terça-feira, 19 de janeiro de 2016

A CONSTRUÇÃO DA ÁGORA VIRTUAL*

Celso Candido
 
 
"Como Hércules, ele se encontrava, não entre o vício e a virtude, mas entre a mediocridade de um bem-estar assegurado e todos os sonhos heróicos de sua mocidade."
Stendhal

"Onde quer que haja divórcio entre o conhecimento e a ação, deixa de existir espaço para a liberdade."
Hannah Arendt
  
 Introdução
  
Ágora era a praça pública onde os antigos gregos atenienses reuniam-se para debater e deliberar acerca de suas questões políticas. Era ali que tomava corpo aecclèsia, a assembléia dos cidadãos para decidirem sobre os destinos de sua pólis, da sua cidade.  

Este trabalho pretende fundamentar a idéia de que entramos em uma época na qual poderemos reviver o sentido político daquela Ágora. Com este objetivo procuraremos, em um primeiro momento, estabelecer as premissas conceituais e condicionais segundo as quais a democracia é caracterizada e pode ser realizada. Depois, tentaremos situar os diferentes contextos de sentido a partir dos quais a democracia foi e é pensada - antigo, moderno contemporâneo
Isto feito, passaremos a consideração do debate atual em torno das formas da democracia, tal como elas se apresentam, como democracia direta ou como democracia representativa. Por fim, de posse da verdadeira significação da democracia, debateremos os argumentos contrários e favoráveis à instituição efetiva da democracia como forma de governo no contexto das transformações em curso em nossas sociedades. 
  
§ 1. A democracia é uma forma de governo em respeito da qual se diz existirem três princípios fundamentais os quais a caracterizam.  

Em primeiro lugar, a democracia é uma forma de governo onde o povo exerce, ele mesmo, o poder. A própria formação da palavra "democracia" indica a definição. Demos significa povo cracia significa poder, logo, democracia é o poder do povo. Ou, como diz Aristóteles, cidadão é aquele que tem o poder de deliberar e interferir no "poder público de sua pátria" e este tipo de cidadão é encontrado na democracia. A democracia busca o interesse da maioria e é governado pela maioria. Pertence à assembléia decidir sobre a paz e a guerra, fazer alianças ou denunciá-las, fazer leis e revogá-las, decretar a pena de morte, o desterro e o confisco, assim como pedir contas aos magistrados. Há, no entanto, várias formas de tomar deliberações. Quando todos participam se trata da democracia. (Aristóteles, Tratado da Política, Livro IV) 

Em segundo lugar, a democracia é um regime que se define conforme a liberdade, diferentemente da aristocracia e da oligarquia as quais se definem respectivamente pelo mérito e pela riqueza. A democracia é um governo no qual governam as pessoas livres em maioria. A democracia tem, pois, como fundamento a liberdade. A liberdade é mandar e obedecer, cada um por sua vez. Se houvesse uma raça melhor em todos os sentidos e o resto do povo fosse inferior, seria preciso que esta raça governasse eternamente. Sendo isto porém pouco provável, é preciso que os cidadãos mandem e obedeçam alternadamente. Sem condições semelhantes é impossível que exista igualdade. Um governo para ser duradouro precisa se constituir sobre este princípio. A alternância no mando e na obediência é o primeiro atributo da liberdade. O segundo é viver como se quer. (Aristóteles, Op. Cit., Livro IV) 

Em terceiro lugar, a democracia é um regime de igualdade de direitos, ou como diz Aristóteles, o princípio segundo o qual "unanimemente se fundam" as democracias "é o direito que fazem resultar da igualdade numérica".(Aristóteles, Op. Cit., p. 136) Sem este princípio da igualdade é impossível falar de democracia, pois o poder deve ser exercido por todos e cada um deve ter o mesmo peso na deliberação. Daí resultam as máximas democráticas aristotélicas: 
"1. que todos têm direito de escolher entre todos os seus magistrados;  
"2. que todos têm poder sobre cada um e que cada um deve, por sua vez, mandar nos outros;  
"3. que se devem tirar à sorte os magistrados, ou todos sem qualquer excepção, ou, pelo menos, aqueles cuja tarefa não têm necessidade nem de saber, nem de experiência;  
"4. que nisto não é preciso ter qualquer preocupação com a sorte, ou que, então, mesmo a menor bastará;  
"5. que não se deve conferir a mesma magistratura mais de uma vez à mesma pessoa, ou, pelo menos, que raramente e em relação a muito poucos cargos isso se deve fazer, caso não se trate de cargos militares;  
"6. que todos os cargos devem ser de curta duração ou, pelo menos, todos os cargos em que esta duração breve se mostrar conveniente;  
"7. que todos devem passar pelo poder judicial, qualquer que seja a classe a que pertençam, e devem conhecer todos os assuntos, qualquer que seja a sua matéria, quer se trate de causas da maior importância para o Estado, tais como são as contas e a censura dos magistrados, ou a reforma do governo, que, da mesma maneira, quando se trate de convenções privadas;  
"8. que a Assembléia geral é senhora de tudo e os magistrados de nada; ou que, pelo menos, só a Assembléia tem poder de decisão sobre os interesses principais e que aos magistrados só pertencem os assuntos de pequena importância (...)." (Aristóteles, Op. Cit., p. 136)
Assim, estabelecida a democracia como forma de governo onde os princípios fundamentais de sua instituição são o exercício do poder pelo povo, liberdade e a igualdade, passaremos a considerar as condições segundo as quais a democracia pode ser ou não uma boa forma de governo. 
  
§ 2. O fato de todos participarem das deliberações públicas não significa necessariamente que tais deliberações sejam automaticamente as melhores. É preciso, pois, pensar quais são as condições segundo as quais os cidadãos poderão tomar as melhores decisões.  
Ora, a questão da política é a construção da melhor forma de governo. A melhor forma de governo é aquela capaz de realizar o sumo bem. O sumo bem é a felicidade pública, o maior e melhor de todos os bens. (Aristóteles, Ética a Nicômaco, Livro I). Para isto, é evidente que as deliberações devem ser as melhores, pois a melhor forma de governo sempre será aquela que toma as melhores decisões. As melhores decisões serão sempre aquelas tomadas no sentido de promover o bem público universal. A democracia é a forma de governo segundo a qual as melhores decisões visam assegurar o bem estar e a felicidade da maioria dos cidadãos da polis. 
Duas, pelo menos, são condições indispensáveis para dar forma a uma cidadania capacitada a tomar boas decisões. Em primeiro lugar, é preciso que os cidadãos possuam tempo livre para debater e deliberar. Em segundo, é preciso que eles possam dedicar-se à suapaidéia, a sua formação.  

Assim, formação e tempo livre são condições indispensáveis na ecclèsia, na assembléia deliberativa. A deliberação implica em análise, reflexão, debate. Sem tempo livre o cidadão é impedido de ouvir e argumentar, suas decisões são naturalmente precipitadas, instintivas. Da mesma forma, um cidadão pouco ou mal formado tem maiores dificuldades de raciocínio e clareza; sem esclarecimento a tendência é deliberações imprudentes, erradas. É assim, pois, que a cultura assume o caráter de prioridade em toda boa e saudável constituição estatal. Uma democracia sem a necessária prioridade da cultura não seria mais do que demagogia, pois é fácil enganar um povo quando este não tem cultura nem pode conhecer as tradições nas quais deveria espelhar-se. 

É evidente, pois que, para a democracia realmente ter seu direito à existência, uma série de condições subjetivas devem esta pressupostas. É assim que o imagina Freud, por exemplo, quando falava que um novo tipo de sociedade implicaria na educação das gerações nascentes em um outro sentido. (Sigmund Freud, Mal Estar da Civilização) Era também o que pressupunha Aristóteles quando falava da formação do cidadão, em que este, para ser um bom cidadão precisaria ser educado desta ou daquela forma, e que, sobretudo, deveria ser virtuoso e, para isto, a educação necessitaria ser uma das preocupações centrais da ciência política. (Aristóteles, Tratado da Política, Livro IV) 
  
§ 3. Estando definidas as premissas, por assim dizer, teóricas e práticas da democracia, passaremos a considerar o modo como estas idéias estão associadas aos distintos momentos na história política da civilização. Neste sentido, procuraremos orientar nosso debate no contexto de três grandes períodos civilizatórios. O antigo, tendo como referência os modelos paradigmáticos da Grécia antiga, em especial, de Atenas do século V a.C. e as filosofias políticas de Aristóteles e Platão. O moderno tendo como base as sociedades que situam-se no período industrial, iniciadas com as revoluções modernas (americana, inglesa, francesa e russa) e as teorias contratualistas e o ideal de esclarecimento, entre outros, Rousseau, Locke, Kant. E, por último, o período contemporâneo o qual alguns chamam depós-moderno ou pós-industrial ou ainda sociedade informática ou "terceira onda" e alguns de seus teóricos, Lyotard, Schaff, Toffler, P. Lévy, Negroponte, Bill Gates, entre outros. 

Para os antigos a democracia não aparecia como uma boa forma de governo, na medida em que ela governava para a maioria e não para todos. O que definia um bom governo, para Aristóteles ao menos, era a idéia de uma justiça política a qual pretendia que o bom governo fosse um governo bom para todos. Para a modernidade, ao contrário, a democracia aparece como o governo bom por excelência. Será preciso notar duas diferenças que permitem estas diferentes abordagens.  

Em primeiro lugar, no contexto das sociedades antigas, a necessidade de restrição da liberdade e as relações de hierarquia social entre senhor e escravo são encaradas com naturalidade. Não há nenhuma má consciência relativamente à escravidão. Aqueles que possuíam a força física deveriam ter alguém que lhes desse direção espiritual. E aqueles que possuíam força espiritual precisavam daqueles que tinham a força física. Senhor e escravo não constituíam uma antinomia nem conceitual nem social, ao contrário, eram complementares e necessários um ao outro. (Aristóteles, Op. Cit., p.12)

A modernidade, entretanto, criou uma significação imaginária revolucionária segundo a qual todos os seres humanos são iguais por natureza, ou seja, a igualdade é uma condição própria ao gênero humano enquanto tal. Assim, por exemplo, para Locke, o estado em que os seres humanos se encontramnaturalmente é: 
"(...) de igualdade, no qual é recíproco qualquer poder e jurisdição, ninguém tendo mais do que qualquer outro; nada havendo de mais evidente que criaturas da mesma espécie e da mesma ordem, nascidas promiscuamente a todas as mesmas vantagens da natureza e ao uso das mesmas faculdades, terão também de ser iguais umas às outras sem subordinação ou sujeição (...)" (John Locke, Segundo Tratado sobre o Governo, p. 41)
Esta igualdade por natureza deve, por sua vez, gerar um princípio social, o de igualdade diante da lei e do estado. É a igualdade social. 
Assim, uma vez estabelecido este princípio de igualdade, torna-se evidente que a forma de governo apropriada a este princípio é a democracia a qual, como vimos, tem como um de seus princípios elementares a idéia de igualdade entre os cidadãos. A democracia antiga era uma democracia dos cidadãos livres, enquanto a democracia moderna é uma democracia para todos. 

Em segundo lugar, a democracia ganhou na modernidade uma significação teórica singular e distinta da antigüidade. Enquanto para esta a democracia era uma dentre as "seis" formas de governo propostas por Aristóteles, para a modernidade a democracia é a forma política segundo a qual as sociedades enfrentaram o terrível monstro do totalitarismo político. A oposição não é necessariamente entre boas e más formas de governo, mas antes entre liberdade autoritarismo. (Bobbio, Norberto. O Futuro da Democracia.) 

Como diz Hannah Arendt, a liberdade é o elemento que fundamenta a existência da própria política: 
"(...) nenhuma causa subsiste, afora a mais antiga de todas, aquela que, de fato, desde o início de nossa história, tem determinado a própria existência da política, a causa da liberdade contra a tirania." (Hannah Arendt, Da Revolução, p. 9)
Para os antigos o humano é um ser naturalmente político. Para os modernos, naturalmente, os humanos se encontram em estado de guerra ou de natureza. Para os antigos, o estado de guerra não é um estado a ser negado na constituição efetiva do Estado, mas um estado de coisas dado e, ao contrário dos modernos para os quais o Estado Civil é constituído justamente para evitar o estado de guerra existente entre os indivíduos, para os primeiros o Estado é uma criação originária daqueles que fazem a guerra e justamente precisam do estado para viverem bem em meio a guerras. 

O estado aí é condição imposta aos humanos enquanto seres dependentes uns dos outros e enquanto seres que vivem e fazem a guerra. Este era, com efeito, a causa determinante - o estado de guerra permanente no qual viviam os antigos - a partir da qual se justificava o primado político elementar das sociedades antigas. O dado fundamental era a guerra, a rapinagem. Tal era o modo de produção a partir do qual acontecia a apropriação antiga. O dado moderno, ao contrário, é o comércio. Não necessariamente a guerra, mas um modo de apropriação que pressupõe o comércio altamente desenvolvido. O comércio nas sociedades antigas é marginal. Nas modernas é central como modo de apropriação. O "contrato social" moderno é a saída do humano do estado de guerra. Isto determina sem dúvida um grau de liberdade individual muito maior do que a possível na antigüidade guerreira. Aí, a liberdade individual era absolutamente dependente da liberdade pública, ou seja, de que o Estado, antes, fosse ele livre de expropriações por outros estados guerreiros. É por isto que "liberdade" para os antigos significa, segundo Aristóteles, saber "mandar e obedecer", enquanto para os modernos a liberdade significa "usufruir" de sua vida privada. (Benjamin Constant, Da Liberdade dos Antigos comparada ao dos Modernos, passim) 

A modernidade, assim, definiu a política como atividade essencialmente burocrática-administrativa, ou seja, como atividade técnica separada do corpo da sociedade civil. O Estado passa a ser uma instânciaoutra do corpo dos cidadãos. Para a antigüidade ateniense o Estado era "a universalidade de seus cidadãos". (Aristóteles, Op. Cit., Livro III) Na modernidade o coletivo dos cidadãos é uma instância completamente diferente do Estado. 
Os cidadãos ficaram restritos à esfera do mundo privado, dokosmos idios, enquanto o Estado ficou responsável pela do mundo público, do kosmos kóinos. Os cidadãos são chamados apenas para votar a cada período de tempo. Em seguida, retornam para seus afazeres privados. Assim, o Estado, enquanto instância tornada autônoma do corpo dos cidadãos, ouve os cidadãos e então volta a ser a instância que cuida da "coisa pública", em nome daqueles. O Estado moderno é essencialmente representativo. 
A sociedade contemporânea, por sua vez, é uma sociedade universal e complexa. São inúmeros os fatores que entram em campo e que determinam o modo de ser do social. Os movimentos são dinâmicos, heterogêneos. O melhor governo será aquele que instituir um modo de ser capaz de respeitar as diferentes autonomias em jogo no campo social. Ela é uma sociedade diferente das sociedades antiga e moderna. A emergência do que se passou a chamar de cyberspace, o espaço cibernético, coloca a sociedade atual sob um novo eixo de tempo e espaço. As sociedades antigas eram sociedades eminentemente guerreiras. As sociedades modernas foram caracterizadas por um novo modo de produção e apropriação, respectivamente, o industrial e o comercial pacíficos. A grande revolução industrial moderna marca um ciclo absolutamente novo na história da civilização e torna possível a emergência das sociedades de massas. Não se faz mais prioritariamente a guerra ou se planta (como nas sociedades agrícolas), faz-se indústrias. Assim, o modo de dominação de um país relativamente ao outro é sua posição no interior da lógica industrial.  
Nossa atualidade anuncia uma época até então insondável para a civilização. Estamos entrando no marco de uma sociedade na qual o computador, como principal meio técnico do fazer (theukein) social, está transformando grande parte das relações sociais, políticas, culturais, econômicas, memoriais.  
Alvin Toffler fala de uma "terceira onda", Pierre Lévy de "espaço cibernético", Nicolas Negroponte de "vida digital", Bill Gates de "estrada da informação", Adam Schaff de "sociedade informática", outros, ainda, a chamam "pós-industrial", "pós-mídia" ou também "sociedade do conhecimento". Seja como for, o que é certo porém é que vivemos o espanto de uma nova época que se anuncia por todos os cantos. 
As fronteiras não são mais facilmente delimitadas. As noções tradicionais de tempo e espaço estão se alterando. A memória e o conhecimento ganham uma dimensão cibernética universal. Podemos nos comunicar com o mundo todo desde nossas casas. (O que define a singularidade da organização política do "animal humano", segundo Aristóteles, é o uso distintivo que fazemos da linguagem. Ela é nosso dado social elementar.) A antiga praça pública está se transformando em praça virtual planetária. Toda a questão do ponto de vista político será como organizar os debates e as tomadas de decisões a partir destes meios técnicos cibernéticos que são os computadores e supercibernéticos que são as redes de computadores, tais como a Internet, por exemplo. Sem dúvida, a Internet é um dos acontecimentos político-culturais mais significativos deste final de século e está revolucionando completamente as formas de produção, distribuição e consumo da informação e do conhecimento - as principais mercadorias da sociedade pós-industrial. 
O verdadeiro impacto destas novas "tecnologias da inteligência", como chama Pierre Lévy, ainda está por vir. Os produtos digitais destas tecnologias são cada vez mais acessíveis - contrariando aliás a tendência mundial inflacionária, tais produtos são praticamente os únicos em que os preços não apenas não sobem, mas caem vertiginosamente. O efeito "bola de neve" está apenas começando (ao menos nos países atrasados, tal como o Brasil). A médio prazo, o fluxo de informações pela Internet será tão intenso e ela será provavelmente o principal lugar de comunicação e informação da cidadania. Os monopólios da informação perderão muito de sua influência, pois com os novos meios técnicos digitais interativos de comunicação e informação, o antigo sujeito passivo da informação de massa, passa a ser ativo neste novo ambiente digital - cada um é um emissor e um receptor de informação. Trata-se da informação e do conhecimento "interessados". Entretanto, o verdadeiro impacto acontecerá quando o computador for para cada um o que é hoje, por exemplo, o rádio ou a televisão. Se a queda de preços dos computadores continuar nesta espiral vertiginosa, em breve, um bom computador custará o preço de uma boa televisão - e o computador será um produto, tal como a televisão, de massas. E então, faltará apenas as políticas governamentais (e neste caso é bom considerar também as iniciativas privadas) capazes de criar as "superestradas da informação" por todas as cidades. Isto é uma questão de tempo, pois trata-se de um processo irreversível. Aqueles países, estados ou cidades que enfrentarem com lucidez tais questões, não poderão deixar de tomar iniciativas imediatas no sentido de promover esta superestrada, condição do que estamos chamando a Ágora Virtual. Com efeito, esta Praça Pública digital oferecerá não só a possibilidade do exercício do poder público do Estado (e, em certa medida, inclusive internacional, a expressão máxima da cidadania ecológica - o "cidadão do mundo"), mas colocará à disposição de todosgrandes riquezas culturais, tais como a "memória cibernética" e o "conhecimento acumulado" de todas as gerações, condição sem a qual também a democracia mesma jamais poderá ser uma boa forma de governo.  
  
§ 4. Considerando, pois, as premissas teóricas e conjunturais até aqui debatidas, passaremos agora a enfrentar um dos debates contemporâneos mais importantes em torno da questão da democracia. Trata-se da questão das diferentes formas da democracia. 

Boa parte destes debates (bem como os acontecimentos políticos mais importantes da modernidade a revolução industrial, americana, francesa e russa) situa a discussão a este respeito em torno de duas formas da democracia mais ou menos contraditórias. Estas formas do exercício do poder democrático, são: a democracia representativa e ademocracia direta. Todos os teóricos do problema democrático se dividem preferencialmente entre partidários de uma ou outra forma. Tanto uns como outros reivindicam, por assim dizer, a verdade democrática própria em suas teses, na medida em que pretendem, uns que a democracia só pode ser entendida como democracia direta, ou seja, como governo exercido diretamente pelo próprio povo, outros, por entenderem que nas condições das sociedades complexas de massas, dos grandes Estados territoriais, a única forma de democracia possível é a representativa, ou seja, aquela em que o povo delega o poder a seus representantes. 

Para podermos seguir adiante em nosso trabalho, seria importante definirmos, ainda que esquematicamente, o conceito de democracia direta e o de democracia representativa. Em seguida, confrontaremos as duas definições no contexto de nossas sociedades contemporâneas. Deste confronto deverá resultar um reconhecimento adequado e verdadeiro da democracia e dos caminhos de sua construção. 

democracia direta poderia ser definida como o exercício direto do poder político. Cada cidadão teria o direito, ou a liberdade, de participar diretamente das decisões políticas de seu Estado. Ainda que possam subsistir secundariamente uma ou outra forma de representação política, a forma da democracia direta pressupõe essencialmente esta regra de participação direta do cidadão no poder público. Não há delegados eleitos para legislar, ou julgar, enfim, para deliberarem nome dos cidadãos, mas são os próprios cidadãos que legislam, julgam, deliberam em nome próprio, por si e para si mesmos. É sob este ponto de vista que a questão da democracia é, por sua vez, em um certo sentido, a questão da autonomia, ou seja, a questão da auto-instituição da sociedade, pois é apenas no campo de um regime democrático que o exercício da autonomia individual e coletiva pode ser o "princípio supremo" de uma determinada sociedade. Vejamos, para ilustrar e aprofundar esta definição, algumas idéias de Cornelius Castoriadis a respeito da polisgrega e da democracia: 
"O coletivo dos cidadãos - o dèmos - proclama-se absolutamente soberano: ele se rege por suas próprias leis (autonomos), possui sua jurisdição independente (autodikos) e governa-se a si mesmo (autotélès)..."  
"A participação se concretiza na ecclèsia, Assembléia do Povo, que é o corpo soberano efetivo. Nela, todos os cidadãos têm o direito de tomar a palavra (isègoria), suas vozes têm cada qual o mesmo peso (isopsèphia) (...) Mas a participação se dá também nos tribunais, onde não há juizes profissionais e a quase totalidade das cortes são formadas de júris, sendo os jurados escolhidos por sorteio." (Cornelius Castoriadis,Encruzilhadas do Labirinto II, "A polisgrega e a criação da democracia", p. 294/5)
É natural que, dentro desta idéia geral de democracia direta, esteja implicada a noção de um Estado absolutamente diferente do Estado moderno o qual, como vimos, é um Estado apartado da sociedade civil e que representa esta mesma sociedade. Para Aristóteles, ao contrário, o Estado era "a universalidade dos cidadãos". Com efeito, somente sob este pressuposto do Estado como pertencendo e como atividade política própria aos cidadãos, é que a idéia de democracia direta tem sentido, pois que, o próprio Estado é formado pelos cidadãos. Castoriadis: 
"Não se deve esquecer que a grande filosofia política clássica ignorava a noção (mistificadora) de "representação". Para Heródoto, como para Aristóteles, a democracia consiste no poder do dèmos, poder que não sofre nenhuma limitação em matéria de legislação, e na designação dos magistrados (não de "representantes"!) por sorteio ou rodízio." (Cornelius Castoriadis,Op. Cit., p. 295/6)
A idéia de democracia direta está ligada, também, à idéia de que o próprio povo, a comunidade dos cidadãos, é capaz de deliberar sobre todos osassuntos de caráter político, ainda que esta decisão implique determinados domínios "técnicos". Assim, Castoriadis, ainda comentando a democracia grega, diz: 
"A concepção que os gregos tinham dos "experts" está ligada ao princípio da democracia direta. As decisões relativas à legislação, e também aos assuntos políticos de importância - questões de governo -, são tomadas pelaecclèsia após ouvir diversos oradores e, entre outros, eventualmente, os que se dizem detentores de um saber específico relativo aos assuntos discutidos. Não há nem poderia haver "especialistas" em assuntos políticos. A perícia política - ou a "sabedoria" política - pertence à comunidade política, pois a perícia, a technè, no sentido estrito, está sempre ligada a uma atividade "técnica" específica, e é naturalmente reconhecida em seu domínio próprio.  
"A polis grega não é um Estado na concepção moderna. A própria palavra "Estado" não existe em grego antigo (...). 
"Nem 'Estado', nem 'aparelho de Estado'. Naturalmente, existe em Atenas uma maquinaria técnico-administrativa (muito importante nos séculos quatro e cinco), mas esta não assume nenhuma função política. Essa administração, significativamente, era composta de escravos até nos seus escalões mais elevados (...)." (Cornelius Castoriadis,Op. Cit., p. 297/8/9)
É assim, pois, que a idéia de democracia direta está associada à noção de exercício direto efetivo do poderpelos cidadãos pertencentes a um determinado Estado. É, pois, o coletivo de cidadãos que assume integralmente os destinos da polis, sem representantes que ocupariam o seu lugar. 
democracia representativa poderia ser definida, por sua vez, como aquela forma de exercício do poder pela maioria, onde o poder é delegado por esta maioria a um conjunto menor de representantes ou delegados (deputados, vereadores, presidentes) - ou ainda a partidos, entidades políticas (sindicatos), instâncias políticas da sociedade organizada - que se caracterizam por serem instituições representativas. Nas palavras de Hannah Arendt: 
"A representação significa que os eleitores abdicam, ainda que voluntariamente, de seu próprio poder, e que a antiga máxima de 'todo o poder está no povo', é verdadeira apenas nos dias de eleição." (Hannah Arendt, Da Revolução, p. 189)
Neste sentido o poder da maioria é essencialmente o poder de delegar o poder, ou seja, de determinar quem vai ou não efetivamente exercer o poder político em seu nome. Aqui, o poder político real e concreto, as deliberações e decisões, já não caberia a cadacidadão, e, por conseguinte, a "todos", mas a umcorpo delegado representativo. 
Para Benjamin Constant a democracia representativa surgiria mais como uma imposição dos tempos modernos. Quer dizer, de um lado, a existência de grandes sociedades e Estados territoriais impossibilitariam a reunião dos cidadãos para as deliberações (pois no conceito de democracia - direta - sempre esteve implicada a idéia da possibilidade de reunir em Assembléia Geral, em praça pública, a totalidade dos cidadãos, o que implica em uma base territorial do Estado pequena, bem como em um pequeno número de cidadãos) e, de outro lado, a idéia de que os modernos queriam um outro tipo de liberdade (privada) que não a dos antigos (pública). Ou seja, diferentemente dos antigos os modernos são pacíficos "comerciantes". (Benjamin Constant, Op. Cit., passim) 
Com efeito, a democracia representativa se justificaria, portanto, não tanto talvez como uma forma política superior à da democracia direta, mas como única forma viável para o exercício da democracia, nas sociedades modernas. E para isto são apresentados argumentos de ordem "objetiva" - espaço, grandeza dos Estados e numérico, excesso de cidadãos que impossibilitaria sua reunião em Assembléia Geral.  
Assim, para Hannah Arendt: 
"O problema da representação, um dos mais cruciais e tormentosos temas da política moderna desde as revoluções implica nada menos que uma decisão sobre a própria dignidade da atividade política propriamente dita." (Hannah Arendt,Op. Cit., p. 189) 

Estas definições, sem dúvida esquemáticas, servem, contudo, para nos esclarecer qual destas formas de exercício do poder se aproximaria mais de um autêntico conceito de democracia. Parece claro, neste sentido, que é a forma da democracia direta aquela que mais se adapta a clássica definição de democracia, como governo do povo, como exercício permanente e direto do poder político pelo próprio povo, e não, como na democracia representativa, como governo representante do povo, onde, como dissemos, a coletividade dos cidadãos delega o poder a um conjunto de especialistas ou representantes. Como vimos na primeira parte deste trabalho, a idéia de democracia - onde "todos têm direito de escolher", "todos têm poder", "todos devem passar pelo poder judicial" e onde "a Assembléia geral é senhora de tudo" segundo as máximas democráticas aristotélicas - somente pode realizar-se na forma da democracia direta, na medida em que é sob esta forma unicamente que todos os cidadãos participam diretamente do poder político e a Assembléia Geral significa o poder soberano da polis. 
 
Conclusão
 
Agora, a fim de provar a validade não apenasconceitual da democracia direta, como autêntica expressão da democracia, mas também prática - porque o que está em questão aqui é a construção da democracia e não apenas sua elucidação teórica - procuraremos debater os argumentos que pretendem desconstituir a idéia e a possibilidade efetiva da instituição da democracia direta no contexto de nossas sociedades contemporâneas. 
Um destes argumentos consiste, por exemplo, em dizer que os trabalhadores não podem tomar boas decisões políticas, pois sua atividade não apenas lhes tira o tempo que é necessário para a participação, o debate e a deliberação, mas também, na medida em que trabalham "de sol a sol", eles acabam por se embrutecer e assim, jamais seriam capazes de se tornarem verdadeiros cidadãos, ou seja, cidadãos virtuosos. E, sem dúvida, uma cidade democrática precisa de cidadãos virtuosos para que possam bem governá-la e sustentá-la. É preciso que os cidadãos possuam certas qualidades sem as quais não poderiam ser bons cidadãos. Outro argumento faz notar que um dos maiores impedimentos para a realização da democracia direta, é justamente o fato de, nas condições atuais, os Estados serem territorialmente muito grandes e as cidades possuírem grandes massas de pessoas. Isto implicaria, pois, na impossibilidade de reunir, em Assembléia Geral na praça pública, todos os cidadãos de uma mesma cidade e mesmo e principalmente de um mesmo grande Estado nacional. Junto a estes argumentos refira-se aquele que diz que, por não terem tempo suficiente - pois grande parte dos cidadãos precisa trabalhar - para participar das discussões políticas - o que é evidentemente um pressuposto para tomada de boas decisões -, os cidadãos não teriam suficiente esclarecimento para se posicionar, ao final do dia, cansados depois de uma jornada de trabalho, da melhor forma possível. E, assim, seria melhor deixar as decisões fundamentais nas mãos de pessoas que teriam possibilidade de tomá-las de forma esclarecida, já que, profissionais da política, se ocupariam apenas disto. 
Tais são alguns dos principais argumentos apresentados no sentido de demonstrar a impossibilidade da democracia direta e o "realismo" da democracia representativa. Vamos, agora, analisar o conjunto destes argumentos e, procurando destacar suas insuficiências e incoerências, tentar mostrar as possibilidades concretas de realização da democracia direta. A rigor, como dissemos, nenhum deles é, logicamente, a priori contra a "democracia direta", mas ressaltam a "impraticabilidade" de tal idéia e do "menor mal" que constitui para a liberdade e a própria democracia a idéia da democracia representativa. 
O primeiro destes argumentos, como vimos, consiste em fazer ver o fato, evidente, de que nossas sociedades são de massas, ou seja, milhões e milhões de homens e mulheres vivendo, por exemplo, em uma mesma cidade. E sendo assim seria impossível reunir em praça pública em um único dia e mesmo momento tantas pessoas para debaterem e deliberarem em Assembléia Geral. Associado a isto, existe o fato de que os estados modernos abrangem um espaço geográfico infinitamente superior em relação aos antigos, o que, uma vez mais, impossibilitaria a reunião de seus cidadãos em praça pública, como em Atenas dos século V a. C., por exemplo, para deliberarem conjunta e diretamente.  
Este argumento, no entanto, é apenas parcial e aparentemente é válido. Na medida, em que hoje estão profusamente desenvolvidos e no futuro estarão mais ainda, os meios multimídia interativos os quais têm o potencial de interferência direta de cada cidadão em cada assunto político do seu Estado e, mesmo, do mundo, bastaria, ao invés da praça pública territorial real, um sistema computadorizadodesterritorializado, organizado e coordenado. É a criação da Praça Pública Virtual. Com este sistema poderia ser resolvido o problema da multidão e do espaço geográfico. 

Em sociedades de massas, obviamente, uma cidade ou Estado não pode reunir todos os seus três, quatro ou dez milhões de cidadãos em praça pública para ouvirem os oradores e, então, deliberarem revelando os seus votos. Isto é, claro, materialmente impossível. No entanto, parece não menos evidente que os meios de comunicação digitais multimídia interativos, os computadores, poderiam simplesmente ocupar (e com infinitas vantagens "cibernéticas") desterritorializadamente o lugar do Ágora antiga. Tais meios de comunicação expandidos e difundidos em escala de massas poderiam colocar, para cada cidadão ouvir, ver, ler, os defensores desta ou daquela proposição diante deste ou daquele fato ou encaminhamento. 

A partir daí, os cidadãos poderiam manifestar sua vontade através de seus computadores domésticos, emitindo seus votos para uma central de computação, pertencente a um sistema centralizado do Estado. Mais do que isto, os terminais de computadores domésticos pertencentes a cada cidadão poderiam ter acesso aos documentos, textos, pontos de vista, a todas as informações referentes ao tema em questão, bem como emitir suas próprias opiniões. Quer dizer, poderíamos ter, a qualquer momento em que houvesse necessidade uma verdadeira assembléia geral virtual, desterritorializada, na qual a participação de todos os cidadãos, por estes meios, estaria assegurada. Os cidadãos poderiam, trocar intensamente suas opiniões através destes meios de comunicação, os computadores, ligados em rede; poderiam se articular, negociar posições, refletir. A antiga praça pública grega se transformaria, se desterritorilizaria e penetraria na casa de cada pessoa. O que não implica necessariamente no fim dos clubes, associações políticas, organizações sociais "representativas" as mais diversas possíveis.  

O outro argumento importante impeditivo da democracia direta consiste em demonstrar que há falta de tempo, pois a ausência do tempo livre implicaria necessariamente na impossibilidade do esclarecimento e do desenvolvimento virtuoso dos cidadãos para tomarem decisões acertadas. Quer dizer, os cidadãos teriam até mesmo condições técnicas de participar de todas as decisões políticas que dizem respeito ao seu Estado, a partir de um tal sistema coordenado computadorizado em larga escala; no entanto, como poderiam tomar uma boa decisão, chegando em casa, ao final do dia, depois de um dia cansativo de trabalho, sem terem acompanhado as discussões, os argumentos contra e a favor desta ou daquela proposição, a respeito da qual deveriam votar com o maior grau de esclarecimento possível? 

De fato, não se pode contestar que uma centena de homens e mulheres esclarecidos - e verdadeiramente virtuosos - em um parlamento representativo, por exemplo, seria capaz de tomar melhores decisões do que, por exemplo, cinco ou seis milhões de cidadãos, sem o devido esclarecimento e virtuosidade os quais, ao final do dia, cansados do trabalho, simplesmente "apertam um botãozinho". É certo que, um verdadeiro processo político-democrático, como vimos, tem como pressuposto o esclarecimento e a virtuosidade dos agentes políticos na hora da tomada de decisão, o que é impossível na ausência do tempo livre. É, evidentemente, melhor que pessoas esclarecidas e virtuosas tomem a decisão do que pessoas não esclarecidas e embrutecidas, pois a decisão deve sempre ser a melhor decisão. 

Não há, evidentemente, o que contestar com relação a este argumento da falta de tempo livre que determina a ausência de esclarecimento. No entanto, o problema também não está aqui, pois já apontamos acima umatendência efetiva das sociedades contemporâneaspara o desenvolvimento de um tempo livre cada vez maior, na medida em que o trabalho embrutecedor para garantir a sobrevivência material da humanidade está sendo e será cada vez mais substituído pelo trabalho automatizado das máquinas. 

Assim, o cidadão passaria a ter mais tempo para se dedicar às questões políticas e a sua autopoésis, a sua auto formação virtuosa. Neste sentido, uma situação similar à Atenas antiga se coloca. Os cidadãos que faziam parte do Estado e que tomavam todas as decisões políticas referentes à comunidade, tinham tempo livre para isto, ou seja, não precisavam trabalhar para satisfazer suas necessidades, pois haviam os escravos que se ocupavam disto; desta forma, podiam passar o dia envolvidos com as questões políticas do Estado. 

Desta forma, se estas considerações se revelam verdadeiras, parece que a construção da democracia, de uma verdadeira democracia, implica, de maneira fundamental, a construção da Ágora Virtual.  


Falou-se um dia em liberdade humana? Pela primeira vez na história da civilização humana podemos vislumbrar a emergência de um fenômeno tecno-intelectual capaz de realizar, em todas as letras, a liberdade. A escravidão será apenas uma marca e um registro na memória universal cibernética passada; homens não precisarão mais escravizar outros homens. Eles escravizarão as máquinas supercomputadorizadas e então poderão gozar de seu tempo em plena liberdade. O tempo da vida será então outro, porque o humano irá desfrutar de sua existência para a construção e cuidado de si e do mundo, dos seus e da natureza; ele viverá para pensar e amar; criar e recriar; o humano encontrará então em si um outro ser capaz de amar o belo e desenvolver as infinitas potencialidades de sua existência única e finita.  
  


 
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* Monografia vencedora do Prêmio Florestan Fernandes DEZ DIAS NA GRÉCIA -"A Construção da Democracia", categoria Pós-graduação, promovido pela Universidade de Brasília (UnB) e União Nacional dos Estudantes (UNE), em setembro 1996.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Cientista argelino radicado no Brasil, acusado de “terrorismo” pela Globo, se defende.

ExifJPEG
O Cafezinho tem a honra de publicar, com exclusividade partilhada por apenas meia dúzia de sites independentes, uma entrevista com Adlène Hicheur, professor argelino radicado no Brasil, que reconstruía sua vida tranquilamente por aqui, até ser literalmente atacado pela Globo, via revista Época.
Quando você pensa que o banditismo midiático havia batido recorde na última edição da Época, cujo reportagem de capa tenta criminalizar o ex-marido da presidenta Dilma, descobrimos que há pouco a revista protagonizou uma brutalidade ainda mais injusta e bizarra.
Esperamos que as autoridades competentes e a sociedade civil consigam proteger Hicheur desses neocriminosos travestidos de editores de jornais e revistas. E que dêem a Hicheur um tratamento coerente com os principíos democráticos que regem a nossa Constituição.
O ministro da Educação, Aloízio Mercadante, deve um pedido de desculpas a Hicheur - a menos que o ministro queira entregar à Globo o direito de escolher quem pode dar aula nas universidades brasileiras.
Que ele possa trabalhar e contribuir para o conhecimento de nossos estudantes.
O Brasil não pode se dar ao luxo de dispensar cientistas do porte de Hicheur apenas porque a Globo tenta desesperadamente manter, a qualquer custo, o nível de venda de uma revista decadente.
Sugerimos também ao cientista o grupo de advogados e intelectuais reunidos na Frente Antifascista pelas Liberdades Antidemocráticas, formado justamente para lutar contra esse tipo de arbítrio, muitos deles chancelados ou mesmo protagonizados pela grande imprensa.
Os jornalistas que entrevistaram Hicher são conhecidos do editor do blog. São pessoas progressistas, humanistas e profissionais experientes. Pessoas de inteira confiança.
Hicheur ainda está assustado com a perseguição midiática agressiva e irresponsável à sua pessoa e por isso não quis divulgar uma foto com muita nitidez. Está tentando preservar sua imagem e evitar agressões verbais ou físicas.
***
“EU ESTOU SENDO CAÇADO PELA MÍDIA POR UM CRIME QUE NÃO COMETI”
Em uma entrevista exclusiva feita durante dois dias, enquanto jornalistas da grande mídia tentavam caçá-lo no Rio, o cientista argelino Adlène Hicheur, professor do Instituto de Física da UFRJ, revelou a sua história e contou como foi sua polêmica prisão e condenação na França, episódios criticados por físicos e defensores dos direitos humanos. Acusado de “formação de quadrilha” com terroristas, ele já não devia mais nada à Justiça francesa quando chegou no Brasil, onde reconstruía sua carreira, viajando sempre para a Europa para ver a família, que vive na França. Mas aqui, alvo de uma campanha midiática deslanchada pela revista Época, que seus colegas (inclusive europeus) afirmam ser difamatória, Hicheur decidiu que vai deixar o país.
Por Florência Costa & Shobhan Saxena *
Rio de Janeiro


Adlène Hicheur ainda consegue abrir um sorriso atrás da barba escura e bem desenhada que cobre suas bochechas afundadas. Com uma mochila verde pendurada em seu ombro esquerdo, ele caminha calmamente na sala e senta na beira do sofá.
Então, ele começa a falar, falar, falar. Ele adora falar. No meio de uma frase sobre islamofobia, ele desliza a mão para dentro da bolsa e saca dois livros. Um deles, em francês, é o clássico “As Veias Abertas da América Latina”, do uruguaio Eduardo Galeano. “As pessoas não podem esquecer a sua história. Eu li este livro quando estava na prisão e estou lendo de novo”, diz. “Nós precisamos conhecer as alternativas, outras formas de vida”, diz ele, tirando da bolsa outro livro, este em português: “Por uma outra Globalização”, do renomado geógrafo brasileiro Milton Santos. “Eu adoro suas ideias. Ele faz uma nova interpretação do mundo contemporâneo”, comenta, enquanto bebe chá branco em pleno calor carioca. “Eu gosto de chá. Não preciso de café. Já sou muito agitado”, conta. Ele coloca a mão dentro da mochila novamente e desta vez surgem mais dois livros sobre ecologia e desenvolvimento sustentável.
Hicheur, 39, não precisa de gatilho para começar uma conversa. Parece que dezenas de ideias borbulham na sua mente ao mesmo tempo. Ele salta, em questão de minutos, de física de partículas, para geopolítica, história da Argélia, repressão aos muçulmanos na Europa, álgebra, culinária, cinema. Há espaço até mesmo para Batman em sua conversa. As frases saem de sua boca em várias línguas: inglês, francês, português, de vez em quando com pitadas de árabe.
Ele faz uma pausa apenas para enxugar o suor de sua testa ou para ajustar os óculos que pousam em seu nariz. Então, a conversa amena começa a ganhar um tom mais sério: a sua atual situação. Ele se afunda no sofá e fica em silêncio – por alguns segundos. “Sinto que tem uma bola no meu estômago – sinto um vazio”, franzindo suas fartas sobrancelhas. “Eu decidi deixar o Brasil. Não sei ainda para onde vou e quando, mas vou embora”, contou.
Adlène Hicheur não está deixando o Brasil por sua própria vontade. O cientista, tido por todos que o conhecem como brilhante, e seus colegas dizem que ele está sendo empurrado porta afora. Hicheur foi taxado no Brasil como uma ameaça terrorista real devido às acusações do passado. Ele protege firmemente a sua privacidade, não deixando que se fotografe seu rosto, até para não sofrer agressões na rua.
Mas sua vida _ e seu passado _ não é nenhum segredo. Uma simples procura no google mostra que em 2009, enquanto trabalhava no famoso Organização Europeia de Pesquisa Nuclear (CERN), que abriga um superacelerador de partículas, perto de Genebra, na Suíça, ele foi preso pela polícia francesa. A acusação foi de “formação de quadrilha” com um grupo terrorista” (Al Qaeda no Mahgreb). Ele passou 30 meses enjaulado. É também de conhecimento público que a polícia francesa acusou Hicheur devido a 35 emails e conversas virtuais em fóruns na internet com um interlocutor que usava pseudônimo e que alegadamente seria um integrante argelino da Al Qaeda. Durante o julgamento, não se conseguiu apresentar nenhuma prova ou indício de que ele teria tomado qualquer ação para concretizar seus comentários. Sua resposta às acusações é bem conhecida também: ele alega que as conversas online icluíam numerosos tópicos internacionais, que ele nunca planejou nenhum ataque terrorista com ninguém. Há até uma página na Wikipedia sobre Hicheur que compara seu caso com o de Lotfi Raissi, acusado de ser o principal mentor do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 nos EUA, mas depois foi libertado sem qualquer acusação.
Também não é segredo que após 949 dias na notória prisão de Fresnes, em Paris, Adlène Hicheur foi liberado em maio de 2012. Ele deixou o país um ano depois, com o caso encerrado. Desde então, já no Rio, ele procurava colocar sua vida nos trilhos novamente – como professor e pesquisador. Aqui ele estava feliz porque se sentia bem acolhido. Ele já havia se convencido de que conseguiria apagar a marca de terrorista que havia sido carimbada em seu rosto na Europa e que o assombrou de 2009, quando foi preso, a 2013, quando chegou aqui. “Fui capaz de ensinar física na UFRJ e me dediquei totalmente às minhas pesquisas, além de escrever artigos acadêmicos. Tudo caminhava muito bem. Isso era tudo o que eu queria na minha vida e aqui no Brasil eu encontrei espaço para fazer isso”, lembrou Hicheur.
Ele estava no lugar certo mas provavelmente no momento errado.

Reciclando o passado

No último dia 9, em meio à intensa disputa entre partidos políticos sobre a “necessidade” de o país adotar uma lei anti-terrorismo, Hicheur apareceu na capa da revista Época, com uma reportagem intitulada “Um terrorista no Brasil”. A matéria afirmava que havia “um segredo” na biografia do cientista, que estava sendo investigado pela Polícia Federal. Dizia ainda que ele havia recebido “uma bolsa do governo e que ensina em uma universidade pública”. A reportagem citou alguns emails que falavam em atentados terroristas, trocados entre ele e e um interlocutor chamado Phenix Shadow, que segundo o governo francês seria um membro da Al Qaeda. Mas Hicheur e seus colegas reagiram afirmando que a matéria remoeu detalhes velhos do caso já amplamente noticiados na mídia europeia há seis anos. A foto de um Hicheur barbeado foi estampada com um título em vermelho: “terrorista”. A reportagem parecia trazer a mensagem de que o Brasil está sob uma ameaça terrorista. “Não há segredo em meu currículo. Eu cheguei ao Brasil com um visto válido, convidado por um centro de pesquisas. Meu caso é muito conhecido, é passado. Eu sou cientista mas eles me carimbaram como terrorista ao reciclar de forma vergonhosa uma história velha”, protestou Hicheur, com um misto de tristeza e raiva.
Isso foi apenas o início de seu pesadelo brasileiro, com toda a grande mídia atrás dele. Sua foto, retirada do website do Ministério da Ciência e Tecnologia, ilustrou jornais e revistas, além de reportagens de televisão. Adlène Hicheur, um cientista que ainda trabalha, a partir do Brasil, em parceria com o CERN, foi apresentado como um perigo iminente ao Brasil. “Seu julgamento e condenação foram muito questionados. Os juízes sabiam disso, senão não o teriam liberado após três anos”, afirmou Patrick Baudouin, seu advogado, ao jornal Le Monde, na última quinta-feira. O Le Monde publicou uma matéria sobre o escândalo em torno de Hicheur a partir da reportagem da revista. Mas o próprio jornal francês, que fala de uma “máquina midiática-política”, coloca a palavra “terrorista” entre aspas. “Em todo o caso ele cumpriu sua sentença”, acrescentou Baudouin, que é também diretor da Federação Internacional dos Direitos Humanos.
Mas o estrago já tinha sido feito.
Fatos cruciais foram ignorados no bombardeio contra Hicheur, como o de que ele foi condenado no dia 5 de maio de 2012 e liberado apenas 10 dias depois. A longa detenção de Hicheur foi criticada por mais de 600 cientistas, incluindo o prêmio Nobel de Física Jack Steinberger, além de organizações de defesa dos Direitos Humanos na Europa.
Hicheur acredita que está sendo julgado novamente no Brasil, quando já cumpriu a pena, e por um crime que, segundo ele, nunca cometeu.
“Nem a mídia francesa mostrou uma hostilidade tão exacerbada contra mim”, disse o físico, que recusou-se a falar com os jornalistas que invadiram sua sala na UFRJ e bateram na porta de seu apartamento, na Tijuca. Os repórteres, após entrarem no prédio, que não tem porteiro, fizeram plantão no corredor de seu andar, até que um colega de Hicheur chamou a Polícia Federal para retirá-los de lá.

Quatro dias após ele ter se transformado em manchete no país, Hicheur concordou em nos dar uma entrevista para contar seu lado na história. “Sem gravadores escondidos e sem fotos”, foi a única condição que ele apresentou. Ele avisou que poderíamos perguntar qualquer coisa.
Vestindo túnica de algodão azul marinho de manga curta, calça preta e sandália marrom, e com um boné cobrindo a sua cabeça, Adlène Hicheur entra na sala da casa de um amigo, aperta as mãos dos jornalistas, e senta para ser entrevistado.
Hicheur conversa com a urgência de um homem que tem muito a dizer mas pouco tempo. Sua dicção é serena enquanto ele faz a conexão do que aconteceu com ele com o contexto político e social mais amplo.
Como um verdadeiro físico, ele explica sua história, como uma equação onde ciência, política, religião e cultura interajam uma com a outra.
Primeiro Julgamento
Hicheur nasceu em Setif, uma região montanhosa com florestas verdes e uma cidade com ruas arborizadas, no norte da Argélia, em 1976. Quando ele tinha um ano, sua família mudou-se para Isère, na França, levando ele, seus dois irmãos e três irmãs. Mesmo tendo nascido em uma família simples -- seu pai era operário da construção civil --, ele ficou em primeiro lugar na turma de mestrado de Física Teórica na École Normale Supérieure, uma universidade da elite francesa. Ele fez o doutorado no Laboratório de Física de Partículas de Annecy-le-Vieux de (Lapp), após breve passagem pelo Stanford Linear Accelerator Center (Califórnia). Em seguida, foi para o Rutherford Appleton Laboratory, perto de Oxford, na Inglaterra, onde fez seu pós-doutorado. Depois, ele foi convidado a trabalhar no Departamento de Física de Altas Energias da École Polytechnique Fédérale de Lausanne (EPFL), na Suíça, e trabalhou no experimento LHCb do CERN.
Como uma estrela ascendente do EPFL, Hicheur tinha tudo a seu favor quando de repente sua vida começou a se desintegrar. No início de 2009 foi diagnosticado com hernia de disco que o fazia sofrer com fortes ondas de dores na espinha e na perna direita. Ficou confinado na cama da casa dos pais, em Isère. Algumas vezes as dores eram tão insuportáveis que ele tinha que tomar injeções de morfina. Ele só conseguia se locomover com andador.

Mas o pior estava por vir.
No dia 8 de outubro de 2009, a casa dos Hicheurs foi invadida por homens encapuzados fortemente armados. Eram agentes da polícia e da inteligência francesa. Hicheur e seu irmão mais novo, Zitouni, um engenheiro mecânico, foram levados para a delegacia de polícia. Seus computadores e equipamentos eletrônicos foram confiscados. “Não sabíamos o que estava acontecendo. Minha mãe, que é diabética, desmaiou e a polícia não deixou que a socorrêssemos. Mesmo com dores terríveis eu fui levado para o carro da polícia”, lembrou Hicheur com amargura.
Zitouni foi liberado após poucos dias, mas Hicheur foi acusado de “formação de quadrilha” com um grupo terrorista e enviado para a prisão de Fresnes. Sua detenção passou a dominar as manchetes da mídia francesa e europeia.

‘O terrorista do Big bang’

Em 2009, o CERN estava sob holofotes da mídia global por suas colisões de altas energias no maior acelerador de partículas do planeta. O CERN inspirava livros de ficção e filmes com tramas recheadas de teorias conspiratórias. No início de outubro daquele ano, quando coincidentemente nós dois visitávamos o CERN em uma viagem de 10 dias pela Suíça, o entusiasmo em torno do experimento do “Big Bang” (que procurava descobrir a origem do universo), chegava ao ápice.
“Cientista do Big Bang acusado de ter ligações com o terror”, dizia uma manchete em um jornal australiano. Outros reproduziam chamadas semelhantes e aterrorizadoras. Naqueles dias, em conversas com cientistas no bandejão do CERN, nós percebemos que a notícia explosiva assustou muitos, mas não convenceu vários de seus colegas mais próximos. Hicheur, que desde sua prisão tem negado consistentemente sua ligação com grupos terroristas, diz que paga um preço alto por ser um muçulmano bem educado na França. “As pessoas aqui não entendem o que significa ser muçulmano na França nestes dias, o que significa ser um migrante argelino. Se você é um muçulmano com alto nível cultural e educacional e ascendeu na vida eles vão te derrubar. Eu fui apresentado como como um exemplo de terrorista bem-educado, ativo na internet e que se radicalizou. Eles queriam me punir por minhas opiniões políticas”, afirmou Hicheur. “Eles queriam apenas destruir a minha reputação. Eles queriam me desumanizar”, concluiu.
Ele não foi o único que interpretou a sua detenção desta forma. Jean-Pierre Lees, um físico do Lapp que trabalhou com Hicheur e fez campanha por sua libertação, disse em 2011 que os promotores “sabiam muito bem que ele não tinha feito nada sério”. Citado em um artigo da revista científica internacional “Nature”, Lees disse que Hicheur foi atingido porque ele é um muçulmano com alto nível de educação trabalhando em física.
Mas o que aconteceu depois, nas palavras de Hicheur, parecia ter sido inspirado em um romance de Franz Kafka. Quatro dias após a sua detenção na delegacia, o juiz que o investigava apresentou acusações contra ele, decretou a investigação formal e ordenou que ele fosse enviado para a prisão de Fresnes. Pela lei francesa, juízes lideram a investigação de crimes. A acusação contra Hicheur é uma das mais comuns em casos relacionados ao terrorismo na França. Apesar de não haver acusação concreta de nenhum ato de terror _ planejado ou executado – contra Hicheur, sua detenção provisória em Fresnes durou quase três anos, com limitado acesso ao mundo exterior. Um grupo de apoio composto por cientistas divulgou uma declaração condenando o estilo “Guantanamo” de encarceramento no caso de Hicheur.
A polícia da Suíça, onde ele viveu e trabalhou até ser preso, o investigou e não conseguiu encontrar nenhuma evidência contra ele.
Os chefes de Hicheur na Suíça e no Brasil são só elogios a ele e rejeitam categoricamente que o físico seja culpado. Aurelio Bay, um cientista suíço que foi seu chefe no Grupo de Altas Energias do EPFL, em Lausanne, nos enviou um email ressaltando a sua crença na inocência de seu subordinado. “A Polícia Federal da Suíça averiguou tudo sobre a vida dele em Lausanne. Não encontraram nada. Eles acharam apenas papeis e contas velhas, copos sujos e discos rígidos que não tinham nada,” disse Bay. “Adlène deveria escrever um livro. O ataque é a melhor forma de defesa”, opiniou Bay.

Política do terrorismo
Em um dia chuvoso, mas quente, no Rio, Adlène Hicheur não esconde que sua mãe, de 68 anos e doente, domina a sua mente. “Você não imagina o que a minha mãe passou quando eu estava na prisão por causa de acusações falsas e o que ela está sentindo agora que estou sendo perseguido novamente no Brasil por algo que não fiz”, lamentou.
Hicheur está triste e desapontado, mas ele não caiu na tentação de mergulhar no sentimentalismo. O cenário do que aconteceu em 2009 e o que está acontecendo agora está claro em sua cabeça. De fora, a França parece um país de primeiro mundo com uma robusta democracia e respeito pelos direitos humanos. Mas uma pessoa que cresceu em bairros empobrecidos e com muitos imigrantes tem uma percepção diferente do que seja o Estado francês. Nesta parte da França invisível, direitos são violados frequentemente, conta Hicheur.
Ele acredita que foi alvo do governo de direita de Nicolas Sarkozy, por ser um cidadão francês de origem argelina e muçulmano. “Logo que eu fui levado para a delegacia, o ministro do Interior da França, Brice Hortefeux, declarou que eles haviam ‘feito um grande avanço’. Eu o vi na delegacia. Este ministro foi condenado por racismo. Ele estava com tanta pressa que queria me condenar antes mesmo de me acusar formalmente”, lembra o cientista, citando o comentário racista de Hortefeux, amigo próximo de Sarkozy, contra um homem de origem argelina, em setembro de 2009. Em abril do ano seguinte este ministro foi multado em €750 por um tribunal francês devido a comentários racistas.
Em 2012, a popularidade de Sarkozy despencava. Assim, não foi coincidência, analisa Hicheur, que seu julgamento tivesse ocorrido apenas três semanas antes do primeiro turno das eleições presidenciais na qual Sarkozy encarou uma dura disputa e perdeu para Francois Hollande. “Meu julgamento acabou em apenas duas tardes, depois de me manter na prisão por 30 meses. Esta foi a forma de Sarkozy mostrar que havia capturado um perigoso terrorista”, disse Hicheur, que foi condenado a cinco anos de prisão em 5 de maio, apenas um dia antes do último turno do pleito presidencial. Logo após o veredito, seu advogado, Baudouin, classificou o julgamento de “escandaloso”.
Hicheur diz que a matéria da revista Época distorceu os fatos e ignorou detalhes cruciais que indicariam a sua inocência. Em 2009, antes de ser preso por visitar “websites de conversas subversivas islâmicas”, Hicheur estava seriamente doente, tomando medicação. “Durante aquele período eu passei seis meses entre hospitais, médicos, fisiologistas, reumatologistas e finalmente na casa de meus pais para me recobrar dos problemas nas costas e no nervo ciático”, conta Hicheur, que afirmou ter passado naquela época por um “período de turbulência”.
Hicheur diz que a revista quis apresentar os 35 e-mails e conversas online como algo novo. “Não há nada novo nisso”, afirma ele. Em seu julgamento a acusação apresentou isso como evidência de sua culpa, mas Hicheur afirma que este é o elemento mais fraco do caso. Em uma sala de bate-papo virtual lotada de participantes com pseudônimos, Hicheur expressava livremente suas visões políticas sobre tudo o que acontecia no mundo islâmico. Depois que a sala de bate-papo foi hackeada _ acredita ele _ por algum serviço de inteligência, Hicheur passou a trocar email com um interlocutor chamado “Phoenix Shadow”. Segundo ele, nenhum dos dois estava ciente da identidade real de ambos.
Durante os dois dias de julgamento em 2012, a acusação afirmou que “Phoenix shadow” era na verdade Mustapha Debchi, um alegado integrante da Al Qaeda do Mahgreb. Mas a acusação nunca conseguiu estabelecer a conexão entre o pseudônimo, o número de protocolo de internet de seu computador e Debchi, segundo Hicheur. “O nome Mustapha Debchi foi mencionado desde que eu fui preso sem nenhuma prova de minhas ligações com ele”, explicou. “Então, de repente, em setembro de 2011, eles anunciaram que o haviam capturado em fevereiro daquele ano, na Argélia, que o haviam interrogado e que a informação que constava do arquivo era de que tratava-se de ‘Phoenix Shadow’.
“Mas Debchi não foi levado ao tribunal e nem indiciado, mesmo estando no centro desta alegada associação comigo. Ou seja, a culpa nunca foi estabelecida”, detalha Hicheur. “Se ele foi preso em fevereiro, porque eles mantiveram esta informação secreta até setembro?”, questiona o cientista. Então, ele oferece a resposta: “Porque em outubro de 2011 eu completaria dois anos de detenção provisória e eles não poderiam de me manter preso por mais tempo”.
A maioria dos resultados das buscas na internet sobre Mustapha Debchi estão ligados ao julgamento de Adlène Hicheur. “Minha correspondência com ‘Phoenix Shadow’ foi toda em árabe, mas o que produziram no tribunal foram trechos daqui e dali, fora do contexto e distorcidos, todos traduzidos muito mal para o francês. Eles estavam desesperados para me levar a julgamento e mostrar que eu era culpado”, afirmou.
Hicheur deixou a prisão depois de ter decidido não recorrer do veredito. “Desafiar o verefito significava ficar na prisão por mais um ano, além do tempo do julgamento. Não há como conseguir justiça. Eu iria apodrecer na cadeia. Eu queria voltar a ensinar e a pesquisar. Então, quando eles me disseram que eu poderia voltar para casa, eu senti que poderia renascer. A prisão é o túmulo dos vivos, como diz uma poesia em árabe. Eu sobrevivi lá dentro por causa da minha educação e da minha maturidade”, contou.

Jogo mentais

Prisão nunca é um lugar prazeroso, mas algumas delas são notórias – historicamente – como Fresnes. Hoje, a guilhotina, que foi usada na França até 1977, está guardada em Fresnes, a maior casa de detenção da França. Durante a Segunda Guerra Mundial foi usada pela Gestapo. O lugar abrigou os que lutaram pela Frente de Liberação Nacional (Argélia), nos anos 50 e 60 , quando eles buscavam a independência da França. Foi no andar térreo da prisão que Hicheur passou 30 meses sem ver o céu aberto. Mas a quase falta de sol não era o maior problema. A polícia tentava quebrá-lo emocionalmente todos os dias, conta Hicheur. “Eles me diziam que eu nunca seria capaz de ensinar novamente e que eu seria obrigado a vender legumes nas ruas. Eles queriam me anular”, diz. “Mas eu estava determinado a resistir a este processo de desumanização”.
A sua determinação eram os livros que ele não apenas devorava para manter sua sanidade, mas apresentava a outros prisioneiros. Ele discutia os livros em uma espécie de Café Fisolófico na biblioteca da prisão, que podia frequentar uma vez por semana.
Hicheur herdou o amor pelos livros de seu pai, um operário da construção civil. Quando Hicheur e seu irmãos eram pequenos, o pai os levou ao canteiro de obra para mostrar como era uma vida dura. Se os meninos não estudassem íam acabar como ele, advertia. A educação era a salvação, repetia o pai. “Meu pai era um homem politicamente consciente. Apesar de ter sido um operário, ele sempre falava sobre livros, cultura e política com a gente”, lembrou. “E graças à minha educação, eu sobrevivi na prisão”, constatou.
O refúgio na prisão se dava através de livros dos mais variados: de física, cultura, espiritualidade e poesia árabe. Mesmo na loucura da cadeia, onde os prisioneiros brigavam uns com os outros por causa de um cigarro, ele manteve sua ligação com o mundo acadêmico. “Uma de minhas orientandas de doutorado me enviou um capítulo de sua tese para que eu corrigisse. Eu fiquei tão feliz em corrigir. Eu vi que poderia ainda me manter em dia com a física”, conta.
Em Fresnes ele fez amizades com outros detentos. Seu apelido entre os prisioneiros era “Google” porque era capaz de responder a todos os tipos de perguntas _ de neutrinos à religião. “Eles queriam me ver fora dali”, conta Hicheur, entusiasmado, comparando sua condição com a do Batman no filme “O Cavaleiro das Trevas Ressurge”, onde Bruce Wayne é detido mesmo estando com um problema nas costas, mas escapa com o apoio dos outros presos. “Eu estava na mesma condição, na cadeia, com dor nas costas, mas contando com a torcida dos outros presos para sair”, riu.
Bruce Wayne escapou devido à sua força extraordinária, mas o que mantem o espírito de Hicheur positivo são sua crença e suas orações. Muçulmano praticante, ele adora falar sobre tradições islâmicas de ensino na matemática e química durante a Era Medieval. Seu interesse pela ciência e pelo conhecimento vem desta tradição. Ele manteve sua mente aberta na prisão interagindo com os outros detentos, ensinando o que podia e também aprendendo com eles. “Você deve se beneficiar da sabedoria de onde ela vier”, afirma, citando o profeta Maomé.
Estava chovendo enquanto Hicheur falava sem parar, respondendo as perguntas. Mas quando o sol começou a se por, ele se levantou: “Eu preciso rezar”, diz, tirando seu tapetinho de nylon. Vai para o escritório, desenrola o tapete no chão e faz suas orações.
O recomeço
Em maio de 2012, logo que ele saiu da prisão, Hicheur comprou um computador, instalou alguns programas e começou a fazer ciência de novo. Ele estava ávido para voltar a trabalhar. Logo ele voltou ao CERN como integrante do laboratório de Lausanne e até fez uma viagem ao Brasil para um curto período no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Mas em maio de 2013, um ano após a sua libertação da prisão, ele foi proibido de entrar na Suíça ( decisão válida até 2018) como resultado de uma ordem administrativa da polícia daquele país, apesar de a justiça suíça não ter encerrado o caso por falta de provas. Hicheur sugere que esta decisão foi tomada por pressão da França. “Eles queriam ter certeza de que eu não seria capaz de trabalhar como cientista nunca mais na minha vida. Eles sempre me falavam isso na cadeia”, lembra Hicheur, com olhar preocupado.
Mas mesmo com esta proibição e estando no Brasil, ele continuou colaborando com o CERN, o que faz até hoje. Ao saberem da campanha contra ele no Brasil, seus colegas europeus mais próximos reagiram revoltados. “Hicheur já pagou alto preço por sua correspondência online com alguém alegadamente da Al Qaeda. Hicheur nunca cometeu, direta ou indiretamente, qualquer ato terrorista ou criminoso. Ele cumpriu sua sentença e estava trabalhando pacificamente no Brasil”, afirma através de um email que nos enviou, a física suíça Monica Pepe Altarelli, do experimento LHCb do qual ele faz parte. Ela também é vice-porta-voz do CERN. “É admirável que o Brasil tenha oferecido ao professor Hicheur a possibilidade de retornar à sua carreira científica, beneficiando-se, assim, de suas elevadas qualidifcações como cientista e professor. O artigo publicado pela revista Época não está baseado em fatos e é inconsistente com a aberta tradição humanitária do Brasil”, afirma ela , com o respaldo de outros colegas que trabalharam de perto com ele, como os cientistas Pierlugi Campana, do Laboratori Nazionali dell’INFN de Frascati (Itália), e ex-porta voz do experimento LHCb, e o suíço John Ellis, professor de Física Teórica do King’s College, em Londres, integrante do CERN.
Com os portões do CERN fechados para Hicheur, ele começou a olhar além da Europa para procurar trabalho. Seus colegas o ajudaram e ele encontrou a oportunidade de renascer no Brasil, um país que ele sempre admirou por sua rica história, “pela política externa independente” e pela cultura de ativismo da sociedade civil. Depois de obter o visto do consulado brasileiro em Genebra, processo que demorou mais de 30 dias, devido a todo o processo de verificação de seu caso, ele desembarcou aqui em maio de 2013 e começou a trabalhar no CBPF. A partir de junho de 2014, passou a trabalhar na UFRJ.
Apesar de ter crescido na França, Hicheur manteve os laços com sua cidade, Setif, na Argélia, que sua família costumava visitar sempre. Acostumado com as montanhas, o calor tropical e as praias do Rio são um choque térmico, mas ele se adaptou. Depois de algumas semanas vivendo em um apartamento em Copacabana, Hicheur mudou-se para uma rua da Tijuca e começou a descobrir a cidade. “Eu adoro andar na Floresta da Tijuca. É tão bom ser parte da natureza” diz ele, que gosta também de montanhismo.
Devido à sua limitação no domínio do português, no início ele só pesquisava. Mas no segundo semestre de trabalho na UFRJ já havia começado a dar aulas, no nível da graduação, sobre sustentabilidade das energias renováveis e física experimental. Seus colegas da UFRJ aplaudem a contribuição que o professor Hicheur tem dado à ciência no Brasil e ao ensino. O professor do Instituto de Física, Leandro Salazar de Paula, a quem Hicheur é subordinado no grupo de pesquisa no qual trabalha, define: “Ele é um excelente pesquisador, simplesmente brilhante”. Segundo ele, se Adlène Hicheur deixar o país “será uma grande perda para o nosso programa de pesquisa”. O professor argelino atua em várias linhas de pesquisa. “Somos nove pesquisadores e estamos perdendo o mais atuante”, lamentou Leandro de Paula.

O Segundo Julgamento de Adlène Hicheur

Apesar de o contrato de Hicheur valer até junho, ele decidiu deixar o país, desapontado com tudo o que aconteceu e com a falta de apoio do governo. Sua paz no Brasil foi abalada em outubro do ano passado quando ele foi abordado por policiais à paisana em uma rua perto de sua casa. “Eu entrei em pânico. Você pode pensar que eu sou paranoico mas por causa da minha experiência terrível na França eu não sabia quem eram estes homens e o que eles queriam de mim”, conta. Eram da Polícia Federal. Eles queriam conversar com Hicheur sobre um indicente na Masjid e Nur, uma mesquita da Tijuca frequentada por ele.
Em janeiro de 2015, poucos dias após o ataque terrorista à sede da revista Charlie Hebdo, em Paris, uma equipe da CNN da Espanha foi à mesquita para fazer uma filmagem. Coincidentemente _ ou não _ , enquanto a equipe filmava, um homem que nunca frequentou o local apareceu diante das câmeras e tirou a sua camiseta para revelar uma bandeira do grupo terrorista Estado Islâmico, impressa em uma outra camiseta que havia por debaixo. Isso, segundo a polícia contou para ele, fez com que se investigasse todos os frequentadores da mesquita, inclusive o próprio Hicheur. “Eu não estava nem no Brasil naquele dia. Estava na Europa passando férias com a minha família”, lembra. “Não há nada contra mim por parte da polícia brasileira”, assegura. De fato, Hicheur tem em mãos um certificado de antecedentes criminais datado de 14 de janeiro: “A Polícia Federal certifica, após pesquisa no sistema nacional de investigação criminal, que até a data de hoje (14 de janeiro) não há registro de antecedentes criminais em nome de Adlène Hicheur”, diz o atestado ao qual tivemos acesso.
Após a divulgação da reportagem da Época, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, afirmou que uma pessoa “condenada por terrorismo” deveria ter sido impedida de entrar no país. O ministro sinalizou ainda que o governo iria averiguar seu status legal no país.
Os acadêmicos mais próximos de Hicheur criticaram esta declaração, mas isso fez com que Hicheur decidisse desistir da oportunidade que o Brasil havia oferecido a ele para reconstruir a sua vida. “Não me deixaram opção”, disse. Ele contou que está desapontado e sentindo-se traído. “Eu cheguei aqui legalmente. Vim para trabalhar e contribuí com a física aqui . Agora sou forçado a deixar o país”, lamentou. “O que fizeram com ele no Brasil é um linchamento inaceitável. Ele passou mais de um ano ocupando um escritório do lado do meu.
Conversei muito com ele sobre a prisão, sobre política no Oriente Médio e outros temas. Ele sempre criticou grupos terroristas, inclusive o Estado Islâmico. Aí uma revista semanal veio com uma matéria que prefiro nem usar adjetivo....e ele viu seu tremendo esforço para reconstruir sua vida científica desabar. A isso adiciona-se uma declaração de um ministro e ele passa a se sentir ameaçado. Ele não quer ser espancado e humilhado novamente. Ele entrou pela porta da frente e quer sair pela porta da frente”, disse Ronald Shellard, diretor do CBPF. “Ele é um muçulmano bastante fiel, com um senso muito agudo de honra, respeito e dignidade, completou. “Se o Adlène for embora, ou pior, for expulso, isso significará a derrota definitiva de tudo por que nossa geração lutou durante a ditadura militar, de todos os princípios de direitos humanos”, opinou Shellard. Sobre o caso francês, já encerrado, Shellard diz que pelo o que sabe “ele foi condenado por seus pensamentos que estão em um disco rígido. Isso me faz lembrar o livro ‘1984’, de George Orwell”, concluiu.
Ignacio Bediaga, chefe do grupo LHCb no CBPF, ex-chefe de Hicheur nesta instituição, antes de ele trabalhar na UFRJ, diz que o que aconteceu com o físico argelino foi um linchamento. “Adlène foi submetido a um linchamento pela revista Época e pela declaração do ministro. Adlène foi contratado pela UFRJ, ou seja, pelo governo brasileiro. Agora dizem que ele não é bem-vindo. Isso é preconceito porque ele é um cientista muçulmano”, criticou Bediaga.
Hicheur ainda não havia decidido seu destino até hoje, dia 18 de janeiro. Ele parou de lecionar na UFRJ porque o assédio da mídia não permitiria mais essa função. Mas ele continua a desempenhar suas tarefas de pesquisador, e tem dois artigos científicos para tocar. Mesmo sob este ataque, hoje ele está apresentando a análise de dados para um destes artigos, sobre uma partícula subatômica rara e pouco conhecida chamada “Bc”. Esta apresentação foi feita em vídeo conferência para 700 cientistas internacionais que participam de seu grupo de experimento e que vão corroborar o artigo assinado por ele.
“Estou sendo julgado no Brasil por algo que já me julgaram na França”, protestou Hicheur, afirmando tratar-se de um caso de islamofobia. “Meu caso deve ser visto dentro do contexto da França. Se você tirar o Islã da equação, não há problema. Eu sou apenas um caso entre muitas pessoas perseguidas por serem muçulmanas”, lamentou, acrecestando que não esperava que isso fosse acontecer no Brasil, um país que ele sempre admirou.
‘Eu estou a 10 mil quilômetros de Paris, mas ainda assim estou ao alcance deles. Eles estão me quebrando de novo. Onde posso ir?”, pergunta, refletindo sobre onde poderá tentar reconstituir sua vida mais uma vez.
Ele fica em silêncio por alguns minutos, parecendo pensativo. “Se você está vivendo bem, eles não aceitam. Eles haviam me avisado que eu não ía voltar a fazer ciência. O Brasil me deu este espaço. Pelo menos eu pude provar que consegui voltar à ciência”, diz Hicheurs, andando pela sala, com um sorriso melancólico no rosto.
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Florência Costa é jornalista freelancer, ex-correpondente na Rússia e na Índia e autora do livro “Os Indianos” (Editora Contexto).
Shobhan Saxena é jornalista indiano, baseado em São Paulo, e contribui para o website internacional “The Wire”, para o jornal “Times of India” e para a BBC em Hindi.

Código Florestal tem proposta que visa proteger as nascentes intermitentes, aprovada pela Câmara dos Deputados.

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Reportagem - Lara Haje  - Edição - Marcia Becker.
A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei n° 350/15, do deputado Sarney Filho (PV-MA), que altera o novo Código Florestal (Lei 12.651/12) com o objetivo de proteger as nascentes intermitentes.
O projeto altera o conceito de nascente contido no código para “afloramento natural do lençol freático, ainda que intermitente, que dá início a um curso d’água”. Hoje o conceito é “afloramento natural do lençol freático que apresenta perenidade e dá início a um curso d’água”.
“A lei vigente efetivamente protege, para o caso das nascentes, aquelas que não sejam intermitentes, mas as nascentes intermitentes precisam mais ainda de proteção, por toda sua fragilidade e importância biológica”, explica Sarney Filho.

 “As nascentes tem importância vital para todo o sistema hídrico, sendo que a diminuição de suas vazões, e até mesmo a sua total seca, apresenta consequências negativas diretas para os córregos, rios e demais cursos d’água”, complementa. Segundo o deputado, a proteção das nascentes é importante especialmente no contexto atual de crise hídrica no País.
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Foto - Site do Grupo Ondas . 
APPs
Além disso, o projeto altera o conceito de Área de Preservação Permanente (APP), para “as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, perene ou intermitente, desde o seu nível mais alto da cheia do rio”. Hoje o conceito contido no código para APPs é de “faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular”.

Conforme destaca Sarney Filho, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) evidencia a necessidade de as margens de cursos d’água voltarem a ser demarcadas a partir do nível mais alto da cheia do rio, como ocorria antes da aprovação do novo código. “A substituição do leito maior do rio pelo leito regular para a definição de Área de Preservação Ambiental torna vulneráveis amplas áreas úmidas em todo o país, particularmente na Amazônia e no Pantanal”, ressalta.
Segurança hídrica
O parecer do relator, deputado Rodrigo Martins (PSB-PI), foi favorável à proposta. “Nenhuma nascente pode ser considerada insignificante, pois mesmo a menor nascente contribui para a segurança hídrica do Brasil”, afirmou.

“No que concerne ao restabelecimento da delimitação da APP a partir do nível mais alto do leito do curso d’água, consideramos que a alteração, além possibilitar a proteção essencial às áreas úmidas do País, contribuirá para a redução das perdas patrimoniais e de vidas humanas associadas às enchentes e a outros desastres naturais”, complementou.
Tramitação
A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural já havia rejeitado o projeto, que agora será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e, em seguida, pelo Plenário.

ÍNTEGRA DA PROPOSTA:
O Blog Propagando parabeniza o Deputado Sarney Filho e apóia essa iniciativa. Uma pena que esse PL só saiu depois da tragédia de Mariana e por conseguinte não pode retroagir no tempo.
Veja a matéria original aqui:
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/MEIO-AMBIENTE/502739-COMISSAO-ALTERA-CODIGO-FLORESTAL-PARA-PROTEGER-NASCENTES-INTERMITENTES.html 

Transportes. Ônibus com Tarifa Zero é realidade em 12 (doze) Cidades Brasileiras.

Foto - Rede Brasil Atual.
No restante do mundo, 86 cidades, de 24 países, já aboliram a cobrança pelo transporte público. Coordenador do Projeto Cidades Sustentáveis conta como foi possível implementar a gratuidade. Reportagem da Rede Brasil Atual.
Publicado em 18 de janeiro de 2016.

Nestas primeiras semanas de 2016, algumas cidades brasileiras têm sido palco de protestos contra o aumento das tarifas de ônibus trens e Metrô, e em defesa do transporte público gratuito. Em São Paulo, após as manifestações marcadas por intensa repressão policial na semana passada, o Movimento Passe Livre convoca mais uma mobilização amanhã (19), no cruzamento das avenida Faria Lima com Rebouças, na zona sul da capital.
Em meio aos protestos, a pergunta que fica é se realmente é possível uma cidade oferecer transporte de graça para toda a população ou trata-se de uma utopia, afinal o dinheiro tem que sair de algum lugar para manter a estrutura e os serviços.

Reportagem de Vanessa Nakasato, do Seu Jornal, da TVT, mostra exemplos de cidades em que a tarifa zero é possível. Sobre o assunto, a jornalista conversa com o coordenador da Rede Nossa São Paulo e do projeto Cidades Sustentáveis, Oded Grajew. Ele aponta caminhos na busca de uma solução para os problemas do transporte público, sobretudo na capital paulista.

Em todo o mundo, são 86 cidades, em 24 países, que não cobram tarifa para que a população acesse o transporte público. No Brasil, 12 cidades também já adotam o modelo. Maricá, no litoral do Rio é uma delas. Desde dezembro de 2013 os habitantes podem andar de ônibus gratuitamente na rede municipal.
"É uma cidade de 150 mil habitantes e tem transporte gratuito para a população. O governo aloca recursos no orçamento para viabilizar o transporte público de graça para toda a população", assinala Grajew sobre a experiência maricaense.
Outra cidade que também caminha no mesmo sentido é Agudos, no interior de São Paulo. Os 40 mil habitantes, desde 2003, não pagam tarifa para acessar o transporte coletivo. Os ônibus são operados pela prefeitura e os motoristas são funcionários concursados.
Para que o transporte coletivo pudesse ser gratuito, cada uma das cidades recorreu a uma solução diferente, aponta o coordenador da Rede Nossa São Paulo. O mais comum e viável, segundo ele, é elevar o imposto territorial que atinja as pessoas de maior renda. "Outras cidades cobram uma taxa de todos os habitantes. Nos EUA, por exemplo, é por volta de 5 dólares por ano para cada habitante", comenta Grajew. "É uma decisão política que envolve uma decisão econômica, sobre o que vai se priorizar no orçamento e de onde que se vai buscar recursos para viabilizar o serviço para a população."
Gratuidade em SP. Na capital paulista, 2,2 milhões de pessoas, dentre aposentados, pessoas com mais de 60 anos, deficientes, estudantes de baixa renda e trabalhadores desempregados já contam com a isenção da tarifa – juntos, eles representam 22% dos passageiros.
O coordenador da Rede Nossa São Paulo afirma que os primeiros passos a serem dados é tratar o tema com transparência e discutir alternativas com a sociedade. "O que pode se fazer, de imediato, é abrir a discussão. Abrir as contas para a população, olhar todos os números, o quanto que a prefeitura gasta em cada coisa, quanto é o lucro das empresas, os impostos que são cobrados, e envolver a sociedade na discussão."
Sobre os impactos de uma eventual tarifa zero na cidade, Oded Grajew afirma que vão muito além da simples isenção da tarifa. "Melhora a qualidade de vida. As pessoas podem ter acesso à cultura, ao lazer, porque podem se deslocar. Melhora a saúde da população, porque há menos poluição causada pelo transporte individual."
Ele cita ainda que as cidades que acabaram com a cobrança de tarifa conseguem atrair empresas, que se livram assim de arcar com os custos do vale-transporte, e lembra que, por tudo isso, a questão dos transportes é também uma questão de direitos.

domingo, 17 de janeiro de 2016

Rede Wal-Mart, dona das marcas "hiper bom preço" e "bom preço" vai fechar 269 Lojas, sendo 60 no Brasil.

Maior varejista do mundo está encerrando seu formato de lojas menores, o Walmart Express, em uma reestruturação que afetará 16 mil trabalhadores.
Texto de Nathan Layne, em 15 de janeiro de 2016.
Foto - Uma das Lojas fechadas é esta em São Luís, na Rua Grande, antigo Lusitana, atual Bom Preço.
(Reuters) - O Wal-Mart Stores disse nesta sexta-feira que está encerrando seu formato de lojas menores, o Walmart Express, e fechará 269 unidades globalmente, incluindo 154 nos Estados Unidos, em uma reestruturação que afetará 16 mil trabalhadores.
O Wal-Mart, maior varejista do mundo, disse que planeja fechar 102 lojas nos EUA do formato express, que tem um décimo do tamanho de uma loja convencional. O formato estava em testes desde 2011, mas não entregou os resultados desejados.
Em outros mercados, o Wal-Mart disse que está encerrando 115 lojas na América Latina, incluindo 60 no Brasil. A Reuters noticiou o fechamento de unidades no Brasil na quinta-feira.
O Wal-Mart disse que a medida reduzirá o lucro por ação em 0,20 a 0,22 dólar, com quase tudo sendo registrado no quarto trimestre fiscal que termina neste mês. Em novembro, a empresa estimou um lucro anual de 4,50 a 4,65 dólares por ação.
"Fechar lojas nunca é uma decisão fácil, mas é necessário manter a empresa forte e posicionada para o futuro", disse o presidente-executivo do Wal-Mart, Doug McMillon, em comunicado.