quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Maranhão. Cacique Jorginho Guajajara é assassinado em Arame.

Foto - Facebook.
Crime estaria relacionado ao acirramento do conflito dos índios com madeireiros que invadem impunemente a Terra Indígena Araribóia.
Mais uma liderança indígena é morta no Brasil. O cacique Jorginho Guajajara, da Terra Indígena Araribóia, na Amazônia maranhense, foi assassinado no último fim de semana. 
Segundo lideranças Guajajara ouvidas pela reportagem do Intituto Socioambiental (ISA), seu corpo foi encontrado na manhã do domingo (12/8) na entrada do município de Arame (MA), cuja sede faz limite com a TI. Jorge era cacique da aldeia Cocalinho I, do povo Guajajara.
De acordo com lideranças Guajajara, nenhuma providência foi tomada por órgãos públicos até agora. “Até agora nenhum órgão se manifestou”, afirma Vitorino Guajajara, da região de Lago Branco, na TI.
Segundo Marçal Guajajara, o cacique foi morto por não-indígenas. O conflito na região é acirrado, com invasões constantes de madeireiros na Terra Indígena. 
Segundo Vitorino, existe uma espécie de toque de recolher na cidade e nenhum índio deve circular em Arame depois das 22 horas. 
O cacique Jorge estava no município depois desse horário. “Se for lá depois das 22h, acontece isso”, relata Vitorino. “Os madeireiros se juntam aos caçadores para agredir nossos parentes”, relata.
A região amazônica do Maranhão é alvo de intenso desmatamento e degradação florestal, inclusive dentro de terras indígenas. 
Segundo dados do Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) de 2017, 70% do bioma já foi desmatado no Estado (veja mapa abaixo). Apenas na TI Araribóia, foram 24.698 hectares desmatados até 2017. 
No município de Arame, ainda de acordo com os dados do Prodes 2017, a situação não é diferente: dos últimos 25% de floresta restante, a maior parte está em terras indígenas. Além da TI Araribóia, os Guajajara ainda possuem uma segunda área que incide sobre o território do município, a TI Geralda/Toco Preto, de 19 mil hectares.

Guardiões da Floresta.

Para combater a invasão de seus territórios e a degradação de suas florestas, os Guajajara têm se organizado em grupos de proteção territorial chamados de "guardiões da floresta", que também fazem a vigilância contra madereiros e caçadores. O grupo ainda busca proteger, dos invasores, índios Awá Guajá isolados que vivem na região.
Xulwi Guajajara é líder do grupo de guardiões da Aldeia Zutiu, na TI Araribóia. Segundo ele, há um grupo de madeireiros foragidos da Justiça vivendo na TI, e que realizam assaltos na região. Isso tem acirrado o conflito e as ameaças contra os guardiões, que estão buscando apoio das autoridades locais e federais.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Luto sem fim: Brasil tem mais de 80 mil pessoas desaparecidas.

Mortos e desaparecidos polítocos | Foto: Elza Fiúza/ABr
Mortos e desaparecidos políticos durante a Ditadura Militar.  Foto: Elza Fiúza/ABr
Luciano Velleda
Da RBA

O Brasil encerrou o ano passado tendo 82.684 boletins de ocorrência registrando o desaparecimento de pessoas, segundo revelou o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018, divulgado na quinta-feira (9). O estado de São Paulo lidera com folga a dramática estatística, com 25.200 pessoas desaparecidas, seguido por Minas Gerais, com 8.878, e Santa Catarina, com 7.752 desaparecimentos.
O estudo anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública jogou luz no Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, criado em 17 de dezembro de 2009, conforme a Lei 12.127, e lançado em 26 de fevereiro de 2010 junto com o site www.desaparecidos.gov.br. Desde o início deste ano, o site foi tirado do ar pelo governo federal. Apesar de nunca ter funcionado como deveria, o canal tinha cerca de 370 crianças e adolescentes desaparecidos cadastrados e, de alguma forma, era um espaço oficial que alimentava a esperança de reencontro dos familiares.
“Ele (o site) vem inativo desde quando surgiu, em 2010. Nunca funcionou adequadamente, sempre dependeu das famílias fazerem o cadastramento. As mães que tinham que mandar fotos, cópia do boletim de ocorrência e as informações sobre o desaparecimento”, explica Ariel de Castro Alves, advogado e coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe). “O governo federal sempre justificou, tanto nas gestões anteriores como na atual, que os estados não encaminhavam os boletins de ocorrência.”
A falta de integração entre os estados e o governo federal sempre foi a principal razão pelo mau funcionamento de um cadastro nacional que poderia cumprir uma importante função. Na prática, os estados nunca colaboraram com o envio das informações para alimentar e atualizar o sistema. Segundo Castro Alves, a maioria dos estados, como São Paulo, por exemplo, sequer tem cadastros estaduais de crianças e adolescentes desaparecidos. Para ele, os cadastros estaduais e o nacional deveriam ter atualização diária a partir dos boletins de ocorrência (BOs) de crianças e adolescentes desaparecidos registrados nas delegacias de polícia de todo país.
Apesar da pouca eficiência, o coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Condepe avalia que o fim do site é um descaso com os familiares. “O cadastro funcionava precariamente, mas gerava uma expectativa porque era oficial e podia ser acessado de qualquer parte do país. É um desrespeito. As famílias não foram comunicadas de que o cadastro sairia do ar e elas tinham expectativa. Então é mais uma frustração, mais um abandono dessas famílias, um total desrespeito.”

Falta de prioridade

Com a aprovação do Sistema Único de Segurança Público (Susp), Ariel Alves tem esperança que a situação melhore porque, a partir de agora, os estados terão a obrigação de encaminhar os boletins de ocorrência e as informações criminais. “Isto pode, a médio e longo prazo, colaborar para resolver essa falta do banco de dados unificado. O estado de São Paulo nunca teve essa prioridade e também nunca atuou em nada, de modo integrado, com o governo federal, principalmente em temas de direitos humanos. Nem nos governos anteriores, nem no atual.”
Atualmente, São Paulo tem uma única delegacia de pessoas desaparecidas, vinculada à Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Localizada na capital, tem a missão de atender o estado todo.
Desde 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a necessidade de haver órgãos especializados na polícia e no Judiciário para atender crianças e adolescentes. Em alguns estados existem delegacias especializadas, mas não em São Paulo. E mesmo nos estados onde tais delegacias foram criadas, elas costumam estar localizadas apenas na capital. “Mas em São Paulo nem na capital tem”, critica Alves.
Para piorar a situação, os casos de desaparecimento não costumam ser investigados, seja de crianças ou de adulto, afirma o advogado. “A polícia diz que, em si, o desaparecimento não é um crime, é um fenômeno social a criança não estar sob os cuidados da família. Agora, por trás do desaparecimento pode haver rapto, sequestro, cárcere privado, assassinato, então por isto é necessário que em todos os casos sejam instaurados inquéritos. Na prática, quem hoje investiga são as próprias mães.”
O coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Condepe enfatiza ser comum a polícia sugerir aos pais esperar por 24 ou 48 horas antes de registrar o desaparecimento, uma prática que, afirma, é ilegal. “Os primeiros momentos são os mais importantes para buscar, esclarecer, investigar e localizar. E a lei também prevê que após fazer o boletim de ocorrência, além de iniciar as buscas, a polícia tem que informar as rodoviárias, os aeroportos, a polícia rodoviária, e isso também não acontece.”
A situação de ter um filho desaparecido, diz Ariel Alves, é um luto permanente, com enorme desgaste emocional e psicológico. “Muitas mães desenvolvem doenças, um câncer, um problema cardíaco. Elas não contam com nenhum tipo de apoio, é um descaso.”

Brasil, setor elétrico impulsiona expansão do setor de gás.

Reuters/Petar Kujundzic/Arquivo
A seca impulsionou as usinas termoelétricas; a alta no volume de gás foi de 18,2% nos primeiros seis meses de 2018.

247 - A seca no nordeste impulsionou as usinas termoelétricas. A alta no volume de gás foi de 18,2% nos primeiros seis meses de 2018 (se comparado ao mesmo período de 2017). O Nordeste respondeu por quase metade do aumento. O consumo total do gás, que inclui aplicações industriais e uso doméstico, teve um aumento médio de 6% no mesmo período.
"Com o prolongamento da seca, a bandeira vermelha (adicional cobrado na conta de luz para custear o acionamento das térmicas) deverá durar até novembro, de acordo com o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). Hoje, o acionamento das usinas elétricas é o principal responsável pela expansão do setor de gás natural, afirma Pedro Franklin, diretor da Comerc Gas (empresa de gestão de consumo de gás).
(...)
As distribuidoras de gás endossam a defesa de um leilão para contratar novas usinas térmicas no Nordeste --proposta que está atualmente em estudo pelo governo federal, com a possibilidade de sair ainda neste ano.

domingo, 12 de agosto de 2018

Documentário ‘Já Vimos Esse Filme’ relaciona impeachment com histórico de golpes no Brasil.

Luís Eduardo Gomes
Filmado majoritariamente no dia da votação do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) na Câmara de Deputados, o documentário “Já Vimos Esse Filme”, do cineasta Boca Migotto (Pra ficar na história, 2017, e Filme sobre um Bom Fim, 2015, entre outros), busca conectar este evento histórico com outros golpes pelos quais o Brasil passou ao longo de sua história, demarcando também a participação de pessoas ligadas ao Rio Grande do Sul nesses eventos. 
A obra, que não tem fins lucrativos, estreará no próximo dia 24 de agosto com exibição simultânea em salas de cinema e na internet.
Boca destaca que a ideia inicialmente proposta pelos produtores era a realização de um curta metragem a respeito do dia de votação do impeachment, mas que ele argumentou que, pelo custo ser muito semelhante, era possível fazer um longa metragem. Dessa forma, no dia 17 de abril de 2016, uma equipe cinematográfica acompanhou a votação na Câmara dos Deputados e outras quatro acompanharam os eventos de Porto Alegre: uma no Parcão, onde se concentraram os apoiadores do impeachment, outra na Praça da Matriz, ponto de concentração dos contrários, e as duas últimas na periferia e circulando pela cidade. O objetivo era capturar a atmosfera daquele dia histórico.
Ao analisar o material gravado, o cineasta ter percebido que ele precisava ser ampliado para melhor se adequar à proposta de um longa metragem. A ideia então foi aprofundar a relação do Rio Grande do Sul, não só com o episódio, mas com outros golpes de Estado pelos quais o Brasil passou. “Geralmente tem um gaúcho envolvido, de um lado ou de outro”, diz Boca, citando como exemplos Getúlio Vargas, João Goulart e os ditadores militares Costa e Silva, Médici e Geisel.
Ao fim, a equipe continuou produzindo o filme por mais um ano, realizando entrevistas que ajudam a contextualizar o processo histórico. Durante o percurso, uma primeira versão do filme foi exibida para alunos que ocuparam cursos da UFRGS, o que acabou entrando na versão final. Mais uma vez de maneira não esperada inicialmente, as filmagens se encerraram com a votação do arquivamento da denúncia contra o presidente Michel Temer (MDB), na mesma Câmara que cassou Dilma, mas com um resultado “bastante diferente”.
“Começa com a votação da Dilma e termina com a votação do Temer, isso também dá uma sensação de ciclo, de que a história vai se repetindo ciclicamente. E um País que tem sérias dificuldades de utilizar a memória como elemento de reflexão está fadado a repetir coisas graves enquanto isso não for solucionado. Estamos errando novamente em coisas que a gente já viu”, diz Boca.
O cineasta destaca ainda que as pessoas entrevistadas para o filme não foram políticos ou personagens envolvidos diretamente no impeachment, o que ajuda a diferenciar o documentário de outros filmes sobre o mesmo episódio, como “O Processo”. Foram ouvidas pessoas que estavam observando de fora, como professores, artistas, profissionais liberais, etc. A partir dessas falas, o documentário discute temas como o sistema eleitoral brasileiro, a corrupção, a operação Lava-Jato, os interesses econômicos e ideológicos, o preconceito e os papéis da grande mídia, do Poder Judiciário, do Ministério Público e das redes sociais no contexto do impeachment. “A gente tenta fazer uma análise a partir de pessoas como a gente, eu e você”, afirma.
“Já Vimos Esse Filme” estreia oficialmente em diversas plataformas digitais no próximo dia 24 de agosto, data que marca o aniversário de 64 anos de morte de Getúlio Vargas. Às 21h, será exibido de forma simultânea no Cinebancários, em Porto Alegre, na Casa da Democracia, em Curitiba, no Youtube, pelo Brasil 247 e pela Mídia Ninja.
Produzido por um coletivo interdisciplinar em defesa da soberania popular, todos os valores arrecadados na exibição de “Já Vimos Esse Filme” serão revertidos a pessoas jurídicas de natureza não comercial. De acordo com os produtores, a motivação para a realização do documentário é registrar para as gerações presentes e futuras as semelhanças entre os golpes políticos ocorridos no Brasil e a fragilidade da formação democrática da sociedade brasileira.
Ficha Técnica:
Já Vimos Esse Filme (longa-metragem, 78 minutos)
Produção: Ricardo Só de Castro e Christina Dias
Produção executiva: Glauco Urbim
Diretora de Produção: Mariana Mêmis Müller
Desenho de som e mixagem: Augusto Stern e Fernando Efron
Montagem: Drégus de Oliveira
Roteiro: Boca Migotto e Drégus Oliveira
Direção: Boca Migotto

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Brasil. STF institui a perpetuidade em casos de improbidade administrativa.

 
O Supremo Tribunal Federal (STF) deu mais um passo nesta semana contrário à Constituição Federal, rumo à insegurança jurídica, e pela criminalização ad eternum de agentes públicos brasileiros, ao decidir que são imprescritíveis ações de ressarcimento ao erário fundada na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.

Embora a Carta Magna de 1988 tenha rejeitado a perpetuidade, os ministros do STF decidiram dar “milho para bode”, isto é, para o Ministério Público Federal, ao aprovar que não há prazo para cobrar ressarcimento em improbidade administrativa.
O ministro Gilmar Mendes, em seu voto, acertadamente resumiu o imbróglio: “O MP todo poderoso vai entrar com ação. Sabemos que essas ações são muito animadas por razões políticas. E no cotejo atual pode ser apresentada de maneira flagrantemente irresponsável sentido jurídico.”
A Constituição prevê no art. 5º, XLVII, alínea b, da CF/88, o princípio da não perpetuidade da pena para evitar violações de direitos fundamentais.
O placar apertado (6 votos favoráveis a 5 contrários) denuncia quão controverso é o tema que, nas palavras do ministro Edson Fachin, trata-se de uma “exceção à regra” da prescrição. Ou seja, de exceção a exceção, formou-se no país um Estado de exceção (antítese do Estado Democrático de Direito).
Votaram pela perpetuidade os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Celso de Mello, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Roberto Barroso.
Foram vencidos nesta aberração os seguintes ministros: Alexandre de Moraes (relator), Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello.
Entretanto, a mídia achou mais importante discutir o aumento do teto salarial dos ministros do STF para R$ 39,3 mil.

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

São Paulo. Policial Juliane (PM), morta por ser policial: um ataque aos direitos humanos.

Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo. Enterro-PM-Juliane-dos-Santos-Duarte.
Texto de Arthur Stabile.

Negra, lésbica, periférica e dona de ‘uma alegria contagiante’, Juliane dos Santos Duarte foi enterrada na Grande SP; amiga conta que ser policial era o grande sonho da vida dela.

Seis rosas brancas estavam enfileiradas à frente do porta-retrato, colocado no caixão lacrado. A foto mostrava um sorriso sincero de ponta a ponta do rosto negro, de cabelos curtos, brinco na orelha e uma camiseta cinza. A expressão era uma das marcas da PM Juliane dos Santos Duarte. Aos 27 anos, ela morreu após desaparecer de um bar em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, e seu corpo ser encontrado quatro dias depois. Centenas de pessoas, entre familiares, amigos, vizinhos, curiosos e policiais acompanharam o enterro.

Juliane era negra, lésbica, moradora da periferia de São Bernardo do Campo – onde foi enterrada na tarde desta terça-feira (7/8), no Cemitério Municipal Vila Euclides. Para ela, não existia tempo ruim. Segundo amigos, colegas de trabalho e quem conviveu com a jovem, seu astral era contagiante. Apesar do jeito tímido e ser mais retraída, fazia questão de ver quem estava à sua volta feliz. Assim como ela sempre estava, conforme quem a conheceu.

“O sorriso dela iluminava por onde passava, sempre estava feliz. Era um sorriso largo, lindo. As pessoas a conheciam pela felicidades da Ju. Não à toa muita gente a chamava de sorriso”, conta Laisla Carvalho, de 24 anos, ex-namorada da policial. Elas namoraram por seis meses em 2008 e voltaram a se falar em abril deste ano.

Desde aquela época, Juliane já tinha traçado um sonho de vida: ser PM. Passou pela GCM (Guarda Civil Metropolitana) de São Bernardo do Campo e conseguiu entrar na corporação em 2016. No reencontro com Laisla, fez questão de compartilhar a conquista. “Ela me falou: olha, consegui chegar à PM. Era o sonho dela ser polícia, proteger o próximo. Foi um sonho que a levou da gente”, disse.

A alegria do dia a dia era contagiante no grupo de amigas. A soldado costumava dançar sertanejo, andava de skate e tocava instrumentos, entre eles violão, bongo e triângulo. Era comum se reunir para tocar um som em casa, jogar vídeo-game e comer.

Foto escolhida pela família para ficar em cima do caixão | Foto: Arquivo pessoal.

“Ela era animada demais! Nos conhecemos ainda na adolescência, morávamos perto uma da outra. Quando nos juntávamos, ela não gostava de lanche, tinha que ser prato feito, comida, senão nem gostava”, conta Renata Fernandes, 29 anos, amiga que formava um trio extremamente unido junto de Juliane e Carla, outra vizinha.

Juliane era lésbica e costumava vestir roupas estereotipicamente masculinas. Segundo amigas próximas, nunca pediu para ser tratada como “ele”, uma referência de se identificar como um homem trans. “Nunca fez questão de ser ‘ele’, era ‘ela’. A Ju era lésbica, não queria ser tratada como homem, apesar de vestir roupas mais masculinas”, conta Renata. 


Caixão de Juliane permaneceu fechado do início do velório até o sepultamento | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo.
Sonho de ser ‘polícia’
Renata foi quem aproximou Juliane da PM e tornou o sonho realidade. Ela trabalhava como estagiária no CPAM 1, na Vergueiro, região centrão de São Paulo, e incentivou a amiga. Juliana seguiu os rumos e virou soldado, trabalhando na 2ª Cia do 3º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), com base na Vila Guarani, zona sul de SP. Renata não seguiu, mas tenta fazer concursos para voltar à PM.

Segundo quem convivia com ela no dia a dia, mesmo que de modo afastado, a mesma alegria e emprenho eram vistos. “Estava sempre animada”, comentou uma cabo da 2ª Cia, durante o velório. O tenente-coronel Márcio Necho da Silva, comandante da área, definiu Juliane como uma “policial exemplar”.

“A Juliane era um destaque positivo dentro da equipe que trabalhava. Uma policial educada, solícita, companheira, prestativa, sempre ativa. O comportamento dela era exemplar”, declarou o tenente-coronal, explicando que ela estava há um ano no 3º BPM/M.

Cerca de 100 policiais acompanharam a cerimônia de velório e enterro de Juliana. Estavam presentes representantes da Polícia Militar (Rota, Tropa de Choque, Corregedoria, Rocan, Gate, Coe, do canil), da Polícia Civil, Polícia Rodoviária e GCMs de São Paulo e São Bernardo estiveram presentes na cerimônia.

Entidades de direitos humanos lamentam tragédia
Grupos internacionais de direitos humanos classificaram como uma “tragédia” a morte de Juliane, sobretudo por ser decorrente da função que ela exercia. As entidades lamentaram o crime e cobraram respostas das autoridades e punição dos autores.


“Este crime mostra a vulnerabilidade dos policiais no Brasil fora do serviço, são centenas de mortes por ano”, avalia César Munoz, pesquisador da Human Rights Watch Brasil. “Encaramos como uma tragédia, pedimos às autoridades o máximo esforço para achar os culpados da morte e punir. É fundamental ter um esforço muito maior de proteger os policiais de folga”, continua.

Enterro aconteceu por volta de 16h desta terça-feira (7/8) | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

O ponto de vista é compartilhado por Samira Bueno, diretora do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). “Os policiais são vítimas preferenciais do crime organizado e várias facções utilizam o homicídio de policiais como mecanismo de ascensão na facção. Não é a toa que 70% dos policiais assassinados no Brasil morrem fora de serviço”, pontua.

Segundo Samira, esta lógica evidencia uma política de segurança de lógica “super repressiva, militarizada e do enfrentamento”. “Isso vitima gente de ambos os lados e não sai da lógica de vingança”, analisa.

Para o advogado Ariel de Castro Alves, conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana), a morte de Juliane é um ataque ao “estado de direito” e “contra todos que defendem a legalidade, a Justiça e os Direitos Humano”.

“Como defensores de direitos humanos, defendemos principalmente o direito à vida, e lutamos contra qualquer forma de violência, injustiça e discriminação. O desaparecimento e a morte da PM Juliane faz parte de um contexto de crescente violência urbana e insegurança pública”, argumenta, tendo raciocínio acompanhado por Bruno Langeani, coordenador do Instituto Sou da Paz.

“É um caso muito grave. Não é um homicídio qualquer, ela foi morta em razão da função de PM, um crime que precisa ser tratado como uma agressão ao Estado”, sustenta Langeani, que critica a ofensiva do crime. “Caso tenhamos uma região em que criminosos se sentem à vontade de sequestrar uma pessoa, é um indicador de quão forte esse domínio do crime organizado está”, pondera.

Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo. Enterro-PM-Juliane-dos-Santos-Duarte.

Procurado através se sua assessoria de imprensa, o governador do estado de São Paulo, Márcio França (PSB), não comentou sobre a morte da policial. Ele não esteve presente no enterro em São Bernardo do Campo.

Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo.



quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Improbidade administrativa: para PGR, decisão do STF evita retrocesso na defesa do patrimônio público.

Arte em forma de retângulo, com fundo preto e a expressão Improbidade Administrativa escrita em letras brancas.
Suprema Corte seguiu entendimento do MPF e manteve imprescritibilidade em ações de ressarcimento.
Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quarta-feira (8), que o prazo para as ações de ressarcimento ao erário em casos de improbidade administrativa dolosamente comprovada (quando há intenção) é imprescritível. 
O resultado seguiu entendimento da Procuradoria-Geral da República (PGR) de que estabelecer prazo para esse ressarcimento contraria a Constituição. “A decisão evita retrocesso na defesa do patrimônio público, garante a segurança jurídica e a integridade no uso da coisa pública”, afirmou a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ao final do julgamento.
Com repercussão geral reconhecida, a decisão foi na conclusão do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 852.475, iniciado na sessão de 2 de agosto. O recurso questiona acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que declarou a prescrição de ação civil pública movida contra funcionários da Prefeitura de Palmares Paulista (SP) envolvidos em processo de licitação considerado irregular, e extinguiu a ação. 
Ao retomar a análise, os ministros Luiz Fux e Roberto Barroso, que haviam votado na sessão anterior pela fixação de prazo, reajustaram seus votos para garantir que não há prazo para o ressarcimento dos danos causados aos cofres públicos.
Ao alterar o voto, o ministro Barroso citou argumento usado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, de que a Constituição proíbe o usucapião de coisa adquirida de boa-fé e frisou que o ressarcimento ao erário não é sanção. O decano da Corte, ministro Celso de Mello, destacou que o princípio republicano consagra o dogma de que todos os agentes públicos são responsáveis perante a lei.
Em memoriais entregues aos ministros, Raquel Dodge defendeu que a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário decorrentes de atos de improbidade “deve privilegiar a coletividade lesada em detrimento do patrimônio do indivíduo ímprobo que causou o dano ao erário”.
No documento, a PGR destaca que proteger o patrimônio daquele que causou dano ao erário e que se enriqueceu ilicitamente às custas do poder público, a pretexto de garantir a observância dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da ampla defesa, “sem sombra de dúvidas, comprometeria a consecução dos objetivos fundamentais estabelecidos pela Carta Magna”. Segundo ela, reconhecida a prescrição, estaria fulminada a possibilidade de recomposição de recursos destinados ao bem comum da sociedade, notadamente nas áreas da saúde, educação e segurança pública.
Nota técnica – A Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal também se manifestou sobre o assuntou em nota técnica. O documento enfatiza que a reparação do dano é “inegociável”, mesmo no âmbito dos acordos de leniência da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13). “É inegociável porque o ilícito não pode gerar proveito indevido, direto ou indireto, que fique imune ao confisco, nem ser perdoado sem depuração do prejuízo causado à administração pública, isto é, à sociedade como um todo”, destaca a manifestação.
Eleição no STF - No início da sessão, o ministro Dias Toffoli foi eleito presidente do STF para o biênio 2018/2020. A posse está prevista para o dia 13 de setembro. O ministro Luiz Fux foi eleito vice-presidente para o mesmo período. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, cumprimentou os eleitos em nome do Ministério Público brasileiro e desejou êxito na missão. Raquel Dodge ainda parabenizou a ministra Cármen Lúcia pelo trabalho à frente do Tribunal nos últimos anos, de forma profícua, “motivo de orgulho dos brasileiros e principalmente das mulheres”.
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