diretor de 2006.
Pelo que propõe o município, serão reduzidas áreas de dunas, de recarga aquíferas além de outras áreas de proteção ambiental como o Sítio Santa Eulália e uma extensa área do Maracanã.
Em um governo de um partido de esquerda, como o de São Luís, que é do PDT, é inadmissível reduzir áreas que mexerão com o meio ambiente. Assim, em São Luís, o PDT age de forma diferente do que prega e combate nacionalmente diante das intenções do governo de Jair Bolsonaro de mexer em questões ambientais.
Em números, o novo Plano Diretor vai reduzir em mais de 11 hectares as áreas de dunas. As reservas aquíferas também não deverão ser poupadas e isto agravará um problema já antigo enfrentado pelos ludovicenses: a falta d’água nas torneiras das residências. Porque mexendo em reservas aquíferas, mexe em 40% da água que consumida na capital que vem do subsolo da Ilha.
Os vereadores de São Luís, a sociedade e as entidades em geral precisam ficar atentos a todos os problemas que surgirão com esta proposta preocupante da Prefeitura de São Luís. Como já dito no artigo anterior, a redução da área rural atingirá ainda milhares de famílias que tiram seu sustento da terra que moram e do rio que pescam. Somando a redução de mais de 20 mil hectares o resultado é prejuízo social e ambiental. E tudo isto para aumentar a arrecadação do município, contribuir com a exploração imobiliária e ainda abrir as portas da ilha para atividades industriais que vão de encontro com a condição do solo da nossa cidade.
Continuarei neste meio aqui como também nas redes sociais – acredito eu que um dos meios mais democráticos de debate com a sociedade – e também em reunião com as comunidades da Zona Rural chamando atenção para as armadilhas que estão sendo colocadas pela Prefeitura de São Luís para prejudicar todos nós de São Luís. A luta já está em campo e nossa missão é tentar vencer esta que será uma guerra.

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Sem merenda: quando férias escolares significam fome no Brasil.

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48953335?ocid=socialflow_twitter
O pano de prato vermelho adorna há dias a tampa do fogão e não existe expectativa de que ele seja retirado dali em breve: não há comida para preparar no barraco em que Alessandra, de 36 anos, mora com cinco filhos – o mais velho de nove anos e o menor de 16 dias. As crianças, em férias escolares, pulam e correm agitadas, se escondem entre as vielas, e Alessandra sabe que em breve chegará o momento em que elas vão pedir para almoçar.
“Me corta o coração eles quererem um pão e eu não ter. Já coloquei os meninos na escola pra isso mesmo, por causa da merenda. Um pouquinho de arroz sempre alguém me dá, mas nas férias complica”, afirma Alessandra, que, desempregada, coleta latinhas na favela de Paraisópolis, em São Paulo, onde mora. No dia da entrevista à BBC News Brasil, os filhos de Alessandra iriam recorrer à casa da avó para conseguir se alimentar.
O drama de Alessandra não é incomum. As férias escolares – quando muitas crianças deixam de ter o acesso diário à merenda – intensificam a vulnerabilidade social de muitas famílias em todo o país. Embora variem em conteúdo e qualidade – às vezes são apenas bolacha ou pão, em outras, são refeições completas de arroz, feijão, legumes e carne – as merendas ocupam função importante no dia a dia de certos alunos. Para essas crianças, nos períodos sem aulas é que a fome, uma ameaça ao longo de todo ano, se torna uma realidade a ser enfrentada.
No Paranoá Parque, conjunto habitacional do Minha Casa Minha Vida que fica a 25 minutos de distância do Palácio do Planalto, em Brasília, as crianças passam os dias livres empinando pipa, de estômago vazio. “No final da tarde, elas me pedem, ‘tia, tem um pãozinho aí para mim?’ Se chega pão de doação, acaba tudo em um minuto”, conta Maria Aparecida de Souza, líder comunitária no bairro.
Foi ali que, em 2017, um menino, na época com oito anos, desmaiou de fome durante as aulas e virou notícia nacional. Ele estudava em um colégio a 30 km de distância de sua casa, onde recebia como refeição apenas bolacha e suco. De lá para cá, a situação dos quase 30 mil moradores da área não parece ter melhorado.
“É muito desemprego, mães com cinco, seis ou oito filhos que não têm nada dentro de casa. Nem mesmo colchão, gás para cozinhar ou cobertor para este frio. Nas férias, algumas mulheres não têm o que dar aos filhos. Tenho 48 anos, sempre trabalhei nisso (assistência comunitária), e nunca vi a coisa tão ruim quanto está agora. Temos aqui no bairro 285 famílias em situação de miséria total”, diz Souza.

‘Se eu pagar a prestação da casa, não temos o que comer’

Embora não haja estudos nacionais que indiquem o tamanho da insegurança alimentar durante o período de férias escolares, uma série de indicadores comprova a evolução da pobreza no país e o modo como ela incide sobre as crianças.
De acordo com a Fundação Abrinq, que fez cálculos a partir de dados do IBGE, 9 milhões de brasileiros entre zero e 14 anos do Brasil vivem em situação de extrema pobreza.
O Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional do Ministério da Saúde (Sisvan) identificou, no ano retrasado, 207 mil crianças menores de cinco anos com desnutrição grave no Brasil.
A mais recente pesquisa de Segurança Alimentar do IBGE, de 2013, apontava que uma a cada cinco famílias brasileiras tinha restrições alimentares ou preocupação com a possibilidade de não ter dinheiro para pagar comida.
Se a pesquisa fosse feita hoje, a família da faxineira Marinalva Maria de Paula, de 57 anos, se enquadraria nessa condição. Com uma renda de R$ 360 mensais para três adultos e uma criança, ela se vê cotidianamente frente a decisões dramáticas:
“Se eu pagar a prestação do apartamento ou a conta de água, não temos o que comer. Quando a situação aperta, prefiro dar comida pra minha neta e durmo com fome”, conta Marinalva, que teme despejo do prédio do Conjunto Habitacional (COHAB) em que mora, em São Paulo, por falta de pagamento do valor do imóvel e do condomínio.
A vasilha de arroz funciona como um termômetro da aflição de Marinalva: no dia da entrevista, restavam apenas dois dedos de cereal no pote. Com as férias da criança, de 3 anos, a comida que avó consegue manter nos armários acaba mais cedo e é preciso partir em busca de doações. O fenômeno que acontece na casa da faxineira já havia sido identificado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) em 2008, quando um terço dos titulares do Bolsa Família declaravam em pesquisa que a alimentação da família piorava durante as férias escolares.
“Quando minha filha me deu essa neta pra criar, ela me disse: ‘mãe, ou você pega a menina, ou eu vou matar ela de fome’. Eu aceitei e agora estou nessa situação. Passo as noites acordada pensando, vou vivendo de pinguinho. Minha neta levanta de manhã e quer o pão dela, e eu me viro e me rebolo, porque na escola ela recebe, e em casa eu não posso dizer pra ela que não tem pão.”
Marinalva não consegue emprego formal há quatro anos. Ela está muito longe de atingir a renda mínima familiar, estimada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em R$ 4.214, 62, para suprir sem carências as necessidades com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência dos quatro integrantes da casa. O valor, calculado em julho, equivale a quatro vezes o salário mínimo atual, de R$ 998.

Fome e obesidade nas escolas públicas

Na outra ponta do problema, professores e gestores escolares em diferentes partes do país confirmaram presenciar situações de fome à BBC News Brasil. A pedido dos profissionais, alguns entrevistados não serão identificados para não expor ou estigmatizar escolas e alunos.
“De fato há uma crise no país, e a percepção de que o aluno vai para a escola para comer é real, a gente é que aproveita a ida dele para ensinar”, afirmou Maria Izabel Noronha, presidente do sindicato dos professores da rede estadual paulista (Apeoesp) e deputada estadual (PT-SP).
Na favela carioca do Complexo da Maré, a coordenadora do Projeto Uerê, Yvonne de Mello, que oferece refeições e aulas complementares a alunos de 6 a 18 anos, corrobora as palavras de Maria Izabel: “Neste ano e no ano passado, tenho recebido crianças que não conseguem aprender de maneira nenhuma. Não porque têm deficiência mental, mas porque não se alimentaram direito. Tive duas crianças no Uerê que desmaiaram. (A criança) começa a passar mal, a vomitar. Quando vai ver, não houve alimentação no dia anterior”, relata.
Na periferia de Belém (PA), Lilia Melo, professora do ensino médio, conta que a colônia de férias da escola pública onde ensina ganhou adesões depois que passou a oferecer lanches.
“Esses dias, servi bolo com suco e vi um dos alunos levantando em direção a sua mochila. Depois percebi que ele deixou de comer para guardar para mais tarde. Perguntei por que, e ele não disse nada. Dei mais um pedaço e ele comeu. Na saída ele revelou: ‘professora, tô levando pro meu irmão’. Ele tem um irmão de quatro anos. Então, há aqueles que levam ‘para mais tarde’, mas que no fundo querem garantir para seus familiares.”
Iniciativa de 2010 em Belo Horizonte que ofereceu merenda a crianças durante as férias
https://racismoambiental.net.br/2019/07/15/sem-merenda-quando-ferias-escolares-significam-fome-no-brasil/
Image captionNove milhões de crianças brasileiras entre zero e 14 anos do Brasil vivem em situação de extrema pobreza; acima, iniciativa de 2010 em Belo Horizonte que ofereceu merenda a alunos durante as férias
Em escolas de São Paulo, a insegurança alimentar aparece mesmo durante o ano letivo, após poucos dias sem aula. “Percebo que na segunda-feira os alunos chegam com muita fome, não comeram o suficiente no fim de semana. O cardápio da segunda não é um dos preferidos deles, mas, ainda assim, as crianças comem mais do que a média dos outros dias”, afirma o diretor de uma unidade de ensino na zonal sul.
Um professor da rede pública paulistana relembra o caso de uma aluna do período noturno que, sem comida em casa, trazia o filho menor para também se servir da merenda. “Com certeza algumas crianças no período de férias ficam desprovidas de uma refeição”, conclui.
“Testemunhos de pessoas em áreas de vulnerabilidade social realmente indicam que (a merenda escolar) acaba sendo a garantia de consumo mínimo de alimentos durante o ano letivo para parte das crianças”, explica à reportagem Elisabetta Recine, professora e coordenadora do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília.
“Considerando as projeções de que a pobreza e extrema pobreza devem aumentar, as crianças devem sofrer as consequências disso.”
Simultaneamente à fome, há outro problema a ser enfrentado: as crianças brasileiras estão cada vez mais obesas, incluindo as de baixa renda. O excesso de peso não revela uma alimentação de qualidade. É, na verdade, sinal do contrário disso – há um aumento expressivo do consumo de alimentos baratos e ultraprocessados, ricos em calorias mas pobres em nutrientes, aponta um estudo publicado neste mês pela Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e o Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fiocruz Bahia.
Com isso, uma parte ainda pequena, mas preocupante das crianças de baixa renda, enfrenta uma dupla carga: a desnutrição aliada à obesidade.
“A obesidade tem crescido e vem atingindo cada vez mais a população menos favorecida socioeconomicamente”, diz em comunicado Natanael Silva, um dos autores da pesquisa.
“A insegurança alimentar transcende a quantidade de comida”, agrega Maria Paula de Albuquerque, pediatra nutróloga do Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren), entidade que atua em São Paulo.

Desnutrição atrapalha o ensino?

Para evitar que alunos famintos tenham dificuldade de aprendizagem, algumas escolas instituem um rápido lanche antes do início das aulas, assim as crianças conseguem esperar pelas refeições sem perder o foco no conteúdo em classe.
Diferentes pesquisas acadêmicas indicam que o acúmulo de deficiências nutricionais – seja causado pela fome, seja pelo consumo de alimentos de baixa qualidade – pode causar impacto na habilidade de aprendizado infantil.
“É difícil afirmar que a nutrição seja a causa específica e única de problemas no desenvolvimento infantil, quando a criança sofre também com um sistema educacional que não é adequado e com a falta de estímulos. Mas é um entre tantos fatores desse ciclo de pobreza cruel”, aponta Albuquerque.
Ela ressalta, porém, que esse ciclo pode ser rompido, permitindo que mesmo crianças em situação de extrema vulnerabilidade atinjam seu potencial. “Ainda que viva em situações adversas, a criança é um infinito de possibilidades. Seu cérebro tem enorme plasticidade para absorver novos hábitos. É importante, porém, fortalecer também quem cuida delas. Não conseguimos melhorar a condição de uma criança sem melhorar também a situação de sua família.”
* Colaborou Amanda Rossi.